quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Crítica de "Ponte dos Espiões"

Se você entende um pouquinho de cinema você conhece Steven Spielberg. Simplesmente um dos diretores americanos mais venerados da história, dotado de clássicos do cinema que vão de aventuras a comédias, dramas fictícios a romances históricos, etc. Trata-se de um diretor completíssimo que, em seus filmes, conseguiu passar uma mensagem muito clara da forma como ele entende o cinema (e o faz como poucos). É tão versátil que é responsável por franquias como "Indiana Jones" e o clássico "E.T. - O Extraterrestre", ao mesmo tempo que dirigiu "A Lista de Schindler" e "Império do Sol". Spielberg tem uma parceira de sucesso com o astro Tom Hanks (esse é o 4° filme da dupla) e não poderiam estar em melhor momento, contando com melhor história. "Ponte dos Espiões" acompanha a vida de James Donovan (Tom Hanks) um advogado de seguros que possui a difícil missão de defender, em tribunal, um homem acusado de ser um espião soviético. Trata-se de uma história real ocorrida no auge da Guerra Fria.

A grande perspicácia do roteiro é o enaltecimento dos valores morais do personagem. Afinal, até onde deve ir o código de conduta da profissão se este começa a ameaçar sua família ou até mesmo seu país inteiro? O dilema moral apresentado pelos Irmãos Coen demonstra a difícil situação vivida pelo advogado: deveria defender o réu seguindo todos os princípios da lei que decidiu amar e estudar ou deveria fazer "corpo mole" visto que o indiciado poderia ser um mau elemento para a nação? Com poucos minutos de filme o espectador já é inteiramente imerso nos conflitos do protagonista e, apesar de sabermos a História, o filme é intrigante do início ao fim. Outro ponto forte (e marca de Spielberg) é a imparcialidade. Apesar de ser totalmente americano, o filme não toma um lado como certo. Simplesmente conta a história de um herói, sem desmerecer nenhum território por causa disso. E é esse motivo que afasta o longa de se tornar clichê. Muitas obras (apesar de serem até qualificadas artisticamente) como "Sniper Americano", por exemplo, apelam muito para o excesso de nacionalismo e isso prejudica a percepção do filme como um todo. A mescla do roteiro de Joel e Ethan Coen com a direção de Spielberg é inusitada, pois une a velha geração à nova; o perfeccionismo praxe de Spielberg com a ousadia dos irmãos. Dessa forma, o longa consegue se contrabalancear, com momentos sérios unidos a momentos sarcásticos que inovam o gênero de tribunal/guerra.

Spielberg definitivamente sabe dirigir um bom drama. É notável como a câmera sabe os momentos certos de realizarem suas ações, quando deve ser tensa, quando o enfoque tem que ser mais aberto por causa do alívio, etc. Anos de experiência na realização cinematográfica proporcionaram ao diretor um "timing" perfeito na divisão dos elementos da narrativa. Introdução, desenvolvimento, clímax e resolução são muito bem divididos e, em cada momento, o diretor consegue extrair ao máximo daquilo que deseja comunicar visualmente. Aliado ao grande trabalho de Spielberg, está mais uma atuação primorosa de Tom Hanks. Após um belo trabalho em "Capitão Phillips", o ator retoma sua boa forma, fazendo um personagem nunca feito por ele antes, mas que é muito bem caracterizado. O astro inspira uma certa moralidade elevada ao personagem aliado com um desejo humanista imprescindível que fazem com que o personagem seja muito caricato. Talvez o Donovan "real" não seja assim, mas a forte caracterização de Tom Hanks ajuda a dar profundidade ao personagem e relevância aos conflitos.

Apesar de toda a qualidade técnica, o filme deve ser analisado como um retrato histórico. Todo figurino, a maquiagem e a ambientação remetem ao período histórico em questão e contribuem para aumentar o nível de veracidade. Além disso, é um longa que não omite a verdade em nenhum momento e talvez, por isso, configure-se como um dos bons filmes de Guerra Fria da história do cinema. Mesmo sem pesar para nenhum lado, o filme consegue retratar de forma imparcial toda o momento social/econômico/político da época. A trilha sonora é bem utilizada nos momentos chave, dando um toque suave condizente com o conteúdo visual. A aliança de um diretor lendário, dois irmãos escrevendo um roteiro redondo, um ator em sua melhor forma e uma história real comovente fazem com que "Ponte dos Espiões" seja tratado não somente como uma excelente obra de arte, mas também como um importante documento histórico.

Nota: 


- Demolidor

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Crítica de "Perdido em Marte"

Ridley Scott. O diretor britânico, se quisesse, poderia parar de fazer filmes hoje e seria considerado um dos maiores da história. Isso porque ele é responsável por clássicos da ficção científica como "Alien - O Oitavo Passageiro" e "Blade Runner - O Caçador de Androides", além de diversos outros filmes excelentes como "O Gladiador" e "Falcão Negro em Perigo". O problema é que, atualmente, Scott tem se arriscado demais em gêneros desconhecidos e fracassado frequentemente. Um grande exemplo é o filme "Êxodo: Deuses e Reis" que foi um fracasso. Por que, então, o diretor não volta para seu lugar de origem que é a ficção científica? Foi o que ele fez. E ao fazê-lo mostrou que, nesse gênero, ele é difícil de se bater. O filme além de se tratar de uma ficção científica, também se enquadra no gênero de sobrevivência. Isso é arriscado, afinal nos últimos 2 anos o cinema contou com "Gravidade" e "Interestelar", filmes que abordam a ficção científica dessa mesma forma. Mas, "Perdido em Marte" conseguiu ser original e até mesmo superar esses já consagrados clássicos recentes.

O longa conta a história do astronauta Mark Watney (Matt Damon) que é acidentalmente deixado para trás numa missão em Marte. Usando de seus conhecimentos científicos, Mark precisa achar um jeito de se comunicar com a NASA e de garantir sua sobrevivência no "Planeta Vermelho". O grande mérito do roteiro é fugir do convencional. "Gravidade", por exemplo, apesar de ser um espetáculo de direção e efeitos, apresenta um roteiro muito clichê. Uma carga dramática muito intensa e a resolução dos problemas sendo feita sem uma explicação totalmente plausível. Enquanto isso, o novo filme de Ridley Scott dá uma profundidade imensa ao roteiro. Apesar de saber explorar os momentos dramáticos do protagonista, o longa é divertidíssimo. Parece que os roteiristas tiveram a ideia de ver na tragédia algo cômico e isso funciona perfeitamente. Traz um apego imediato ao personagem e em algumas cenas faz o espectador realmente rir. Para se ter uma ideia o filme apresenta referências a "O Senhor dos Anéis". É um filme essencialmente "nerd". Mas esse apego todo só é possível através de uma boa atuação. Afinal, o foco da trama se concentra em apenas um ator. Porém Matt Damon demonstra o grande ator que é. Desde as transformações físicas, as mudanças de semblante, até a leveza na interpretação são dignas de elogio. O ator consegue dar um quê de carismático ao personagem e, sem apelar tanto para o emocional, faz com que o público torça para que dê tudo certo. E isso é outro ponto forte do roteiro. Este é totalmente imprevisível. Existem problemas o tempo inteiro e toda vez parece que vai dar tudo errado. Mas a grandiosidade do "script" está na resolução desses arcos. Tudo que se apresenta no longa é cientificamente aceito e explicado de forma orgânica ao público. Assim, o filme se caracteriza como um grande incentivador da ciência, além de se tratar de uma bela obra de arte. Além disso, as intrigas políticas presentes no filme são muito bem boladas. Se um astronauta ficasse perdido no espaço seria preciso muita habilidade para lidar com as pessoas na Terra e para conseguir ajuda. E o filme explora muito bem esse lado, dando ênfase aos diretores da NASA e à divergência entre eles quanto a determinados assuntos. Devido a esses fatores, o filme configura-se como um retrato totalmente possível de uma realidade futurística.

A direção de Ridley Scott é pontual. Aliado com o roteiro de muitas reviravoltas, a experiência do diretor é essencial. Existem cenas que através do movimento da câmera o espectador se sente claustrofóbico, desesperado ou sozinho. Mas, durante boa parte da sessão, o público fica tenso. Parece que o clímax da história já é apresentado na primeira cena. A partir dali é impossível relaxar durante todo o filme. Mas isso não é uma coisa pesada, pois entre toda essa tensão estão momentos de comicidade e dramaticidade. A forma como Scott consegue balancear todas essas emoções e oferecer um filme extremamente digerível é fantástica. Aliás, o longa apresenta aproximadamente 2 horas e meia de duração, todavia em nenhum momento o espectador se sente entediado. Com um roteiro afiado e uma direção perspicaz, o filme nos introduz naquele universo de tal maneira que esquecemos a vida real. E, afinal, não é esse o papel do cinema? Ridley Scott demonstra que ainda está vivo e nos oferece uma direção que, sem sombra de dúvidas, está dentre as melhores de sua carreira.

Outro grande ponto forte do filme é o elenco coadjuvante. Apesar do tempo para eles ser escasso, enquanto estão na frente das câmeras demonstram os grandes atores que são. Alguns nomes de destaque são Sean Bean, Chiwetel Ejofor, Jeff Daniels, Michael Peña, Kate Mara, dentre muitos outros. Mesmo com Matt Damon dominando o longa, seu elenco de apoio é excelente. O visual de Marte é muito bem explorado. Os efeitos práticos superam os efeitos especiais, então o planeta não é tão artificial. E isso, mais uma vez, contribui para a possível veracidade do longa. A fotografia, por isso, é extremamente bonita, aliada com uma trilha sonora oportuna. Ridley Scott nos presenteia com uma ficção científica/sobrevivência com roteiro afiado, direção eficaz que possivelmente se tornará um clássico do século XXI devido a sua originalidade e sua aproximação com um futuro plausível.

Nota: 

- Demolidor

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Crítica de "Roger Waters The Wall"

Pink Floyd. Uma das bandas mais importantes e influentes do século passado. Tendo início em 1965 na Grã Bretanha, o grupo é responsável por clássicos como "Wish You Were Here" e o icônico álbum "The Wall" (que inclusive possui um documentário). Eis que surge uma turnê de Roger Waters relembrando o álbum "The Wall" e, por conseguinte, um documentário. Este acompanha o show inteiro e conta com entrevistas exclusivas e emocionantes.

Como documentário, o filme é surpreendente. Não é uma produção padronizada (até porque não poderia ser tratando-se de Pink Floyd). O longa não segue uma linearidade. O show é interposto por entrevistas e pensamentos filosóficos de Waters. Isso dá uma dinâmica imprescindível ao filme, principalmente pelo tema das músicas se relacionar com as situações. Aliás, não é possível apreciar a música da banda sem prestar atenção nas letras politizadas e reflexivas que se tornaram símbolo de uma geração revolucionária e subversiva. Isso pode ser analisado até no título do álbum "The Wall". Todas as músicas fazem alusão a essas barreiras imaginárias a quais todos estamos submetidos e que precisamos sair. Aliás, as músicas do álbum acompanham a jornada de um personagem que se relaciona muito com o próprio Roger Waters. Durante o filme, é apresentado o fato de seu pai ter sido morto durante a Segunda Guerra Mundial e como isso o influenciou para seguir o caminho da música. Por meio de suas letras e melodias, Roger procurava transpor o sofrimento pessoal que possuía para o meio exterior. Um ponto interessante do filme é que a direção é de Roger Waters e Sean Evans (nenhum diretor com alguma experiência). Mas isso dá uma naturalidade absurda ao longa. Os momentos de diálogo são de tal imersão que o espectador realmente se vê dentro daquele universo. Por isso o mundo da sétima arte é tão bonito. Não é preciso efeitos especiais ou qualidade técnica para a direção ser boa, basta ser natural e apresentar os enfoques necessário à proposta do filme. E, nesse quesito, o documentário acerta em cheio.

Musicalmente, não há o que falar. São as músicas que todos conhecem (e sabem da qualidade) numa telona e sob um contexto apresentável. O que vale sim ressaltar não está no filme em si, mas no filme que existe dentro do filme (Inception?). A produção do show é tão grandiosa e recheada em efeitos sonoros e visuais que se comparam com uma produção cinematográfica (podendo até superar certos longas). É uma explosão de cores combinada com efeitos sonoros que remetem a aviões e bombas que trazem um quê de psicodélico ao filme. Mas, como poderia ser de outra forma? Pink Floyd tem uma proposta extremamente psicodélica (o símbolo mais famoso é um triângulo e um arco-íris) e é isso que os dá grandiosidade: a originalidade e a inibição de reproduzirem o que sentem. Dessa forma o show se configura como um retrato resumido da banda e isso é motivo de emoção para os fãs. Trata-se de um filme que não estreou em rede nacional, apenas sessões reservadas, contudo vale a pena se programar para assistir. Mesmo se o espectador não for um grande fã, passará a ter mais respeito por esta e apreciará a a produção como uma verdadeira obra de arte. Trata-se de um belo documentário sobre um ótimo show de uma das melhores bandas de todos os tempos.

Nota: 




- Demolidor