quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Top 10: Filmes 2017

2017 foi um ano excepcional para os cinéfilos brasileiros. Os diversos gêneros cinematográficos foram presenteados com obras inesquecíveis. Venho aqui listar o que de melhor vi nas telonas brasileiras no ano de 2017 (vale lembrar que só considero os filmes lançados comercialmente no Brasil em 2017. Assim, alguns filmes têm data de produção de 2016). Começando pelas menções honrosas, a temporada de premiação desse ano nos presenteou com alguns bons filmes, tais como o impactante drama Manchester à Beira Mar, o surpreendente coreano A Criada, o substancial drama adolescente Quase 18 e o ótimo documentário Beatles: Eight Days a Week. 2017 também foi mais um ano de brilhantismo dos estúdios Disney, com a importante animação Moana e a digna refilmagem de A Bela e a Fera. Na disputa anual entre Marvel e DC, o melhor de cada estúdio tem qualidade equiparada. Enquanto Mulher-Maravilha aposta no carisma de sua protagonista e no peso de suas decisões, Guardiões da Galáxia Vol II amplia o universo da franquia através de alívios cômicos certeiros e uma narrativa simples, porém eficaz. Ambos são ótimo entretenimento. Continuando com os grandes lançamentos, It: A Coisa demonstrou uma incrível capacidade de construção de universo, configurando-se como o melhor terror do ano. Abaixo dele está o terror psicológico Corra, repleto de sub-textos sociais extremamente atuais. Por outro lado, o melhor filme de ação do ano é Em Ritmo de Fuga que apresenta uma montagem exemplar, além de uma trilha sonora de extrema qualidade. Stephen Chbosky acerta no tom ao conceber um filme "família" com lições edificantes em "Extraordinário". Partindo para as obras de grandes diretores, merecem destaque "Silêncio" - filme em que Martin Scorsese exibe sua visão contemplativa acerca da fé e das inquietude humana - e "Roda Gigante": filme típico de Woody Allen, cujo roteiro acerta ao desenvolver uma crescente de tensão e diálogos niilistas (destaque também para a primorosa atuação de Kate Winslet). Finalizando as menções com o cinema nacional, os longas que merecem destaque são o ótimo retrato histórico da Inconfidência Mineira presente em Joaquim, a leveza na linguagem utilizada em O Filme da Minha Vida e seu deleite visual, além da estupenda cinebiografia Bingo - O Rei das Manhãs, que subverteu completamente todos os clichês do gênero. Eis, portanto, os 10 melhores filmes de 2017:

  • Blade Runner 2049 - "Blade Runner 2049" é um filme profundamente reflexivo, que através de ritmo seguro e roteiro circular, questiona o espectador acerca do que é ser humano. E o mais angustiante? Parece que não temos a resposta.
  • La La Land: Cantando Estações -  A cinematografia de Chazelle impressiona, assim como sua habilidade para construir rimas narrativas, que ajudam Ryan Gosling e Emma Stone a apresentarem atuações inesquecíveis. 
  • Mãe! - "Mãe!" é um filme inteligente, perturbador, angustiante, quebrador de paradigmas, que se apresenta com um ritmo extremamente fluido, devido à sua montagem competente e ao excelente trabalho de câmera do diretor, além de ser completamente visceral e contar com uma dupla de protagonistas em excelente forma.
  • Logan -  O roteiro introspectivo, a direção limpa e apreensiva, as atuações viscerais e emocionantes tornam "Logan" um dos melhores filmes de super-herói já feitos.
  • Moonlight: Sob a Luz do Luar"Moonlight" tem a coragem necessária de desenvolver a descoberta da homossexualidade no subúrbio norte-americano, servindo como pretexto para uma magnífica jornada de autoconhecimento e crítica social.
  • Star Wars: Os Últimos Jedi -  São 2 horas e 32 minutos de pura magia, nostalgia e emoção. Chega na parte final do filme, em seu clímax, e o único sentimento remanescente é o desejo de ficar um pouco mais naquele universo tão aconchegante.
  • Sete Minutos Depois da Meia-Noite -  Fugindo de perspectivas deterministas (tão presentes no mundo atual), o longa aborda profundamente a concepção platônica do ser, fazendo o público refletir acerca das verdades irrefutáveis que temos que engolir e refletindo sobre a famosa questão: "o que faz o ser humano ser humano?;
  • Com Amor, Van Gogh - “Com Amor, Van Gogh”, através do uso perfeito das técnicas da animação pintada à mão, presta uma grande referência ao grande pintor, embora as qualidades técnicas e artísticas transcendam ao servirem como plano de fundo para uma bela narrativa.
  • Eu, Daniel Blake - Ken Loach consegue realizar um trabalho extremamente reflexivo, dotado de inúmeras camadas e sub-textos que dão consistência a uma obra crítica e imprescindível.
  • Dunkirk - Ao retratar os personagens de forma extremamente sensível e humanizada, o apego do público é muito intenso, o que contribui para o excelente andamento do longa. "Dunkirk" apresenta inúmeros aspectos técnicos que merecem exaltação, mas é o retrato de Nolan acerca do homem comum na guerra que torna o filme tão especial.
- João Hippert



sábado, 23 de dezembro de 2017

Crítica de "Com Amor, Van Gogh"

Vincent Van Gogh é, possivelmente, o maior artista de todos os tempos. Situado na época do pós-impressionismo, o holandês passava para suas telas o sentimento de desconcerto intrínseco à sua alma. Como todo grande gênio, Van Gogh tinha dificuldades de relacionamento , principalmente, devido às suas alucinações que os faziam procurar por ajuda. A mais famosa delas, por exemplo, foi a orelha cortada que é, infelizmente, o que a maioria das pessoas sabe sobre o artista. A genialidade dele, todavia, vai muito além da capacidade de expressar suas contradições na tela de forma genuína. Vincent Van Gogh era um pintor auto-didata cuja carreira teve início depois da vida adulta. Além disso, a sua forma de distorção da realidade exterior como forma de retratar sua angústia foi o ponto de partida para muitos pintores expressionistas subsequentes, fato que dá à Van Gogh o título de “pai da arte moderna”.

É nesse contexto que surge a animação “Loving, Vincent”. Note como o título original da obra busca retratar o pintor de forma mais íntima, mais humana, se afastando do peso que o sobrenome carrega (equivocadamente a tradução brasileira desfaz esse papel). A própria escolha do título elucida a proposta do filme em buscar compreender as aflições de um gênio. O filme é um verdadeira “road-movie” acerca dos momentos derradeiros da vida do pintor, mas isso nunca fica estafante. É perceptível como o roteiro, ao apresentar diversos personagens da vida de Vincent, consegue desenvolver o pensamento de cada um relação a ele, demonstrando como o convívio com uma pessoa fora de série afeta as pessoas. Nesse ínterim, “Com Amor, Van Gogh” é muito mais universal do que aparental. Afinal, o brilhantismo, ao mesmo tempo que atrai admiração, incita ódio. Os roteiristas compreendem isso e, pela abordagem feita em relação ao relato de cada personagem, criam um ambiente muito mais realista e dúbio, já que não existem mentiras cruas; apenas visões diferentes sobre uma mesma realidade. Essa estratégia de escrita promove uma bela rima visual com a própria arte de Van Gogh, tendo em vista que tudo depende da subjetividade do idealizador.

Mesmo assim, apesar das qualidades do roteiro, o longa se notabiliza pela sua incrível capacidade artística. Trata-se do primeiro filme pintado inteiramente a mão e são quase 90 minutos de puro deleite visual. A direção de arte apresenta o compente trabalho de aliar o realismo que a abordagem biográfica do filme precisa ter à pura idealização estética. Tal estratégia reiterada pela direção de Dorota Kobiela e Hugh Welckman serve como uma experiência sensitiva sem precedentes. Durante a película, muitas vezes, o espectador esquece que o filme é animado, o que reforça a ideia de verossimilhança pregada pela direção. Concomitantemente, os traços dos pincéis de Van Gogh são facilmente identificados na composição das cenas, o que denota uma metalinguagem belíssima. Afinal,  a história de Van Gogh sendo contada sob a ótica de seus próprios trabalhos é algo admirável. Dessa forma, é admirável o trabalho de estudo da produção desse filme, tendo em vista que, desde o carteiro até o céu estrelado, tudo é uma referência ao pintor. Ao mesmo tempo, o uso de sua técnica mostra-se como um artifício de engrandecimento da história, mas nunca sua resolução em si.


Portanto, “Com Amor, Van Gogh” é uma experiência cinematográfica extremadamente ousada, tornando-se a animação mais poderosa do ano e, possivelmente, uma das melhores dos últimos tempos. A habilidade dos pintores usados no filme serve para enaltecer a capacidade artística de seu protagonista, porém nunca se prende somente a isso. O filme consegue caminhar com suas próprias pernas ao construir um ritmo agradável e um crescente ambiente de tensão totalmente inesperado. “Com Amor, Van Gogh”, através do uso perfeito das técnicas da animação pintada à mão, presta uma grande referência ao grande pintor, embora as qualidades técnicas e artísticas transcendam ao servirem como plano de fundo para uma bela narrativa.

Nota: 



- João Hippert



quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Crítica de "Star Wars: Os Últimos Jedi"

"Star Wars" é, sem sombra de dúvidas, a epopeia moderna. E mais: enquanto as clássicas obras de Homero ou "Os Lusíadas" de Camões expressavam feitos heroicos de um povo, a saga "Guerra nas Estrelas" é universal. Os arquétipos usados na jornada de herói, a necessidade por fantasia que é intrínseca à personalidade humana e o constante embate entre o bem e o mal são fatores que fazem com que a obra seja facilmente digerida por qualquer um. Não é pelo fato de que a franquia se tornou um símbolo do marketing bem sucedido estadunidense que o seu caráter artístico deva ser relegado. Aliás, "Star Wars" deixou de ser um simples produto cinematográfico ou uma grande obra de arte há muito tempo. "Star Wars" é paixão, é aguardar ansiosamente pelos trailers, é colar posteres no quarto, é tentar ler todos os livros do universo expandido, é sentir a partida de amigos ficcionais, é fazer tantos outros na vida real. E, felizmente, com a aquisição da Lucas Film pela Disney, "Star Wars" agora é aguardar todo o ano por uma única pré-estreia, uma única sessão que te faça esquecer todos os problemas cotidianos, é embarcar naquela galáxia muito, muito distante e simplesmente levitar. É ouvir o tema inicial com os olhos marejados e com o corpo todo arrepiado, ler os letreiros e depois disso, simplesmente, sentir que a Força está realmente viva no coração dos fãs.

E é exatamente essa reflexão toda que demonstra a competência do diretor/roteirista Rian Johnson no filme. Desde o início da metragem, o público é submetido a um ambiente extremamente familiar, mas com toques de novidade que expandem a sensação de pertencimento daquele mundo. A cena inicial, possivelmente, condiz com a essência de "Star Wars", porque trata-se, justamente, de uma intensa batalha espacial, com direito a som no espaço e manobras que desafiam a física convencional (Mas para os mais implicantes, basta lembrar que trata-se de um tempo muito remoto, em uma galáxia muito, muito distante...). Johnson acerta, também, ao evocar o real senso de perigo acerca do filme inteiro. A história consiste em diferentes arcos: naves da Primeira Ordem tentando aniquilar os rebeldes remanescentes de uma vez por todas; Rey em busca de seu treinamento Jedi com Luke Skywalker; Kylo Ren e seu aparente conflito interno maniqueísta e Finn com sua nova companheira Rose, tentando se infiltrar na nave do Comandante Supremo Snoke e impedir seu ataque. A decisão de intercalar diversas estruturas narrativas em um mesmo filme é arriscada, porque, se a montagem não for feita de forma meticulosa, existe uma quebra de ritmo que pode prejudicar a experiência emocional provocada pelo filme. Contudo, o trabalho do montador é sublime à medida que torna todas as extensões interessantes a ponto do expectador não se ver saturado de determinado ambiente ou torcendo para que outro voltasse à tona.

Toda essa dinamicidade narrativa possui respaldo no enorme carisma dos protagonistas da "nova geração". Rey, interpretada pela excelente Daisy Ridley, mais uma vez rouba o filme devido à sua presença impositiva e à sua busca por verdades que a tornam cada vez mais humana. Ao sentir a Força despertar dentro dela, Rey entra em um verdadeiro conflito que permeia toda a jornada do herói clássica. Seria ela uma espécie de ser iluminado? Seriam seus pais verdadeiros mestres da Força que a abandonaram com algum propósito? O filme discute essas questões ao longo de toda a projeção, o que potencializa a apreensão do público por conhecer a história da tão querida personagem. Em aliança a isso, temos a volta do protagonista da série clássica Luke Skywalker. E parece que Mark Hamill, em uma atuação extremamente madura, compreende a ambivalência de Luke. Ao mesmo tempo que ele foi responsável pela destruição do Império, ele também é herdeiro legítimo de Darth Vader. Hamill consegue transparecer uma atuação dúbia, que confere a seu personagem uma aura misteriosa, como alguém que busca esconder segredos do passado a fim de se proteger das consequências presentes. A relação mestre-aprendiz entre os dois também é deveras importante para a afirmação da renovação do universo de personagens começada em "O Despertar da Força". Luke, sendo o último Jedi existente, precisa passar seus conhecimentos para Rey, ao mesmo tempo que o ator Mark Hamill precisa dar o espaço necessário para Daisy Ridley.  Nesse sentido, os arcos
desses personagens talvez sejam os mais complexos do filme, sendo extremamente orquestrados do início ao fim.

Ademais, dois atores merecem extremo destaque: Adam Driver (Kylo Ren) e Oscar Isaac (Poe Dameron). O primeiro, como parte do próprio desenvolvimento de Kylo, abandona sua atuação maquinal do filme anterior, fazendo com que os conflitos sejam vivazes e que o público sempre desconfie de suas ações. Kylo Ren nunca é apresentado como um vilão definitivo, tampouco um aspirante a mocinho. Tal comportamento contraditório remete ao próprio Luke da trilogia clássica, servindo como uma referência que surge como rima narrativa. Em contrapartida, Poe Dameron é desenvolvido como um representante da essencialidade rebelde. Incisivo, passional e intuitivo; o personagem transborda carisma e seu apego ao grande público é extremamente facilitado. Nesse sentido, a presença da General Organa, sob a pele da excelente Carrie Fisher, constitui uma espécie de relação mãe-filho. Leia, mesmo não sendo o centro das atenções da história, serve como um pretexto para o questionamento: até que ponto a defesa da ideologia deve se sobressair mesmo diante de tantas perdas humanas? Aliás, todo personagem do filme, se analisado profundamente, possui um sub-texto incrível e passível de ser relacionado com qualquer aspiração humana.

E é por isso que o longa talvez seja o retrato definitivo da franquia. "Star Wars" nunca foi sobre uma complexidade de roteiro, mas sim sobre uma abordagem simples que desse espaço ao desenvolvimento dos personagens. O roteiro linear pode muitas vezes incomodar os mais críticos devido a decisões mais facilitadas, mas, em momento algum, Rian Johnson erra onde não poderia errar. São 2 horas e 32 minutos de pura magia, nostalgia e emoção. Chega na parte final do filme, em seu clímax, e o único sentimento remanescente é o desejo de ficar um pouco mais naquele universo tão aconchegante. Diante de todos os problemas enfrentados pela humanidade atualmente, "Star Wars: Os Últimos Jedi" se apresenta como um refúgio caloroso que consegue nos fazer embarcar em uma jornada incrível, em que a semente da esperança, mesmo que dentre poucas pessoas resistentes, pode ser a fagulha que inflamará um universo inteiro em prol do bem.

Nota: 


- João Hippert