O roteiro, escrito por 7 escritores diferentes, é um dos pontos fortes do filme. Primeiramente, deve-se falar do universo criado para o longa. A personificação de animais é clichê, mas o modo como esses animais se comportam em sociedade é transmitido às telonas de uma forma brilhante, extraindo até mesmo humor dessa imersão. Existem piadas relacionadas às características instintivas dos animais: a necessidade dos lobos de uivar, por exemplo. Ou até mesmo (essa é a melhor parte do filme) o fato de bichos-preguiça serem responsáveis por tarefas de preenchimento de documentos. O contraste da necessidade de agilidade com o fator biológico desses animais serem "lentos" promove uma das cenas mais engraçadas do ano. A relação antagonista entre a coelha e a raposa também é muito bem explorada. A maioria dos filmes da Disney explora uma relação dicotômica como essa, porém aqui, isso se faz mais necessário, visto que na cadeia alimentar a raposa é predadora do coelho. Portanto, ao mesmo tempo que a oficial Hopps precisa confiar em Nick, não o pode fazer por completo, devido ao fator natural. E isso é pano de fundo para uma grande crítica social.
Pensando por esse lado, "Zootopia" se configura como uma fábula moderna sobre poder, golpe, além de exemplificar as desigualdades sociais vigentes na sociedade através da impotência de alguns animais. Porém, a construção da protagonista é a lição de moral que mais faz jus a esse igualitarismo implícito no roteiro. Trata-se de uma personagem com pouca força física comparada aos outros, mas que se destaca devido a sua astúcia e mostra que, dependendo da sua vontade, você pode alcançar seus objetivos. Apesar de ser um ideal utópico demais, é importante para os dias atuais. O filme questiona até mesmo os padrões éticos dos governantes de Zootopia, e isso serve para criticar muitos sistemas onde o político se importa mais com seus interesses pessoais do que com os públicos. Além disso, como a personagem principal é feminina, isso reforça a igualdade de gêneros tão discutida atualmente e mostra que, mesmo em um território comandado por homens (como é o da polícia de Zootopia), as mulheres podem fazer a diferença. Dessa forma, a protagonista representa não só as mulheres, como todas as minorias subjugadas na sociedade. E isso tudo num filme de animação da Disney. É interessante ver a preocupação social do estúdio ao debater tais temas.
A direção de Byron Howard e Rich Moore funciona bastante. Apesar de ser um filme que preza muito mais pelo roteiro, existem cenas de ação muito bem acabadas. Pode-se dizer que o filme é completo no gênero policial: fato reforçado pela qualidade dos diretores em dar uma clareza ao que está acontecendo em tela. Além disso, a trama consegue ser instigante a ponto de deixar o espectador em dúvida sobre o que acontecerá em seguida. O filme apresenta referências ao universo Disney (Big Hero e Frozen são citados), o que dá a ideia de um possível universo conjunto. Mas, melhor do que isso, o filme reverencia clássicos como "Rocky" e "O Poderoso Chefão", além do importante seriado "Breaking Bad". A montagem do longa é perfeita, visto que tem a quantidade de minutos necessária para contar uma boa história. "Zootopia" pode ser visto como uma fábula moderna que trata da vida em sociedade, ao mesmo tempo que se caracteriza como um bom filme policial, que, através da força de sua protagonista, reforça o papel das minorias. Mais completo impossível.
Nota:
- Demolidor