segunda-feira, 24 de julho de 2017

Precisamos falar sobre: "Sete Minutos Depois da Meia-Noite"

"Sete Minutos Depois da Meia-Noite" (originalmente "A Monster Calls") é um daqueles filmes que fazem sucesso nos festivais ao redor do mundo, porém, ao atingir solos brasileiros, duram pouco e fazem parte de um circuito extremamente reduzido. A data oficial de estreia do filme no Brasil foi 5 de Janeiro de 2017, contudo grande parte do público não teve a oportunidade de ir ao cinema. Eis que o filme surge no catálogo Netflix e torna-se mais acessível, suscitando diversas discussões acerca de temas deveras profundos e filosofantes.

O filme acompanha Conor, um menino que sofre bullying na escola e tem uma mãe com uma doença em estágio terminal. O menino começa a receber visitas de um monstro "amigo", que conta para ele algumas histórias. A premissa parece básica, mas a estrutura do longa é diferente de quase tudo que já vi no cinema. Trata-se de um exímio conto de fadas, na acepção mais pura da palavra, sem os devaneios tão comuns na versão Disney (nesse quesito se assemelha ao excelente "O Labirinto do Fauno"). O clima pesado referente à situação emocional na qual se encontra o protagonista conversa com a morbidez das histórias contadas pelo monstro. De certa forma, é possível comparar as histórias com a própria realidade em que vivemos, haja visto que uma história sempre parte de um contexto real. E, muitas vezes, uma simples história fantástica pode nos ensinar muito mais do que palavras jogadas ao vento em seu sentido denotativo.

Nesse sentido, o diretor J. A. Bayona acerta em cheio ao conectar os diversos elementos fantásticos com as situações vivenciadas pelo menino. Se em uma cena vemos Conor destruindo um castelo imaginário concomitantemente com um caos produzido na casa de sua avó, também percebemos como tudo o que ele pensa sobre a moral deve ser destruído. Estamos acostumados a viver em um mundo regido por normas de convivência e comportamento e, o simples fato de desejarmos algo fora do comum, nos torna culpados - não só pela sociedade em que vivemos, mas também por nossa própria consciência. O monstro, ao demonstrar a necessidade de Conor destruir os ambientes opressores ao seu redor, seja na metáfora de um castelo, seja no ambiente arcaico da casa de sua fria avó, prova como a verdade humana só pode ser atingida ao se desconsiderar todo o ambiente ao redor. Fugindo de perspectivas deterministas (tão presentes no mundo atual), o longa aborda profundamente a concepção platônica do ser, fazendo o público refletir acerca das verdades irrefutáveis que temos que engolir e refletindo sobre a famosa questão: "o que faz o ser humano ser humano?".

(a partir daqui alguns spoilers do filme são revelados)

Toda essa reflexão é extremamente favorecida pelo arco final do protagonista. Como um menino com o pai ausente e sem nenhum amigo é capaz de lidar com a eminente morte de sua mãe, único laço amoroso que ainda possui? Inicialmente, Conor parece desejar muito que sua mãe sobreviva, apelando ao monstro (que é uma árvore curandeira) para salvá-la. Entretanto, o monstro parece desconfiar da veracidade do sentimento do menino e dá indícios do que ele realmente queria escutar: a verdade. Conor deseja que sua mãe sobreviva (é claro), mas ao mesmo tempo não suporta que sua mãe sofra tanto com a doença. Ao mesmo tempo que ele quer sua mãe bem ao seu lado, ele quer que seu sofrimento acabe. Mesmo que isso signifique sua morte. Ao destruir todas as barreiras impostas por sua consciência, Conor descobre ao final que não é "pecado" apresentar tais sentimentos dualistas. Simplesmente faz parte de ser humano: às vezes queremos coisas contraditórias e sofremos com coisas exatas. Não existe uma fórmula certa para nos dizer o que fazer e como fazer. Em uma belíssima cena final, o monstro narra: "E, por fim, o menino agarra forte sua mãe e finalmente deixa ela ir." Ou seja, ao final de sua jornada Conor percebe que a estadia de sua mãe na Terra já estava no fim e aceita com resignação. Apesar de sentir tristeza e saudade, Conor entende que faz parte da vida. A vida é um passeio onde apenas conhecemos o início e temos certeza do fim. "Sete Minutos Depois da Meia-Noite" nos mostra como o sentimento humano é paradoxal e como está tudo bem por conta disso. As grandes reviravoltas da vida e os momentos de sofrimento são as coisas que a tornam extremamente válida, mesmo que não a entendamos plenamente. É nossa parte aproveitarmos cada momento da forma que achamos melhor, deixando de lado qualquer meia culpa que nos impeça de alcançarmos nossos objetivos. Ás vezes precisamos ouvir palavras de um monstro para realmente darmos valor à mensagem.

- João Hippert