sexta-feira, 27 de abril de 2018

Crítica de "Vingadores: Guerra Infinita"

A Marvel é responsável por uma revolução cinematográfica. Pode ser difícil entender isso nos tempos atuais, enquanto o processo ainda está se desenvolvendo, mas é louvável o desenvolvimento criativo que essa empresa, prestes a não ter mais recursos financeiros, foi capaz de fazer. Antes de Kevin Feige (o CEO) começar com o projeto de MCU (o Universo Cinematográfico da Marvel), os filmes de herói eram esporádicos e, em sua maioria, esquecíveis. O primeiro filme do estúdio, há exatamente 10 anos atrás, trazia um ator em processo de recuperação e um personagem não muito conhecido pelo público em geral. Se eu dissesse que o ator é Robert Downey Jr e o personagem é o Homem de Ferro - principais símbolos dessa revolução - o mais desavisado ficaria surpreso. E, com o passar dos anos, fomos apresentados a diversos outros personagens, alguns mais carismáticos, outros nem tanto; alguns com excelentes filmes, outros com películas medíocres. Mas uma coisa a Marvel sempre teve maestria em fazer: tratar seu modo de fazer cinema condizente com seu modo de fazer quadrinhos. O clima leve e colorido das histórias, o desenvolvimento dos personagens, a criação de ambientes fantásticos: tudo isso remete a uma boa leitura de gibis, o que fez o aspecto nostalgia favorecer bastante o sucesso em bilheteria dos filmes. E há também de se louvar o fato de que 3 das 10 maiores bilheterias da história do cinema mundial advém do estúdio ("Vingadores", "Vingadores: Era de Ultron" e "Pantera Negra"). Eis que chegamos, em 2018, ao 19° filme da Marvel - com certeza - o mais corajoso. Para quem acompanhou esse universo sendo criado desde o princípio, sabe como "Vingadores: Guerra Infinita" representa o complemento de um ciclo. Mesmo que não seja o capítulo derradeiro, aqui percebemos um peso das ações nunca antes visto e a familiaridade que o público tem com os personagens é tanta que sentimos o impacto da reunião do grupo todo.

Desde que o grupo dos Guardiões da Galáxia foi descoberto, os fãs sempre imaginaram como seria a relação deles com os Vingadores. Devido ao sucesso recente de "Pantera Negra", o público se perguntava como Wakanda seria inserida na história de forma a somar ao enredo. "Vingadores: Guerra Infinita" se propõe, nesse sentido, a buscar uma união entre os diferentes personagens, apresentados ao longo desses 10 anos, contra a maior ameaça até então apresentada: o vilão Thanos. É esse o melhor aspecto do longa. Como todos os heróis apresentam um background conhecido pelo grande público, o roteiro não se preocupa em esmiuçar suas histórias de origem; pelo contrário: o foco aqui é apresentar a relação entre personagens que não se conhecem de modo a respeitar a personalidade e característica fundamental de cada herói. É nesse sentido que o papel dos irmãos Russo na direção é muito competente, visto que consegue conciliar os diferentes tons de humor, de acordo com cada personagem, de forma a prover ao filme um ritmo bastante seguro, mesmo que a duração seja bastante extensa. Além disso, vale destacar o foco dado ao vilão Thanos que pode, facilmente, ser identificado como o protagonista da história. As cenas que envolvem Thanos se desenvolvem de maneira mais lenta e robusta, buscando aprofundar suas motivações e desenvolvendo seu passado. Embora o desejo do vilão seja destruir metade da população universal, o público consegue entender suas razões e seu carisma é capaz de fazer com que ele sustente grande parte da metragem. Desse modo, vale destacar o excelente trabalho de captura de performance de Josh Brolin, assim como os efeitos visuais, capazes de instituir um personagem caricato, contudo extremamente bem acabado.

Além disso, "Vingadores: Guerra Infinita" se constitui como um verdadeiro "fã service" aos adoradores do MCU. Isso porque todos os personagens apresentam um momento imponente que leva o público, literalmente, ao delírio. A dosagem da aparição de tais momentos é bem feita a ponto do público conseguir dar um suspiro em meio à tanta ação e, é claro, emoção. Assim, Anthony e Joe Russo conseguem dar um tempo justo de tela à cada herói, e o senso de coletividade é muito bem explorado. Outro ponto forte do filme, que se diferencia do que já foi mostrado pela Marvel, é o incrível senso de emergência aqui presente. Normalmente, nos filmes solo ou nós próprios Vingadores anteriores, as ameças, mesmo que tangíveis e perigosas, não assustavam tanto, pois o espectador já tinha a certeza de que o herói/os heróis iriam salvar o dia no final. Aqui isso não acontece. E o fato do público ter esse sentimento de tensão e desproteção a todo o momento serve muito para engrandecer o peso do filme. Depois de 10 anos, a Marvel mostra que "Vingadores: Guerra Infinita" se constrói como um ponto de virada para o estúdio. E a percepção pelo fã, que acompanha esses personagens há 10 anos, de que muitas daquelas histórias podem estar chegando ao fim, é angustiante. É como se durante esse tempo todo, fomos apresentados a grandes amigos poderosos e que sempre tínhamos a certeza de seus poderes. Todavia, a ameaça de Thanos é lançada de tal modo que não temos mais certeza de nada e, aqueles grandes amigos que fizemos nesse tempo, podem nos dar um adeus definitivo a qualquer momento. Porém, mesmo com essa carga dramática intensa, o longa é capaz de inserir gags e piadas muito bem encaixadas que dão à metragem o tom característico da Marvel. O equilíbrio entre as diferentes emoções e situações do filme promovem uma maior imersão e potencializam os sentimentos do espectador perante a obra.

Ademais, o longa se configura como um imenso paradoxo do MCU. Afinal, a sua grandeza não seria possível sem a imensa preocupação dos filmes anteriores em embasar aquele universo. Por outro lado, "Vingadores: Guerra Infinita" é um filme que se sustenta por si só. Obviamente deixa lacunas para as sequências, mas a proposta aqui é bem realizada, configurando-se como um filme perfeito enquanto realização de projeto. Só o tempo irá dizer a real importância desse filme, entretanto é evidente o impacto causado e como tudo no Universo Marvel pode vir a mudar. E, é por isso, que é impossível analisar as atuações: o público simplesmente aceita que os atores realmente são aqueles personagens. E o elenco parece entender a real potência do filme, realizando um papel digno e subserviente à história. Por fim, os diretores merecem crédito por capricharem na campanha promocional do longa, desde os trailers até os pôsteres, e a Marvel consegue, mais uma vez no ano, demonstrar sua força comercial. Não seria assustador se "Vingadores: Guerra Infinita" batesse o Top 3 da bilheteria mundial da história do cinema. E quando um filme demonstra tamanho esmero e respeito aos personagens, nós torcemos pelo sucesso. "Vingadores: Guerra Infinita" é um verdadeiro quebrador de paradigmas dentro do Universo Cinematográfico da Marvel, construindo um senso de preocupação e urgência - nunca antes visto - em aliança a um imenso carinho com os personagens já consagrados no cinema, além do desenvolvimento perfeito de um vilão dúbio, provocativo e seguro de si.

Nota: 

- João Hippert

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Crítica de "Um Lugar Silencioso"

O cinema de gênero, cada vez mais no panorama atual, vem perdendo espaço para as grandes produções. Os filmes de terror, por exemplo, são majoritariamente genéricos e com fórmulas batidas, apresentando poucos espaços para obras realmente inovadoras. Contudo, quando estas aparecem devemos reconhecer o frescor da arte sob a forma de película que faz a experiência cinematográfica ser maximizada sempre. O cinema de terror, especificamente, vem se fortalecendo bastante nos últimos anos devido a obras que pensam de uma forma diferenciada e que apresentam suas situações de formas não-convencionais, mas sem perder a essência do terror como manifestação do medo. "Invocação do Mal", "Corrente do Mal", "Babadook", "A Bruxa" são exemplos de cinema de gênero extremamente bem acabados em seu propósito, além de bem originais e com roteiros instigantes e complexos. Eis que, em 2018, surge John Krasinski (o mesmo da série cômica "The Office") com um roteiro bastante inovador. O filme acompanha uma família sobrevivente a uma espécie de apocalipse provocado por monstros que reconhecem suas vítimas através do barulho. Dessa forma, para que a família sobreviva é preciso se evitar ao máximo a emissão de qualquer som alarmante. Mas, como todo filme de terror, as coisas não saem exatamente como o planejado.

O principal desafio do roteiro foi a concepção do universo enquanto coisa real e a incorporação do conceito do silêncio como fator crucial à obra (nesse quesito remetemos ao excelente "Silêncio", de Martin Scorsese). Aqui, através de uma apresentação hábil de mundo, o script consegue definir regras daquele universo que são seguidas até o fim. Todas as gags, ao final, são utilizadas em prol da fluidez narrativa. Por exemplo, o fato do menino brincar com o carro no seu tempo livre tem impacto direto em um momento chave ao final da película. E essas articulações entre as diferentes partes do filme dão mais escopo à metragem, assim como uma maior coerência visual/textual. Ora, tudo é colocado de maneira tão encaixada que o público percebe o esmero do roteiro em definir os detalhes como elementos importantes da narrativa. Aliás, o filme trata justamente sobre isso. Em meio a uma sociedade de anúncios chamativos e barulhos a todo o momento, por que não mergulharmos em um filme pautado no silêncio e no apreço pelos detalhes? Além disso, vale ressaltar o emocionante desenvolvimento dos personagens da família, que foram utilizados como forma de engrandecer o apego do espectador àqueles sobreviventes. Todos os integrantes possuem um arco muito bem definido, sendo suas curvas dramáticas muito bem divididas a ponto de permitirem um excelente ritmo ao longa. O filme apresenta 90 minutos de duração, mas aparenta ter menos, justamente, por focar na fluidez dos fatos e na objetividade daquilo que é necessário à trama. Apesar de existirem momentos contemplativos e de desenvolvimento das relações entre os próprios personagens, o roteiro parece optar por um clima de tensão e um senso de urgência constantes, que, como são bem administrados, funcionam muito bem.

Por outro lado, vale também ressaltar a segura direção de Krasinski: mesmo não muito inovadora quanto à técnica, foi bastante prática. Krasinski parece ter a confiança de conhecer todos os nuances da história, ao apresentar sequências ora empolgantes, ora agoniantes, sendo a movimentação de câmera fator fundamental para a clareza visual. Por outro lado, o longa aposta em planos muito abertos que reiteram a grandeza daquele mundo pós-apocalíptico e a insignificância dos sobreviventes em relação a tudo. Nesse ínterim, a fotografia pálida e lúgubre serve para ressaltar esse ambiente triste e sem vida, sendo as cenas enquadradas pelo diretor muito bonitas, porém sem a vivacidade necessária, justamente, por esse apelo solitário que o filme traz consigo. Dessa forma, é impossível não comparar o visual do filme e a própria premissa ao jogo "The Last of Us", que também aposta muito no suspense e na construção de um universo rico como forma de desenvolver a história. Ademais, vale também destacar o papel vital do editor e do mixador de som na montagem desse filme, visto que o trabalho com o som é deveras importante para o impacto no espectador. Sendo uma obra que trabalha com a inexistência total de nenhuma forma sonora, qualquer ruído mais grave ou inserção de trilha sonora precisa ser feito de maneira totalmente estratégica, visto que configura-se como uma mudança de paradigma muito rápida. Assim, a trilha sonora também é usada de forma eficiente nos momentos oportunos, sendo o seu tom melancólico completamente condizente com a atmosfera criada.

Talvez o grande problema da metragem esteja na sua parte final. E quando digo final remeto-me aos cinco minutos finais de fato. A resolução do clímax, apesar de ser válida para outros filmes e outras situações apresentadas, não possui respaldo na construção do universo previamente exibida. Mesmo que apresente um certo sentido narrativo, a ruptura com o sentimento sob o qual o filme se baseia faz com que o final não seja tão impactante quanto deveria. Apesar do longa a todo o momento quebrar paradigmas formais do gênero e desenvolver certas situações de forma criativa, é justamente o final que provoca um pouco de desgosto, por remeter a um clichê muito utilizado. Mas, mesmo assim, "Um Lugar Silencioso" é uma obra deveras ousada e que merece ser vista no cinema, principalmente pela experiência áudio-visual. O elenco também merece destaque por ser capaz de oferecer subcamadas aos personagens de modo que cada um tenha a sua personalidade própria, mesmo sem expressá-las por meio da voz. Talvez a mais exigida dramaticamente seja realmente Emily Blunt, mas os demais atores conseguem dar um suporte muito bom para ela, de forma que todas as atuações são críveis e competentes. Dessa forma, "Um Lugar Silencioso" se apresenta como um filme de gênero que foge das convenções, ao desenvolver um conceito criativo de forma atmosférica e completamente imersiva.

Nota: 

- João Hippert