quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Top 10: Filmes 2016

2016 foi um ano inusitado, repleto de altos e baixos. Enquanto alguns meses apresentaram excelentes filmes em seguida, outros apresentaram raras boas obras. Nessa retrospectiva, vale destacar o que melhor foi visto nas telonas brasileiras no ano de 2016 (é importante lembrar que alguns filmes foram feitos em 2015, mas só estrearam em território nacional esse ano). Além dos 10 melhores, alguns filmes merecem destaque nas menções honrosas. O primeiro a ser comentado é "Rogue One: Uma História Star Wars", filme dotado de uma excelente direção de Gareth Edwards, ao mesmo tempo que dá camadas interessantes aos filmes subsequentes. Da temporada de Oscar, o filme destacado é o excelente "Steve Jobs". Dos nacionais, "Aquarius" e "Mais Forte que o Mundo; A História de José Aldo" são alguns dos melhores filmes brasileiros. Vale também destacar a animação "Zootopia", que devolveu à Disney a magia de contar boas histórias e o remake de "Mogli - O Menino Lobo", que contou com efeitos visuais impressionantes, além de um roteiro bem redondo. O melhor filme de super-herói (e mais barato) foi o irreverente "Deadpool", que se afirmou como um retrato extremamente fiel das histórias em quadrinhos do personagem. No gênero de terror, James Wan retornou com autoridade na sequência "Invocação do Mal 2". Já nos suspenses, estão "Rua Cloverfield,10" e "Animais Noturnos", como excelentes exercícios do gênero. No gênero de ação, o que mais rendeu comentários positivos foi o coreano "Invasão Zumbi". Dos trabalhos de diretores consagrados, "Ave, César!" dos irmãos Coen e "Café Society" foram os mais bem realizados. A última menção honrosa fica com o excelente filme de Segunda Guerra "Viva a França!", exibido no Festival Varilux de cinema francês. Eis os 10 melhores:

  • A Chegada -  Através de metáforas complexas, o longa mostra como as ciências naturais e as ciências humanas devem caminhar juntas para o progresso da humanidade, deixando no espectador um sentimento melancólico e reflexivo, extremamente condizente com o verdadeiro papel atribuído à arte.
  • Capitão Fantástico - O road-movie é constituído por um roteiro de altíssima pertinência, que se sobressai nos diálogos entre os personagens, abordando críticas e reflexões acerca dos padrões e instituições sociais. (Obs: O filme apresenta uma versão belíssima de "Sweet Child O' Mine", na possível cena mais tocante do ano.).
  • Os Oito Odiados - "Os Oito Odiados" é definitivamente um filme de Tarantino, dotado de roteiro pensado nos detalhes, direção inteligente e escolha de atores excepcional, que reforçam a ideia de que Quentin Tarantino é o maior idealizador da Era Moderna da sétima arte.
  • A Juventude - A vida é como uma orquestra; até mesmo a mais linda das canções com os acordes mais refinados e instrumentos mais angelicais pode acabar um dia. A existência humana é finita e o diretor mostra que essa é a verdadeira "grande beleza".
  • O Regresso -  Com toda a suposta falta de ambição que o filme inspira, ele se prova o contrário: uma obra grandiloquente que se caracteriza por um profundo estudo da identidade humana através de uma história extremamente bem dirigida e com o elenco ideal para tal estudo antropológico.
  • Boi Neon - O melhor filme brasileiro do ano apresenta um retrato verossímil do interior brasileiro, através de fotografia absolutamente estonteante, trilha sonora condizente com o tom do filme e atuações genuínas, que promovem fácil identificação com o espectador. 
  • Creed - O longa-metragem apresenta como destaque sua cinematografia praticamente impecável, que torna o filme a melhor obra já feita com Rocky Balboa. Vale destacar a excelente atuação de Michael B. Jordan e o plano sequência espetacular dirigido por Ryan Coogler.
  • Elle - O filme francês trata de elementos extremamente debatidos na sociedade atual tais como a cultura do estupro e o empoderamento feminino. Todavia, o diretor Paul Verhoeven usa de tais sub-textos para realizar um profundo estudo de personagem, protagonizado pela excelente Isabelle Huppert (melhor atuação feminina do ano).
  • Anomalisa - "Anomalisa" é um filme que faz jus ao nome, por ser irreverente, metafórico, paradoxal, além de extremamente íntimo e reflexivo.
  • A Bruxa - "A Bruxa" é um excelente retrato histórico que subverte o gênero de terror, apresentando experimentações com a linguagem cinematográfica que tornam o longa extremamente original (e assustador).
- Demolidor

domingo, 27 de novembro de 2016

Crítica de "A Chegada"

Espaço: a fronteira final. Talvez este seja o grande lema da ficção científica, instituído pela homônima série "Star Trek". O gênero de ficção científica sempre se preocupou em se voltar para o espaço a fim de entender as angústias terráqueas. Gênios da literatura como Isaac Asimov e Arthur C. Clarke já trabalharam com esses temas de forma espetacular. Como esquecer o clássico "2001: Uma Odisseia no Espaço?". Contudo, de tempos para cá, o gênero perdeu um pouco sua capacidade de reflexão metafísica e se acomodou com efeitos visuais vislumbrantes e cenas de ação empolgantes. Eis que chega "A Chegada" (peço perdão pelo trocadilho) e se afirma como um dos melhores filmes dos últimos anos, principalmente por mexer não só com o emocional do espectador, mas também com sua racionalidade e psique. O filme trata da chegada de 12 naves alienígenas à Terra e acompanha Louise Banks (Amy Adams), uma linguista, contratada pelo exército norte-americano para decodificar uma forma de comunicação com os extraterrestres. Apesar da premissa parecer simplista e até clichê (basta lembrar dos clássicos "Contato" e "Contatos Imediatos do 3° Grau"), o filme consegue apresentar um ritmo ideal, que apresenta reviravoltas e temas subjacentes.

A direção é do competentíssimo Denis Villeneuve. Seu repertório recente conta com os excelentes "Os Suspeitos", "O Homem Duplicado" e "Sicario". Trata-se de um diretor muito hábil em construir uma atmosfera arrebatadora. Devido ao mistério da chegada dos alienígenas, Villeneuve utiliza de uma paleta frívola e acinzentada, a fim de potencializar a tensão visualmente. Além disso, a trilha sonora é colocada pontualmente, deixando o espectador cada vez mais imerso no filme. O visual é bastante limpo e não muito futurista, o que dá ao longa uma veracidade imediatista capaz de assustar. Afinal, pelo que o filme mostra, não seria impossível uma nave chegar no nosso quintal amanhã. Em termos científicos, o longa consegue realizações fantásticas. Por meio da movimentação de câmera segura e o ritmo calmo, o diretor consegue prover uma cena primorosa, que trabalha com a diferença de gravidade. Afinal, se os seres humanos estão entrando em uma nave desconhecida, o que impede esta de apresentar uma gravidade diferente? Essas experimentações científicas engrandecem o filme e dão para ele um tom extremamente verossímil.

Aliás, verossimilhança é uma palavra definitiva. A sequência de acontecimentos que sucedem  a chegada das naves é tão orgânica que parece prever o comportamento dos humanos perante a tal situação. Apesar de não focar na reação dos contingentes populacionais, o longa consegue abordar, aqui e ali, as reações políticas, religiosas e culturais perante ao desconhecido. Seriam os alienígenas uma ameaça? Ou seriam apenas turistas, que desejam conhecer nossa cultura, natureza e etc? O filme consegue tomar bem seu tempo para explicações, não acelerando seu ritmo em nenhuma parte da projeção. Além disso, nem tudo é muito explicado, o que deixa o público tomar suas próprias conclusões. Trata-se de um filme inteligente que vê seu espectador de forma inteligente. Amy Adams merece destaque como protagonista. Toda a carga emocional do longa está em cima dela e sua atuação é extremamente emotiva. O arco dramático da personagem, mesmo que complexo e repleto de dilemas, é bem vivido pela atriz, que merece muito uma indicação ao Oscar. O elenco de apoio também está muito bem, com destaque a Jeremy Renner, interpretando Ian.

Como já dito, tecnicamente o filme não deixa a desejar. Mas é o roteiro que dá grandiosidade ao longa. Ora, nosso universo conhecível é dotado de 4 dimensões (além das 3 espaciais, existe o tempo). E se tivéssemos a capacidade de moldar o tempo? Ou melhor, se descobríssemos que o tempo pode ser analisado de forma não-linear? O roteiro explora muito bem teorias que envolvem o espaço-tempo, relacionando sempre com o arco da protagonista. Tal relação é feita de forma tão genial, que aspectos morais e éticos são revelados durante a projeção. Se fôssemos capazes de prever o futuro, nós mudaríamos alguma coisa? São questões como essa que remetem "A Chegada" aos grandes clássicos da ficção científica. Mesmo que apresente com verossimilhança aspectos físicos, químicos e biológicos de um possível contato com outra raça, o filme se preocupa muito com os impactos emocionais da humanidade perante a certas descobertas. Essa abordagem em conjunto pode ser facilmente percebida na dicotomia entre os dois personagens principais. Enquanto Louis afirma que a linguagem é o que define a sociedade, Ian afirma que é a ciência. Com o decorrer do filme, percebemos que os dois são indissociáveis, mesmo que muitas vezes sejam polarizados de forma banal. Trata-se de uma experiência cinematográfica tão imersiva e completa que o filme se configura como um dos melhores dos últimos anos. "A Chegada" mostra que uma ficção científica não é sinônimo de falta de sentimentalismo e que sentimentalismo não é falta de racionalidade. Através de metáforas complexas, o longa mostra como as ciências naturais e as ciências humanas devem caminhar juntas para o progresso da humanidade, deixando no espectador um sentimento melancólico e reflexivo, extremamente condizente com o verdadeiro papel atribuído à arte.

Nota: 

- Demolidor

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Crítica de "Esquadrão Suicida"

DC Comics. Sinônimo de qualidade nos quadrinhos, é responsável pela criação dos heróis mais conhecidos pelo grande público no século passado. Heróis estes que são além da compreensão humana, muitas vezes representados por verdadeiros deuses. Eis que chega uma tal de Marvel e cria um universo totalmente pautado na relação de seres superpoderosos com um mundo mais palpável. E mais: teve a brilhante ideia de criar um Universo Cinematográfico coeso (o MCU), inaugurado pelo excelente "Homem de Ferro", de 2008, que permitiu ainda maior popularização dos heróis "marvéticos" e um grande acúmulo de capital para a empresa. A DC, com o longa "O Homem de Aço", de 2013, buscou seguir os passos da concorrência, tentando dar uma cara mais sombria aos filmes de herói e imitando a ideia de um mundo compartilhado pelos personagens da editora. A sequência "Batman vs Superman", lançada esse ano, foi um fracasso de bilheteria e crítica, por apresentar muitos elementos em um filme só e por não conseguir acertar um tom interessante. Eis que surge "Esquadrão Suicida", que poderia determinar o rumo da produtora: será que a Marvel realmente ainda está muito à frente ou a DC começa a acertar sua fórmula? Nem um, nem outro.

O grupo Esquadrão Suicida sempre foi de histórias mais desconhecidas da DC. Trata-se de uma associação de bandidos comandados por Amanda Waller que fazem o trabalho sujo que o governo não pode fazer. É inusitado um grupo tão pouco conhecido ganhar um filme próprio antes de ícones como Mulher Maravilha e Flash. Mas, talvez apostando no mesmo acerto que a Marvel realizou com o fenômeno "Guardiões da Galáxia", a DC/Warner Bros entregou o projeto na mão de David Ayer ("Corações de Ferro"). Trata-se de um diretor muito competente. As cenas de ação prezam por um espetáculo visual: existe um grande número de cenas em câmera lenta, explosões e tiros. Mesmo assim, o espaço é usado de uma forma que o espectador entenda a geografia da cena e não fique perdido em meio a tanta ação. Outro recurso que vale o investimento é o 3D: existem cenas que realmente usam da profundidade que o recurso oferece. É raro Hollywood oferecer isso, mas o diretor merece um crédito por tentar maximizar a experiência de quem compra um ingresso mais caro para uma sala 3D. A trilha sonora do longa é excelente, mas um pouco mal utilizada. Por um lado, as músicas selecionadas são de extrema qualidade. Por outro, elas são inseridas de uma forma estranha e artificial, e acabam tirando o público do que realmente importa: a história.

O roteiro (também escrito por Ayer) é um ponto oscilante. O primeiro ato é excelente: a introdução dos personagens é muito boa, principalmente a do Pistoleiro e da Arlequina. Aliás, o Pistoleiro é o grande cerne do filme. Will Smith oferece uma interpretação repleta de carisma e carga dramática e torna-se impossível não nos importarmos com o personagem. Seu arco é excelente e em nenhum momento ele viola a figura de anti-herói apresentada. Um personagem que deveria ser secundário ganha espaço devido a força de um grande ator. Margot Robbie impressiona na interpretação da Arlequina, acrescentando camadas importantes ao desenvolvimento de sua personagem. Existem piadas certeiras em relação ao seu comportamento louco, mas, ao final, elas se tornam repetitivas e premeditadas. Por fim, Viola Davis merece destaque atuando como a comandante do grupo, Amanda Waller. Ela dá uma força enorme a sua personagem, batendo de frente com os meta-humanos, através de diálogos acirrados e atitudes que surpreendem a todos (inclusive ao público). É interessante a representatividade que essa personagem inspira, principalmente por se tratar de uma mulher negra que tem controle sobre a vida de personagens tão poderosos. Outro ponto interessante do roteiro é a discussão acerca do próprio grupo. Ora, num período de crise de armamento misturado com a presença de super seres como vimos em "Batman vs Superman", o longa consegue misturar a realidade e a ficção, promovendo debates sobre a política e o poder através da existência de uma Força Tarefa que usaria da violência para manter (no caso) os EUA hegemônicos. Como a própria Waller diz: "Estamos na 3° Guerra Mundial".

O problema começa quando personagens em demasia são acrescentados. Tirando os já citados, o desenvolvimento de Crocodilo, El Diablo, Capitão Boomerangue e Rick Flag são pífios e não inspiram empatia alguma, o que impede a carga dramática da história. Esta apresenta uma trama deplorável. Trata-se de algo extremamente batido em Hollywood e totalmente desnecessário para a grandeza do filme em si. Ora, o roteiro deveria focar na relação entre esses personagens explosivos, mas a parte final foca demais na resolução de um problema impossível. Assim, o roteirista preza por artifícios e caminhos que facilitam a resolução do arco. É o famoso diálogo: "Ué, por que aquele personagem está ali?" ou "Como ele fez isso?". Simples. Porque o roteirista quis. Essas conveniências prejudicam muito o resultado final do longa. Apesar disso, o filme continua divertido e é uma boa distração. Talvez com dez minutos a menos seria mais dinâmico, porém ritmo não foi um problema. Contudo, a pergunta que não quer calar é: "Jared Leto é melhor do que Heath Ledger na interpretação do Coringa?". É diferente, eu diria. Leto preza por uma atuação mais parecida com os jogos da série Arkham, trazendo o Palhaço do Crime para um submundo mais gângster de forma mais verossímil, apesar de seus exageros devido a loucura do personagem. As cenas com o personagem são bem aproveitadas, principalmente aquelas em que o personagem realmente é um bandido. Há um senso de urgência e perigo muito pertinentes ao personagem. Por outro lado, seu romance com a Arlequina é um pouco forçado e só faz completo sentido aos fãs de outras mídias do personagem, como quadrinhos e jogos. Entre erros e acertos, "Esquadrão Suicida" é um bom divertimento, prejudicado pela falta de originalidade em um script que já vimos diversas vezes.

Nota: 




- Demolidor

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Crítica de "Capitão América: Guerra Civil"

Marvel. Nos dias atuais este nome tem se tornado sinônimo de dominância das telonas. Com uma média de 2 filmes por ano, a empresa inclusive possui 3 das 10 maiores bilheterias de todos os tempos (Homem de Ferro 3 e os 2 filmes dos Vingadores). Mas, não se engane; isso não significa perfeição. Apesar da Marvel possuir excelentes películas como "Homem de Ferro", "Os Vingadores", "Guardiões da Galáxia"; também possui algumas catástrofes como "Homem de Ferro 3" e "Thor". Mas, apesar de tudo isso, a Marvel continua sendo a principal empresa cinematográfica visada no mercado. A que se deve esse fato? Ora, muito se deve ao presidente Kevin Feige que, antes de qualquer um, pensou na possibilidade de um universo coeso dos heróis no cinema, assim como acontece nos quadrinhos. Os anos foram se passando e o público foi conhecendo os personagens: odiando alguns, adorando outros. E, 8 anos após a estréia do primeiro filme do UCM (Universo Cinematográfico da Marvel) chega aos cinemas o embate entre os dois vértices da produtora: Capitão América e Homem de Ferro. Baseado na homônima HQ "Guerra Civil", o filme começa com um ataque, durante uma missão dos Vingadores, que resulta na morte de muitos civis. O poder público, então, se mobiliza e oferece aos heróis uma espécie de acordo que limitaria a liberdade de atuação do grupo. Eis que surge a polarização da equipe: de um lado, comandados por Tony Stark, estão os defensores do acordo, enquanto do outro estão os contrários a essa legislação, chefiados por Steve Rogers.

Primeiramente, há de se dizer que existem muitas diferenças entre o material original e o filme, Mas, isso é completamente compreensível. Com a divisão dos heróis entre Sony e FOX, o longa não pôde contar com os X-Men nem com o Quarteto Fantástico, elementos fundamentais para a história em quadrinhos. Além disso, aqui vê-se o aparecimento de personagens inexistentes na HQ como é o caso do Soldado Invernal. Mas, os roteiristas Cristopher Markus e Stephen McFeely (responsáveis por todo o universo do Capitão América nos cinemas), realizam um primoroso trabalho de adaptação. Mesmo com as diferenças quanto a mídia primordial, o roteiro consegue captar a essência do conflito entre os personagens e aprofundar nesse assunto. Enquanto no recente fiasco da DC "Batman vs Superman" os heróis lutam sem motivação alguma, aqui vê-se um nítido embate entre ideologias. E foi esse fato que movimentou tanto as redes sociais. A divulgação do filme foi fantástica e os fãs entraram na brincadeira Time Homem de Ferro ou Time Capitão América. A escrita do filme contribui muito para o engrandecimento da história, visto que acresce camadas aos personagens, já tão conhecidos. E o melhor: tudo isso é feito num curto espaço de tempo. Pode-se dizer que a palavra que define esse filme é funcionalidade. Basta lembrar que o Pantera Negra e o Homem Aranha ainda não existiam no Universo Marvel. Aqui, porém, eles recebem o tempo necessário para conhecermos os personagens e nos importarmos com eles. E o melhor: os roteiristas entendem que o grande público já conhece o Amigão da Vizinhança, portanto não se preocupam em apresentar uma história de origem. Isso dá muita dinâmica para o filme e uma espécie de familiaridade exacerbada com o personagem.

Por se tratar de um filme de super herói, muitas pessoas apresentam o pré-conceito de considerar esse uma obra sem nenhuma inteligência por trás. Mas, o terceiro filme do Capitão mostra o contrário. Usando desse fundo ideológico já citado, o longa aproveita para desenvolver o panorama político mundial. É interessante a forma como o longa imagina a opinião pública quanto a presença de heróis atuando na sociedade. Por um lado, eles são os salvadores do mundo. Por outro, em seu trajeto deixam rastros de morte. Ao exprimir as opiniões dos heróis nos protagonistas dicotômicos, o roteiro provê ao espectador uma chance de se sentir mais à vontade com algum dos lados. Logicamente, tratando-se de um filme do Capitão América, a parte dele é um pouco mais valorizada. Mas, mesmo assim, as motivações de Tony Stark são claras e, até mesmo, coerentes. O humor típico da Marvel está de volta aqui. Não existe um alívio cômico; as piadas são distribuídas entre praticamente todos os personagens. Os que merecem destaque são Falcão, Homem Formiga, Visão, e, é claro, o Homem Aranha. O único problema do roteiro são algumas cenas desnecessárias que não acrescentam em nada à trama. Além disso, existem alguns erros de continuidade que se apresentam como coincidências textuais, que tentam favorecer a história, mesmo de forma errada. Apesar desses pequenos aspectos, o longa, em seu total, não é muito prejudicado. A Marvel ensina para a DC como construir um universo coeso e coerente, além de exemplificar muito bem a apresentação de personagens dentro de um único filme.

A direção dos irmãos Anthony e Joe Russo é eficiente. Como esperado, o longa apresenta inúmeras cenas de ação. A direção nessas cenas é espetacular. Misturando novas técnicas como o uso da Gopro com antigas como o recurso da câmera na mão, os diretores conseguem passar para as telas combates viscerais e extremamente realistas. Isso também é muito ajudado pela mixagem, edição de som e trilha sonora que cumprem papel crucial com essa proposta. Anthony e Joe apresentam uma direção extremamente estilizada, com combates bem coreografados e filmados. Conscientes da extrapolação das cenas impossíveis fisicamente, os diretores até inserem no roteiro trechos dos personagens brincando com a própria ignoração da física. Mas, o grande problema do filme é sua edição e montagem. Se por um lado os irmãos filmam as cenas de ação como ninguém, por outro não vêem a hora certa de parar. Existem combates desnecessariamente longos que tiram um pouco a ansiedade do espectador pelo que virá em seguida. Muitas vezes são cenas de luta em sequência que, mesmo muito enérgicas, provocam um certo tédio. O elenco do filme está sensacional. Existem momentos extremamente dramáticos no longa, mais do que a Marvel costuma prover. Robert Downey Jr prova o grande ator que é ao oferecer, possivelmente, a melhor interpretação que ele já fez do Homem de Ferro. Atualmente, é praticamente impossível diferenciar o ator de Tony Stark.

Chris Evans também demonstra uma evolução absurda, visto que dá credibilidade para algumas ações controversas de seu personagem. O ator apela para um lado um pouco mais emocional que funciona bastante com o personagem. O elenco de apoio também está muito bem. Daniel Brühl apresenta muito carisma na interpretação do vilão e consegue fugir do caricaturismo padrão. Scarlett Johansson, Jeremy Renner, Don Cheadle, Paul Rudd... Todos excelentes e extremamente bem afinados com seus papéis. Não podemos dizer que é um dos melhores filmes da Marvel, pois está um passo atrás dos 3 grandes da produtora. Mas, não obstante, o longa consegue cumprir sua principal proposta: realizar um combate coerente entre os dois maiores heróis do universo cinematográfico. "Capitão América - Guerra Civil" é um filme que se destaca pelo desenvolvimento dos personagens, pela construção de ideologias e com a preocupação em relacionar o universo fantasioso dos heróis com o mundo real. Contudo, por outro lado, existem cenas de ação em demasia e excessos de roteiro que o impedem de ser perfeito.
Obs: Existem 2 cenas pós-créditos

Nota: 



- Demolidor

domingo, 24 de abril de 2016

Crítica de "Truman"

A morte. Tema difícil de ser encarado. Normalmente levanta pensamentos negativos e pessimistas em relação ao ato de morrer. Mas, a arte como arte, precisa ser o "motor" de transformação da realidade. Afinal, uma obra de arte também tem o papel de abordar aspectos inerentes a existência humana, mesmo que seja um assunto um tanto quanto delicado para certas pessoas. Mas, o cinema, sendo essa grande expressão artística que é, sempre buscou abordar as questões referentes ao óbito. Como esquecer da obra prima de Bergman "O Sétimo Selo"? Recentemente muitos filmes vêm falando sobre isso. Vale destacar os ótimos "Antes de Partir" e "A Última Viagem a Vegas". Não são filmes que tratam da morte em si, mas sim das despedidas decorrentes desse fenômeno. E é justamente essa a proposta do espanhol/argentino "Truman": a despedida.

A história não é muito sofisticada; trata-se de uma visita de Tomás (Javier Cámara) ao seu amigo Julián (Ricardo Darin). Este apresenta uma doença em sua fase terminal e essa jornada de 4 dias dos dois amigos pode ser a última de suas vidas. Note como o nome do título ainda não foi citado. Isso se deve ao fato de que Truman é o nome do cachorro de Julián. O roteiro consegue dar um foco narrativo de suma importância ao animal, visto que ele é responsável por movimentar a trama principal. É muito inteligente a forma como o roteiro complementa o "arco" do cachorro Truman, correlacionando-o com a própria amizade entre os protagonistas. Aliás, tal roteiro escrito por Tomàs Aragay e Cesc Gay, tem grandes méritos em relação aos diálogos. As falas são simples, contudo pressupõem uma parceria de longa data. Isso confere ao longa uma dramaticidade e um apego aos personagens essenciais para o desenrolar da história, mesmo não caindo no clichê dos exageros. Muitos diretores usariam do "melodrama" para emocionar o público, porém Cesc Gay opta por tratar o assunto com leveza. Afinal, a morte não precisa ser um tabu: é apenas uma fase da vida pela qual todos passam algum dia.

Essa cumplicidade entre os dois protagonistas é potencializada através do excelente trabalho da dupla principal. Ricardo Darin já virou sinônimo de qualidade ("Relatos Selvagens", "O Segredo de seus Olhos", "O Filho da Noiva", "Um Conto Chinês", etc.). O ator confere ao seu personagem um peso enorme, através de expressões faciais e gestos corporais muito viscerais. Existe um apego ao seu personagem, pois o espectador se reconhece naquela persona. Todavia, Javier Cámara não fica para trás. O ator, assim como seu parceiro de tela, exprime muito bem o sentimentalismo do momento, mas, acima de tudo, consegue retratar, de forma brilhante, o incômodo que algumas situações podem gerar. O elenco de apoio também está muito bem, conduzindo o filme de forma bem dinâmica. O diretor, mesmo contando com um roteiro tão forte, consegue, tecnicamente, contar com belas experimentações. Cesc preza muito bela beleza urbana de Madri (principal cenário do filme), através de uma movimentação limitada da câmera e pela exaltação dos detalhes da arquitetura europeia. As cenas em que a dupla de protagonistas passeiam pela rua imprimem uma beleza visual impressionante. Além disso, a trilha sonora contribui para uma imersão naquele ponto de vista do diretor. A pena é que a música não é muito presente na metragem e sua falta é sentida.

A fotografia do longa é sensacional e cumpre com um papel importante do filme: ditar o seu tom. Se no inicio nos vemos em um ambiente gélido do Canadá, com o decorrer do tempo, as cores vão se animando, mesmo com a situação adversa. Isso, além de demonstrar uma evolução da narrativa em si, apresenta uma visão positiva do diretor sobre a vida. Os diálogos intimistas e que inspiram amizade servem de plano de fundo para uma mensagem principal: a vida de Julián valeu a pena. Com seus erros e acertos, amizades e inimizades, o personagem vê que aquilo tudo foi necessário - e belo. Ao final de sua vida, ele aceita seu destino fatídico e demonstra maturidade para aproveitar seus derradeiros momentos. É uma visão extremamente tocante e até certo ponto ousada. Ao mesmo tempo que o filme não é uma ode a morte, também não a considera algo macabro. O diretor entende que a morte faz parte da vida e, através de um roteiro extremamente bem escrito e atuações excepcionais, provê uma película extremamente bem realizada quanto ao seu tema.

Nota: 

- Demolidor

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Crítica de "A Juventude"

Federico Fellini e Bernardo Bertolucci são os principais nomes da história do cinema italiano. Buscando sempre retratos mais existenciais em suas obras, os diretores marcaram época e criaram um certo "estilo de filme". Ora, quando fala-se em cinema europeu, muitas pessoas possuem um estereótipo em suas cabeças: filmes pautados em diálogos, experimentações visuais e retratos românticos de algum lugar específico. Paolo Sorrentino, o diretor de "A Juventude", tornou-se famoso com seu vencedor do Oscar "A Grande Beleza". Lá, Sorrentino realiza uma clara homenagem a "A Doce Vida" de Fellini e exprime um jeito contemporâneo de realizar cinema, sempre lembrando-se de reverenciar aqueles que o antecederam na sétima arte. Pode-se dizer que "A Juventude" complementa esse filme, visto que o recém estreado no Brasil também aborda um pouco a questão do fazer artístico. Pode-se dizer que ambos fazem parte de uma história sobre o tempo, sendo contada por intelectuais de diversos ramos da sociedade. Se em "A Grande Beleza" quem nos conta a história é o jornalista/escritor Jep Gambardella, em "A Juventude" os narradores da arte são o maestro Fred Ballinger e o diretor de cinema Mick Boyle.

A escolha de um diretor de cinema para representar a própria visão de arte é muito oportuna. Além de representar uma clássica alusão a "8 1/2" de Fellini, trata-se de um excelente retrato metalinguístico sobre a realização cinematográfica. O diretor se vê cansado e percebe que seus tempos áureos já passaram. Apesar disso, Mick percebe que a realização cinematográfica só tem significado ao representar emoções e a compara com a própria vida. É perceptível a pegada do diretor nesse quesito, visto que Sorrentino busca sempre em seus diálogos introspectivos apresentar uma visão sobre as questões que afligem o ser humano. Por causa disso muitos podem o considerar pretensioso, mas é exatamente essa sua personalidade em exprimir seus pensamentos que o torna tão autoral. Outro personagem que tem um desenvolvimento brilhante é o maestro. Ao final de sua vida, ele percebe que se dedicou demais ao trabalho e não deu tempo a família. Mas, com o passar do tempo, o público descobre que as canções compostas por ele só existem devido ao seu amor incondicional à mulher. Porém, o maestro se contradiz em momentos que discute com seu amigo Mick sobre a racionalidade ao compor músicas, em vez do sentimentalismo puro. Essa "dupla personalidade" de Ballinger é muito bem explorada pelo roteiro, visto que sua jornada é sempre uma incógnita.

A relação entre os dois personagens é o motor do filme. A dicotomia de pensamento entre ambos é muito bem feita, principalmente devido as performances estupendas de Michael Caine e Harvey Keitel. Mas, se por um lado eles exprimem suas opiniões em relação a arte, também representam a angústia de pessoas no final da vida. Teria toda a jornada até ali valido a pena? É interessante como a amizade entre os dois é construída; são diálogos riquíssimos em sentimentalismo e desilusão. "Só contamos as coisas boas um para o outro", eles dizem. Todavia, se o que resta para muitos na velhice são as memórias, para eles nem isso serve. É notório como o diretor explora esse lado: não devemos nos fixar somente em memórias que deixarão de existir, mas nos empenhar para fazer algo realmente significante. Mas, voltando para o mérito artístico do roteiro, existe um diálogo que ilustra muito bem essa preocupação de Sorrentino. Ballinger, ao conversar com um ator de Hollywood, exprime sua chateação por ser reconhecido apenas por suas "Simples Songs". O ator, ao mesmo tempo, se sente injustiçado por apenas lembrarem dele em um filme de robôs. Isso se configura como uma crítica muito grande a um realizador artístico ser reconhecido apenas por um trabalho realizado. É como se Da Vinci tivesse apenas pintado a Monalisa.

A trilha sonora é fantástica; as músicas combinam perfeitamente com o andamento do longa, sendo indispensáveis para o real apreço com a obra. O cinema é a arte visual, mas a música consegue potencializar toda essa experiência. E, se no filme anterior Sorrentino proveu imagens estonteantes, aqui o diretor preza por cenários mais simples, porém não menos belos. A metragem apresenta uma paleta frívola, mórbida e sem cores. Tal fotografia expressa os sentimentos dos personagens como a desilusão e o vazio existencial. Além disso, demonstra a visão pessimista que o longa passa da vida. Note que o maestro afirma ceder 10 anos de sua vida para fazer uma noite de sexo com uma amada da juventude. Aliás, essa tal amada da juventude serve como mote para os acontecimentos da história. Porém, tais acontecimentos não são importantes em si, mas sim para construir uma metáfora em cima disso. É um filme para ser analisado com o cérebro (e com o coração). E, se o título de um longa sobre a velhice é "A Juventude", Sorrentino mostra-se extremamente irônico. O filme é um retrato (peço perdão pelo uso da palavra) amadurecido daquilo que vimos em "A Grande Beleza". Se Jep buscava a grande beleza que o motivaria a voltar a escrever, os personagens de "A Juventude" parecem compreendê-la e, de certo modo, menosprezá-la. A vida é como uma orquestra; até mesmo a mais linda das canções com os acordes mais refinados e instrumentos mais angelicais pode acabar um dia. A existência humana é finita e o diretor mostra que essa é a verdadeira "grande beleza".

Nota: 

- Demolidor

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Crítica de "Mogli - O Menino Lobo"

Walt Disney. É impressionante como o nome de uma pessoa é imediatamente ligado a uma marca e até mesmo a um estilo de filme. Ora, todos conhecem a fórmula dos filmes da Disney. Mas, do que muitos esquecem, é o criador por trás disso tudo. Walt Disney foi um idealizador, a frente de seu tempo, que criou todo um universo de sonho necessário às pessoas de sua época, que viviam em momentos de tensão armada e crises financeiras. Mas, como todo bom retrato cultural de uma sociedade, os filmes originais do estúdio, mesmo que clássicos, não são atuais. Isso não é um desmerecimento das obras; as animações clássicas serão sempre imortais. A chamada Era de Ouro da Disney é composta por "Branca de Neve e Os Sete Anões", "Cinderela", "Bambi", "Dumbo", "A Espada Era a Lei", "Pinóquio", "101 Dálmatas", "Peter Pan", "Mogli", dentre outros. O estúdio, porém, ciente da renovação que precisava ter tomou uma decisão arriscada: tentar adaptar esses clássicos animados ao cinema live-action. Os primeiros filmes dessa leva a serem lançado foram "Malévola" e "Cinderela", que conquistaram o coração do público e a aprovação da crítica. Eis que chega a vez de Mogli (o Tarzan que teve seu filme da Disney antes que o próprio Tarzan).

No quesito roteiro, o longa segue grande parte do material original. Mogli é um menino que, depois de abandonada na selva, é criado pelos lobos. Certo dia, porém, um tigre chamado Shere Khan ameaça matar a família de lobos se esta não entregar o garoto. Mogli segue, então, em uma jornada com a pantera Bangheera em direção à aldeia dos homens. Os animais clássicos estão de volta: Baloo, Bagheera, Kaa e todos os outros. Todavia, mais do que isso, esses personagens apresentam uma profundidade que não existia no filme de 1967. Enquanto a animação era superficial ao se tratar dos coadjuvantes, o filme atual preza por desenvolver as características principais de seus personagens. Isso promove um grande apego a seus sofrimentos, assim como suas motivações são críveis. Remontando o clássico, o filme até mesmo possui uma excelente reinterpretação da música "Necessário, somente o necessário...". Outro ponto bastante positivo do roteiro é a apresentação de Mogli, sua história, assim como o seu arco sendo construído do início ao fim. Aqui se vê uma preocupação com uma espécie de verossimilhança, ao mesmo tempo que não se esquece de se tratar de um universo fantástico. Note como os homens, mesmo sem aparecerem, são os vilões do filme, já que são os responsáveis pela destruição da natureza. "Ele não pode voltar a aldeia, pois assim virará um homem", disse Baloo. Trata-se de uma crítica severa ao desmatamento desenfreado, ao descaso com a natureza, assim como à grande necessidade de poder que o homem possui. O vértice dessa busca por autoridade é metaforizado pelo fogo, a chamada "flor vermelha". O roteiro também acerta ao demonstrar apreço com a natureza, não só em relação a preservação, mas também quanto as relações biológicas entre os animais. É extremamente interessante observar como o comportamento de cada animal é retratado e como isso contribui para os personagens em si.

A direção é de Jon Favreau (Homem de Ferro 1 e 2), que provê um trabalho extremamente digno. A câmera é muito bem manipulada, assim como todos os recursos que o diretor dispõe. O diretor consegue usar de efeitos como o "vertigo" para maximizar a experiência do espectador. Os momentos de tensão são muito bem construídos, assim como as cenas de ação são extremamente bem filmadas e coreografadas. Além disso, como Favreau usa, em boa parte do tempo, a câmera junto aos personagens, seja sob uma mesma altura, seja em primeira pessoa, ele cria um universo extremamente único. A câmera introduz o espectador naquele ambiente totalmente imersivo e importante. Outro fator que merece destaque em sua direção é a condução praticamente impecável da metragem. Toda cena tem um sentido de existir, assim como todos os personagens são importantes. E, tem mais, Favreau consegue fazer com que animais computadorizados falantes não pareçam ridículos ao conversarem entre si. O diretor consegue imprimir um tom sombrio que funciona perfeitamente. Trata-se de uma releitura do clássico que acrescenta à história, em vez de bajular o material original ao repetir os mesmos pontos. A fotografia do longa é belíssima; existem cenas de tirar o fôlego. Todo esse ambiente imersivo só é possível pelo belo trabalho de Favreau com sua equipe no quesito fotografia, visto que a diferença de cenário dentro da própria floresta é notável. Isso reforça a grandeza da floresta representada, assim como serve para conferir profundidade à narrativa.

Mogli é interpretado pelo garoto Neel Sethi. O menino teve um trabalho muito difícil: além de ser seu primeiro longa metragem, Sethi não contracena com ninguém do filme. Todos os animais presentes na história são feitos por computador. E esse é, infelizmente, o fator que impede o filme de ser perfeito. O ator mirim sente muito essa diferença e apresenta uma atuação limitada. Existem cenas extremamente forçadas e diálogos que soam estranhos ao ambiente pré-estabelecido pelo filme. Mesmo que o garoto seja fisicamente impressionante, tanto na desenvoltura física quanto na semelhança com o personagem, Neel Sethi não apresentou o peso emocional que engrandecesse o personagem. Apesar disso, a boa escrita de Justin Mark e o bom jogo de câmera de Favreau, deixam com que a jornada do herói não se prejudique com esse fator. Em contrapartida, o trabalho de dublagem do longa merece ser copiado várias e várias vezes. Mesmo contando com atores famosos, eles não demonstram preguiça, conseguindo prover diferencialidades no tom de voz a fim de que se pareçam mais com os personagens do filme. Dentre as principais vozes podem se citar Bill Murray, Idris Elba, Ben Kingsley, Scarlett Johansson, Lupita Nyong'o e Cristopher Walken. Todos apresentam excelentes momentos no filme, sendo até difícil reconhecê-los durante o longa. O grande trabalho de dublagem é aliado com o excelente trabalho visual do longa. Os efeitos especiais são perfeitos: por serem bem renderizados, além de realistas. Não existe sequer um efeito duvidoso, tudo inspira uma veracidade incrível. Se "As Aventuras de Pi" foi reverenciado pelo tigre e "O Regresso" pelo urso, que tal os dois e outros animais em um mesmo filme? É um trabalho que demonstra o poder tecnológico de Hollywood e justifica a refilmagem. "Mogli - O Menino Lobo" é um excelente reboot, por contar com um trabalho de dublagem impecável, visual impressionante e diretor inspirado.

Nota: 


- Demolidor

Crítica de "Asterix e o Domínio dos Deuses"

Se você é fã de histórias em quadrinhos, certamente conhece Asterix e Obelix. Criados por Albert Uderzo e René Goscinny no ano de 1959, os personagens são os protagonistas da obra francesa intitulada "Asterix" no Brasil. Tratam-se de histórias com o humor típico francês pautado no uso de estereótipos e caricaturas. A premissa acompanha um grupo de gauleses que vivem num pequeno vilarejo na época do Império Romano. Tal vilarejo é um dos poucos lugares que nunca foram ocupados pelos romanos, principalmente pelo fato dos habitantes tomarem uma poção que os confere super força. Obelix, porém, é uma exceção, pois, quando criança, mergulhou num caldeirão com a poção e ganhou o poder permanente. A premissa, em si, é muito simples. O que traz a qualidade por trás da obra é o desenvolvimento inteligente dos personagens, assim como as alusões que podem ser feitas com o contexto mundial da época. Por ser uma obra que tomou repercussão global, o mundo de Asterix já foi adaptado para o cinema algumas vezes, dentre animações e "live action". A mais famosa delas, provavelmente, é a protagonizada pelo astro francês Gérard Depardieu que, apesar de esdrúxula, é divertida. Em 2014, a França lançou sua nona animação de Obelix e companhia, todavia chegou ao Brasil somente em 2016.

O roteiro de Alexandre Astier e Louis Clichy é um ponto fraco da metragem. O fato dos personagens coadjuvantes não terem nenhum peso na história, concomitantemente com os protagonistas sem motivações plausíveis, tornam o filme extremamente sem sentido de existir. A história acaba da mesma forma que se inicia. Não existe um estudo detalhado de personagens, assim como o roteiro não é capaz de prover algo substancial a história. A sinopse do filme consiste no fato de que os romanos conseguem construir um conjunto de apartamentos denominado Domínio dos Deuses, em território gaulês. O plot se dá nos nativos buscando formas de expulsar os cidadãos de Roma do local. A estrutura narrativa, porém, é problemática. Se nos quadrinhos a visão estereotipada dos povos conferia humor, aqui demonstra falta de criatividade e até mesmo um certo preconceito. A unilateralidade de alguns personagens demonstra a falta do estudo das condições do persona. A figura de César, por exemplo, é extremamente sem vida, assim como todos os outros personagens romanos. Não existe nenhum vilão que seja memorável. A sessão acaba e o público apenas se lembrará de Asterix e Obelix. Mas, isso também não é por causa do filme; é por causa do peso cultural que esses personagens impõem. Se dependesse do filme, a dupla, se fosse lembrada, seria pela falta de carisma. E isso é muito sério, visto que a essência dos personagens está no apego ao público. Como não existe uma real importância de Asterix e Obelix, o espectador não nutre nenhuma empatia pela história e passa a se demonstrar indiferente aos acontecimentos. Isso torna o filme desinteressante, podendo ser extremamente cansativo em alguns momentos.

Entretanto, nem tudo são pedras. O filme apresenta algumas analogias extremamente importantes. O roteiro consegue fazer um estudo do capitalismo, através dos ideais de livre concorrência e lei da oferta e procura que inspiram uma ganância até mesmo num povo considerado "inocente". A escravidão também é muito bem retratada e algumas críticas sociais são bem explícitas. Como um escravo fugido teria as mesmas oportunidades que um homem livre? Se um escravo fosse livre, precisaria trabalhar para ganhar um dinheiro e sustentar sua casa (que já tinha quando escravo). Não seria essa mais uma forma de escravidão? Isso traz um tom mais sério ao filme que debate questões sociais importantes. Porém, o diretor Louis Clichy não consegue dar dinamicidade a essa trama. O longa apresenta oscilações de tom em demasia, o que dificulta a compreensão do público sobre a mensagem da obra. O diretor não sabe se explora o tom cômico em forma de ironia ou se trata algum assunto com seriedade. Essa mistura de propostas em um único filme diminui a interferência do diretor, visto que ele é responsável por conduzir o longa por um caminho sólido. Isso acarreta também uma montagem defeituosa, que apresenta cenas desnecessárias que beiram ao ridículo.

O visual merece destaque. A forma como os animadores conseguem misturar a essência das histórias em quadrinhos com as novas técnicas de animação é eficaz. Visualmente o filme consegue ser claro em suas ações, além de constituir uma ambientação plausível historicamente, ao mesmo tempo que impressiona pela beleza. A pena está no fato de que o resto não ajuda a engrandecer o trabalho animado. E não pense que isso é uma perseguição ao cinema europeu. Muito pelo contrário; por ser fã das histórias em quadrinhos, esperava muito mais do filme. Era necessário um estudo melhor dos personagens, assim como uma ideia mais criativa para a trama do longa. E, até agora não é claro, trata-se de uma comédia ou um filme emocionante? Não sei dizer. O filme apresenta claras oscilações de tom que tornam a experiência cinematográfica medíocre, assim como desperdiça o potencial de personagens excelentes.

Nota: 

- Demolidor

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Crítica de "Rua Cloverfield, 10"

J. J. Abrams é um cara que possui um faro inigualável para tramas envolventes. Vale ressaltar que o novo responsável por "Star Wars", também foi o criador da série "Lost". Apesar de seus problemas no final, a série é absurdamente importante para a história da televisão e da cultura pop em geral. Em 2008, Abrams produziu o filme "Cloverfield: Monstro". Recebeu críticas positivas, mesmo caindo no clichê de filmes "found footage", que seguiram o exemplo do clássico recente "Atividade Paranormal". Foi uma grande surpresa, então, quando "Rua Cloverfield, 10" pouco tempo atrás foi anunciado. A produção da metragem era sigilosa; não existiam trailers, teasers ou fotos dos sets. O mistério ao redor do filme era enorme, o que potencializou muito mais o rendimento final da obra. Como o espectador não foi obrigado a ser enxurrado por trailers grandiloquentes, o filme se apresentou como uma "novidade". Isso engrandece a experiência cinematográfica, pois ressalta o fator surpresa, essencial para o desenvolvimento da trama de um filme como este. Tal trama acompanha a personagem Michelle, que, após sofrer um acidente de carro, é mantida prisioneira por Howard. Este alega que o país está sofrendo um ataque químico/nuclear, mas a protagonista duvida de seus argumentos e decide investigar.

Por não ser uma sequência direta de "Cloverfield: Monstro", o filme apresenta certas liberdades dramáticas que dão dinâmica à trama. A única obrigação do longa atual é situar-se no mesmo universo que o antecessor; nada mais. Isso dá um espaço para os roteiristas Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle ("Whiplash") trabalharem do jeito que quiserem. A escrita é um dos pontos fortes do filme. A forma como a protagonista é apresentada ao universo do bunker é fantástica. Não precisa-se de diálogos para compreendermos as emoções da personagem. Além disso, trata-se de uma personagem com uma carga dramática forte. Ela é a protagonista do filme, e, portanto, toma as decisões que fazem com que a trama se desenrole. E, a partir de seus erros e acertos, o espectador se vê identificado com Michelle. Trata-se de uma protagonista feminina extremamente cativante, dona de si e inventiva para a solução de problemas. Nesse quesito Michelle lembra muito a Tenente Ripley da franquia "Alien".  Aliás, a estrutura de roteiro é bem parecida. Em ambos os filmes o que importa é a tensão criada, o artifício da dúvida, e não a aparição de monstros computadorizados. "Rua Cloverfield, 10" acerta ao criar uma ambientação extremamente crível, além de eminentemente perigosa. O público nunca vê segurança nos atos de certos elementos do filme e existe sempre o questionamento do que se trata realmente o problema lá fora. E, mesmo não sendo longo, o roteiro toma seu tempo para ir, de pouco a pouco, evidenciando encaixes para a história. A trama pode não ser extremamente original ou revolucionária, mas é instigante e inteligente, conseguindo criar uma atmosfera favorável a um bom suspense.

Mas, o sucesso de um filme como esse depende de uma boa mão na direção. O responsável é o estreante Dan Trachtenberg. Os traços do produtor Abrams na direção são nítidos, porém Trachtenberg consegue conduzir bem todo o seu trabalho, principalmente nas cenas em lugares fechados. Mesmo não causando uma espécie de claustrofobia, a câmera consegue passar uma tensão inerente à trama, servindo como o espelho de um público angustiado. Todo esse trabalho é favorecido pelo jogo de iluminação que é bastante interessante, além da inserção da trilha sonora nos momentos propícios. Em relação à técnica cinematográfica, a mixagem e a edição de som merecem destaque. Um filme que possui uma boa sonoridade se apresenta de forma mais clara ao espectador, além de potencializar as emoções que o visual inspira. A fotografia tem um tom mais "pastel"; não chega a ser um ambiente escuro nem claro, trata-se de um meio termo. E essa oscilação tem total relação com a história, visto que ambos os lados são apresentados, porém, durante boa parte da metragem, não se tem um veredicto. E essa ambiguidade que o roteiro e o visual inspiram também pode ser identificada na complexidade do personagem Howard, intepretado por John Goodman. É um personagem esférico, cujas ações são imprevisíveis e que consegue ludibriar ao mesmo tempo o espectador e a protagonista. Esta que é interpretada por Mary Elizabeth Winstead. A atriz apresenta excelente caracterização dramática, além de seu porte físico ser extremamente coerente com a temática. Note que, mesmo sendo o alvo da ação em alguns momentos íntimos, a sensualidade da personagem nunca é explorada. Isso se deve ao fato de que a atriz consegue renegar esse seu lado em prol da história e promove uma imersão total no universo da Rua Cloverfield.

John Goodman apresenta uma das atuações mais brilhantes de sua carreira. Mesmo interpretando um personagem sério, o ator continua com o seu tom cômico de costume. Mas, ele provê algo além. Os olhares ameaçadores, a movimentação lenta do personagem, os diálogos ambíguos causadores de tensão são extremamente condizentes com a construção de sua persona. Nunca se sabe ao certo se ele é o herói ou se ele é o vilão. Seria ele um salvador ou um sequestrador? Essas são perguntas que só se tornam possíveis devido a uma boa estruturação de roteiro aliada a performances estupendas. Mas, infelizmente, o filme possui pequenos erros ao final. Configuram-se como erros, pois fogem da prerrogativa do filme. Ao tentar explicar certos acontecimentos, mais dúvidas foram criadas. O final não é ruim em si, ele até demonstra o desenvolvimento completo do arco da protagonista, mas falta o elemento que tornaria o filme memorável. Falta um "gran finale". "Rua Cloverfield, 10" é bem feito tecnicamente, apresenta um roteiro funcional e a atuação de John Goodman se destaca; fatores que tornam o filme um excelente suspense.

Nota: 


- Demolidor

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Crítica de "Para Minha Amada Morta"

O cinema brasileiro de gênero é algo raro nos cinemas comerciais. Isso é uma pena. Enquanto comédias da Globo lotam as salas de cinema em shoppings por todo o país, filmes que se preocupam com a sétima arte em si são restritos aos ditos "cinemas alternativos". Como consequência, tem-se o discurso: "O cinema brasileiro é ruim". Isso é uma falácia enorme, visto que é o cinema comercial brasileiro que é ruim. Devido a falta de investimento nas produções independentes, a maior parte das coisas que se vê é voltada para o acúmulo de dinheiro, através da divulgação de atores globais e piadas esdrúxulas. Mas, para aqueles que se interessam realmente por essa arte e desejam mensurar a qualidade do cinema nacional, vale a pena procurar a fundo em salas perdidas pela cidade. "Para Minha Amada Mortal" é um clássico exemplo disso. Não apresentou muita divulgação, nem está sendo exibido em muitas salas pelo Brasil. E, independente da opinião de cada um sobre a estrutura do roteiro, é unânime a qualidade da fotografia e da direção. O filme em si é bem feito. Acompanha a história de Fernando que descobre que sua mulher, já morta, o traía em vida. A partir daí, o homem busca conhecer os detalhes da traição e chega até a casa de Salvador.

O longa é escrito e dirigido pelo paranaense Aly Muritiba. Trata-se de uma escrita não muito inventiva quanto a trama, visto que é uma típica história de vingança. Todavia, o filme tem um quê sombrio e perturbador que instiga muito o espectador. Os planos são demasiadamente longos e sem muita movimentação de câmera. Isso promove uma dúvida enorme sobre o que vai acontecer, pois o personagem desde o início demonstra suas mudanças depois da descoberta. Nesse quesito, o roteiro acerta muito. O arco dramático do protagonista é muito conciso, apresentando todos os elementos necessários para um início, um desenvolvimento e uma conclusão bem feitos. O final pode não ser muito condizente com o tom que o filme apresenta durante a metragem, porém cumpre perfeitamente com a jornada do personagem. Este é interpretado por Fernando Alves Pinto que se mostra um excelente ator, através de pequenos gestos e expressões que põem em cheque o conceito que o público tinha da moral de seu protagonista. É visível como o personagem é o herói da história, mas parece, a todo o momento, que vai fazer algo ruim. Por isso, torcemos para ele ao mesmo tempo que não. Essa característica esférica do personagem só é possível devido ao excelente trabalho do ator. Abaixo dele está Lourinelson Vladimir. Este apresenta uma atuação sólida, mas peca em alguns aspectos. Uma exagerada gestual aqui, outra ali, mas nada que comprometa a veracidade de seu personagem. Os conflitos por quais passa são bem expressos em tela.

Os elementos visuais do filme impressionam. O início é muito inteligente: somente através de fotos, objetos e vídeos sentimos o peso da saudade de uma mulher querida. Além disso, a paleta pálida inicial remete a um ambiente sem vida e sem propósito. Tal paleta só viria a mudar no momento da descoberta da traição, onde os planos escurecem e a iluminação promove um jogo de sombras interessante. E esse ambiente mais sombrio acompanha o filme inteiro, ajudando a potencializar a tensão proposta pela premissa. O filme passa-se numa espécie de subúrbio, portanto pode ser caracterizado como um drama suburbano. Isso possibilita um excelente trabalho do diretor de fotografia, visto que os planos abertos são muito limpos e a qualidade da imagem impressiona. No quesito visual/técnico o longa lembra muito o excelente "O Lobo Atrás da Porta", outro drama suburbano. Seria este um novo gênero em ascensão no cinema nacional? A trilha sonora do longa é imponente: não existe nenhuma melodia suave, apenas sons barulhentos que ajudam a (mais uma vez) aumentar a tensão.

Como já dito, o filme é extremamente tenso. Trata-se de uma mistura de elementos como a direção, roteiro e trilha sonora que criam esse clima, de certo modo, claustrofóbico. Durante todos os aproximados 100 minutos de metragem, o público se vê refém da trama. Isso é um ponto positivo do filme, que o torna digno de ser assistido.  Depois de todo aquele clima bem criado, pode-se dizer que o final é um pouco decepcionante, por não entregar algo que propôs durante o filme inteiro. Tudo bem que trata-se de uma conclusão condizente com os arcos dos personagens e apresenta algumas coisas a serem pensadas, mas faltou algo a mais. Aliás, esse fator pensante do filme é muito interessante. Nem tudo é entregue de graça, muitas coisas o espectador é obrigado a deduzir. Isso demonstra um respeito muito grande ao público e engrandece a experiência cinematográfica. "Para Minha Amada Morta" é um filme que merece ser visto por sua limpeza visual e por seus elementos cinematográficos capazes de construir um ambiente tenso, mostrando que o cinema nacional também é forte em dramas suburbanos.

Nota: 



- Demolidor

segunda-feira, 28 de março de 2016

Crítica de "Zootopia: Essa Cidade é o Bicho"

Walt Disney Pictures. Não importa se você tem 10, 20 ou 100 anos. Em algum momento de sua infância você foi encantado por algum filme da Disney. Para se ter uma noção, o primordial "Branca de Neve e os Sete Anões" é de 1937. De lá pra cá, a produtora foi responsável por diversos clássicos do gênero. Recentemente, porém, pela parceria com a Pixar, o selo sozinho da Disney perdeu um pouco sua força. Enquanto "Toy Story" recebia elogios, "O Galinho Chicken Little" era detonado. Contudo, a Disney vem passando por uma reformulação interessante nos seus projetos. Isso se deve muito à mão de John Lasseter (diretor de Toy Story), produtor executivo dos novos filmes. O primeiro e já clássico recente foi "Frozen". Além de ser aclamado pela crítica, o filme conquistou uma legião de fãs pelo mundo inteiro. Um ano depois chegou aos cinemas "Operação Big Hero": uma tentativa certeira da Disney de aproveitar o universo Marvel do cinema. É nesse panorama ascendente que "Zootopia" se insere. Podendo ser um dos filmes mais originais do estúdio, "Zootopia" acompanha a coelhinha Judy Hopps, fazendeira de uma pequena cidade que sonha em ser uma policial na cidade de Zootopia. Chegando lá, a coelha precisa fazer uma parceria com a raposa Nick Wilde, para solucionar um crime que pode salvar sua carreira.

O roteiro, escrito por 7 escritores diferentes, é um dos pontos fortes do filme. Primeiramente, deve-se falar do universo criado para o longa. A personificação de animais é clichê, mas o modo como esses animais se comportam em sociedade é transmitido às telonas de uma forma brilhante, extraindo até mesmo humor dessa imersão. Existem piadas relacionadas às características instintivas dos animais: a necessidade dos lobos de uivar, por exemplo. Ou até mesmo (essa é a melhor parte do filme) o fato de bichos-preguiça serem responsáveis por tarefas de preenchimento de documentos. O contraste da necessidade de agilidade com o fator biológico desses animais serem "lentos" promove uma das cenas mais engraçadas do ano. A relação antagonista entre a coelha e a raposa também é muito bem explorada. A maioria dos filmes da Disney explora uma relação dicotômica como essa, porém aqui, isso se faz mais necessário, visto que na cadeia alimentar a raposa é predadora do coelho. Portanto, ao mesmo tempo que a oficial Hopps precisa confiar em Nick, não o pode fazer por completo, devido ao fator natural. E isso é pano de fundo para uma grande crítica social.

Pensando por esse lado, "Zootopia" se configura como uma fábula moderna sobre poder, golpe, além de exemplificar as desigualdades sociais vigentes na sociedade através da impotência de alguns animais. Porém, a construção da protagonista é a lição de moral que mais faz jus a esse igualitarismo implícito no roteiro. Trata-se de uma personagem com pouca força física comparada aos outros, mas que se destaca devido a sua astúcia e mostra que, dependendo da sua vontade, você pode alcançar seus objetivos. Apesar de ser um ideal utópico demais, é importante para os dias atuais. O filme questiona até mesmo os padrões éticos dos governantes de Zootopia, e isso serve para criticar muitos sistemas onde o político se importa mais com seus interesses pessoais do que com os públicos. Além disso, como a personagem principal é feminina, isso reforça a igualdade de gêneros tão discutida atualmente e mostra que, mesmo em um território comandado por homens (como é o da polícia de Zootopia), as mulheres podem fazer a diferença. Dessa forma, a protagonista representa não só as mulheres, como todas as minorias subjugadas na sociedade. E isso tudo num filme de animação da Disney. É interessante ver a preocupação social do estúdio ao debater tais temas.

A direção de Byron Howard e Rich Moore funciona bastante. Apesar de ser um filme que preza muito mais pelo roteiro, existem cenas de ação muito bem acabadas. Pode-se dizer que o filme é completo no gênero policial: fato reforçado pela qualidade dos diretores em dar uma clareza ao que está acontecendo em tela. Além disso, a trama consegue ser instigante a ponto de deixar o espectador em dúvida sobre o que acontecerá em seguida. O filme apresenta referências ao universo Disney (Big Hero e Frozen são citados), o que dá a ideia de um possível universo conjunto. Mas, melhor do que isso, o filme reverencia clássicos como "Rocky" e "O Poderoso Chefão", além do importante seriado "Breaking Bad". A montagem do longa é perfeita, visto que tem a quantidade de minutos necessária para contar uma boa história. "Zootopia" pode ser visto como uma fábula moderna que trata da vida em sociedade, ao mesmo tempo que se caracteriza como um bom filme policial, que, através da força de sua protagonista, reforça o papel das minorias. Mais completo impossível.

Nota: 

- Demolidor

domingo, 27 de março de 2016

Crítica de "Kung Fu Panda 3"

Em 2008 chegava aos cinemas a animação "Kung Fu Panda". Contando com um protagonista caricato e desajustado, o longa introduziu toda uma mitologia relacionada às artes marciais na China, sob a forma de animais mestres do kung fu. Iniciou-se então uma das mais rentáveis franquias de animação da Dream Works (ao lado de Shrek), que, em 2016, chega a seu terceiro filme. A fórmula é a mesma: crise de identidade do protagonista, a jornada do herói completa, a aparição de uma ameça e a solução do problema. Dessa vez, o filme acompanha a descoberta da família de pandas de Po e como o protagonista precisa virar um mestre do kung fu. No meio disso, surge uma ameça grandiosa que faz com que o herói prove sua grandiosidade. Essa história, por ser deveras clichê, tem seus pontos positivos e negativos. Por um lado, o desenvolvimento do vilão e suas motivações são muito rasos. Não se vê uma grande veracidade nas ações e o roteiro não é brilhante a ponto de estabelecer novos padrões de narrativa. Mas, por outro, o desenvolvimento da jornada de Po é perfeito. O panda passa por todas as provações necessárias a um herói e o roteiro consegue dar uma linearidade essencial a esse desenvolvimento. Um ponto que ajuda nisso tudo é o humor leve que o filme inspira e que está espalhado por diversos personagens. Não existe um centro cômico, o que retira a ameça de piadas previsíveis.

Tal roteiro é escrito por Jonathan Aibel e Gleen Berger. Por se tratar de uma continuação de uma franquia já querida, os roteiristas tiveram a oportunidade de ampliar o universo em que a história se passa. O misticismo relacionado ao kung fu, o acréscimo de personagens relevantes e a apresentação de um universo coeso engrandecem muito a história. Além disso, o relacionamento entre a comunidade dos pandas é muito harmonioso e emana um clima agradável ao espectador. Normalmente, filmes de animação têm como público alvo as crianças. Portanto, faz-se necessário uma mensagem por trás que seja inspiradora para o público mais jovem. "Kung Fu Panda 3" apresenta um ensinamento extremamente importante: todos nós aprendemos a todo o instante e o conhecimento só se faz completo através da comunicação com o outro. O filme consegue desenvolver, em seu roteiro, a desconstrução de um egocentrismo e, ao mesmo tempo, implantar ideais que sugerem um mundo mais igualitário. Mas, mesmo com tais reflexões morais, o roteiro consegue entregar mais. Reflexões metafísicas são pontos chave no filme e a leveza como são abordadas impressionam. Os roteiristas conseguem, através de metáforas, demonstrar imparcialidade quanto a religiosidade, mas é visível como símbolos míticos como o "Yin Yang" estão presentes na história.

As metáforas não estão somente no roteiro. Estão também na direção de Alessandro Carloni e Jennifer Yuh. Existem cenas que lembram muito a pegada existencialista de Terrence Malik. Além disso, a paleta de cores usada nessas cenas são essenciais para uma limpeza e que corresponde à mensagem transmitida. A qualidade da animação é indiscutível; os traços caricatos aliados a uma espécie de personificação dos personagens permanece aqui. Mas, os níveis de detalhes nas expressões faciais, por exemplo, estão cada vez maiores. A trilha sonora começa a se fazer memorável, depois de três filmes da franquia. Se Sherk decepcionou a partir do terceiro longa, o panda Po ainda não o faz. É incrível como o tom de filme nunca varia e, mesmo com histórias não tão mirabolantes, os filmes de Kung Fu Panda se mantêm íntegros. É a aliança de uma boa ideia com o foco nas coisas importantes: a relação entre pai e filho, a exaltação de uma arte marcial que vem sendo difamada depois do fenômeno das lutas televisionadas, a preocupação com a natureza, a apresentação de uma paisagem natural exuberante aliada a elementos culturais/históricos da China, a criação de um universo familiar, além das questões morais/filosóficas que o filme inspira.

Pode-se dizer que Po é um dos personagens mais importantes atualmente. No primeiro filme, descobrimos que mesmo um ser taxado como inútil e desastrado pode se sair bem naquilo que tem vocação. E isso, no fundo, era o que realmente importava no filme. Aqui, mesmo que o desenvolvimento de certas estruturas de roteiro seja defeituoso, a mensagem principal é transmitida com perfeição. Portanto, "Kung Fu Panda 3" apesar de não prover uma história original, aborda questões morais e metafísicas interessantes, além de apresentar alívios cômicos certeiros e uma expansão coesa do universo da franquia.

Nota: 


- Demolidor

quinta-feira, 24 de março de 2016

Crítica de "Batman vs Superman: A Origem da Justiça"

Superman e Batman. Símbolos da hegemonia cultural norte-americana sobre todo o mundo globalizado. Possivelmente, os dois super heróis mais conhecidos pela população mundial. E, finalmente, os dois se encontram nas telonas do cinema. Pela primeira vez, um filme da DC apresenta diferentes heróis em um só filme (vale lembrar que a Mulher Maravilha também está presente). O filme (supostamente) é baseado na HQ "O Cavaleiro das Trevas", mas vê-se uma discrepância enorme entre as obras, tanto em relação à conteúdo quanto à linguagem. Aqui, a reunião dos heróis se faz necessária para a criação de um "multiverso" DC Comics, ilustrando a tentativa clara da Warner de bater de frente com a já consolidada Dinsey/Marvel. Mas, será que a detentora dos super heróis mais poderosos já criados correspondeu a altura? O filme é uma sequência direta de "O Homem de Aço" e mostra, em suas cenas iniciais, a destruição de Metrópolis sob o ponto de vista de Bruce Wayne. A trama do filme gira em torna da pergunta: Superman é um herói ou uma ameaça?

Trata-se de uma premissa boa, pois pode explorar um lado político/ideológico capaz de engrandecer a obra. Mas, tal argumento mostra-se extremamente inválido devido ao fato de que o roteiro não se preocupa com desenvolvimento de conflitos. É muito tempo gasto em combates físicos, romances clichês, que o espectador se vê até mesmo entediado. A história central não apresenta força suficiente para se sustentar sozinha e, devido a oscilações narrativas, colapsa no final, com uma quantidade absurda de furos no roteiro. Algumas situações simplesmente não apresentam explicação plausível e o roteiro não se preocupa em apresentar qualquer argumento. Talvez a necessidade do estúdio de apresentar um universo compartilhado bem definido limitou muito o poder de criação dos roteiristas David Goyer (trilogia "O Cavaleiro das Trevas") e Chris Terrio ("Argo"). Mas, mesmo tal universo não é muito bem explorado. O novo Batman não apresenta nada de inovador ao personagem e se mostra muito aquém do personagem dos filmes do Nolan. A Mulher Maravilha é extremamente subaproveitada e seu desenvolvimento é raso (tudo bem que o filme solo já foi anunciado para o ano que vem, mas não custava nada dar ALGUMA profundidade à personagem).

A direção é de Zack Snyder. Trata-se de um diretor bem estiloso, que mostrou bom trabalho em "300" e "Watchmen", destacando-se pelo uso constante de câmera lenta e muito sangue. A censura do filme limita um pouco o último quesito (no Brasil, a classificação é indicativa é de 12 anos). Mesmo que a violência esteja presente, ela é muito irreal, por não ser explícita. Além disso, o diretor de "Batman vs Superman" não é o Zack Snyder que conhecemos. Sua ousadia em planos de câmera lenta e a astúcia para combates corpo a corpo são inexistentes. O trabalho de direção é extremamente convencional, para não dizer ruim. Existem muitas cenas demasiadamente longas, enquanto outras apresentam cortes demais. O espectador é inundado com um festival de "flares" e luzes que dão dor de cabeça e a movimentação de câmera é extremamente artificial. A cena principal de luta lembra muito as "cut scenes" do jogo "Injustice". Isso é uma grande crítica, pois distancia cada vez mais o público da veracidade daquele universo. É triste se deparar com tamanha decepção, um mês depois da grata surpresa "Deadpool". A Marvel que há muito domina o mercado, precisa se preocupar com a própria Marvel em outros estúdios. Parece que a DC não sabe ainda para o que veio.

 Henry Cavill retorna bem como o Filho de Krypton, apresentando um amadurecimento do personagem. Gal Gadot, com o pouco tempo que lhe é dado, demonstra ser uma atriz com potencial para apresentar a imponência da Rainha das Amazonas. Já Ben Alffeck... Talvez uma das contratações mais rechaçadas pelos fãs devido a sua pífia atuação no filme solo do "Demolidor". Aqui, Affleck apresenta evolução, mas não é o retrato verdadeiro do Batman. Michael Keaton nos filmes de Tim Burton apresentava um charme único que combinava com o personagem, enquanto Christian Bale apelava para a carga emocional. Ben Affleck não apresenta nenhuma característica em sua atuação que mereça ser destacada. Apesar de não ser uma atuação ruim, esperava-se mais. Afinal, estamos falando do Batman, um dos personagens mais importantes da história dos quadrinhos. Mas, com certeza, o ponto mais exagerado do longa é Jesse Eisenberg como Lex Luthor. O ator apresenta uma espécie de Mark Zuckerberg misturado com o Coringa de Heath Ledger. Trata-se de um desenvolvimento extremamente caricato e superficial, pautado em maneirismos e clichês de um vilão megalomaníaco.

Um ponto que estragou muito a experiência cinematográfica foi a divulgação em demasia da história. Os dois trailers principais fazem um resumo perfeito do filme inteiro. Mas, a função do trailer não é ser um resumo, mas sim um fator que instigue o espectador a assistir ao filme. Pontos de virada da história foram mostrados no trailer e estragaram totalmente a surpresa na sala de cinema. Provavelmente, os executivos da Warner não acompanharam o processo de divulgação do novo "Star Wars" ou até mesmo do já citado "Deadpool". A trilha sonora do filme é defeituosa, emitindo melodias dissonantes extremamente desnecessárias. Percebe-se a falta de um tema musical grandioso capaz de ser a altura da trilha do filme de 78 do Superman. A trilha de Hans Zimmer só funciona quando a música já presente no primeiro filme retorna. Não é um tema brilhante, mas cumpre seu papel. Por incrível que pareça, o bom "O Homem de Aço" é infinitivamente mais completo que seu sucessor, mesmo se tratando de uma história de origem. O encontro dos dois heróis mais importantes do mundo é marcado por roteiro furado, direção cansativa e elementos cinematográficos que colocarão "Batman vs Superman" em esquecimento.

Nota 


- Demolidor

sexta-feira, 11 de março de 2016

Crítica de "A Bruxa"

Filmes de terror são extremamente controversos. É muito difícil analisar uma película do gênero como mediana: é 8 ou 80, muito bom ou ridiculamente deplorável. Infelizmente, o cinema americano ultimamente tem apostado em continuações de franquias do gênero, sem experimentações com a linguagem e até mesmo sem desenvolvimento de narrativa coeso. E é por isso que o gênero passou a ser um pouco subjugado pela crítica e pelo público em geral, passando a ser identificado como filme de tipo B. Mas, como todo gênero pode ter sua volta por cima, o terror contemporâneo apresenta vértices que ainda dão esperança para um futuro melhor. Um grande exemplo é o filme "Invocação do Mal" que consegue construir a tensão de forma excelente e prende a atenção do espectador. E, em 2016, "A Bruxa" chega aos cinemas brasileiros com propostas simples, mas originais e extremamente bem encaixadas na história.

Do original "The Witch - A New-England Folktale", o filme acompanha uma família protestante na Nova Inglaterra de 1630 que é expulsa da colônia e se muda para uma fazenda isolada. Lá, eventos sobrenaturais de bruxaria e possessão tomam parte e poem em cheque o bem estar da família. O roteiro é uma das melhores partes do filme. Robert Eggers consegue produzir um texto extremamente cativante e bem construído. A relação entre os personagens é forte e as características individuais de cada um são transmitidas com clareza. Além disso, o roteirista aproveita muito do viés religioso, que era de suma importância na época, para atribuir aos acontecimentos passagens da Bíblia, como Adão e Eva e retratar o medo da população perante a ira de Deus. Outro fator muito bem utilizado foi o histórico, visto que na época, quem não era católico era considerado feiticeiro (herege). E o paralelo realizado é genial, pois uma família protestante sofre eventos de bruxaria. E o melhor de tudo: a história é baseada em contos feitos na época. Portanto, trata-se de um excelente retrato de época, pois demonstra a mentalidade extremamente religiosa da população. Mas, a qualidade vai além disso. A tensão cresce gradativamente de acordo com o andamento do longa e as cenas são realmente imprevisíveis. Personagens que pareciam, em um primeiro olhar, planos mostram-se esféricos e o longa toma caminhos alternativos que engrandecem a história. Um filme de terror que trate de bruxaria não é algo incomum, mas "A Bruxa" tem sua originalidade na forma de conduzir a história.

Porém, toda a tensão não existiria sem um bom trabalho técnico. O diretor Robert Eggers faz um trabalho extremamente digno, com uma câmera nervosa e que se movimenta lentamente, de forma paradoxal ao roteiro do longa. Trata-se de uma técnica muito bem utilizada, pois eleva a apreensão do espectador. Além disso, a trilha sonora merece destaque pelos temas ecléticos. É impressionante a quantidade de melodias diferentes existentes na metragem e como cada uma se relaciona bem com o momento do filme. O diretor consegue aliar seu trabalho manual com o trabalho sonoro (mixagem e edição de som) para maximizar a experiência cinematográfica. Sim, terror também é arte. Outro fator decisivo para a qualidade da obra é o design de produção e a paleta de cores. É visível como tudo no início é claro e bem ambientado, e como no decorrer da trama as cores vão perdendo vida e a escuridão vai prevalecendo. A iluminação usada reforça essa ideia, assim como os planos utilizados pelo diretor. Nota-se um simbolismo extremamente forte ao focar em um coelho ou em uma maçã, por exemplo.

Aliás, o simbolismo do filme também é um ponto forte, pois deixa coisas implícitas no roteiro. A história não é contada de forma "mastigadinha", existe um zelo em respeitar o público e acrescentar nas entrelinhas elementos que engradecem o longa. O uso de "jump-scares" é um dos maiores clichês do cinema de terror atual. Tratam-se daqueles famosos sustos que vêm do nada e são irrelevantes para a história. "A Bruxa" se destaca por não apresentar nenhum desses, reforçando a qualidade da produção. O medo que o espectador sente é construído desde a primeira cena, de acordo com os elementos cinematográficos usados nos momentos certos. E, esse configura-se o maior mérito do filme: ser assustador, mesmo sem dar sustos. Pode-se dizer que trata-se de um terror psicológico de primeira linha. Um ponto inusitado do longa é o elenco. Durante a sessão, o trabalho dos atores não é muito notado. E, aqui, isso faz sentido. Todos os atores apresentam um elevado nível de atuação, mas não existem disparidades entre eles. Parece que todos realmente encarnaram aquele universo e deram uma atuação muito equiparada. Evidentemente existem algumas cenas que reforçam a qualidade individual de cada um, mas o todo é o que prevalece. "A Bruxa" é um excelente retrato histórico que subverte o gênero de terror, apresentando experimentações com a linguagem cinematográfica que tornam o longa extremamente original (e assustador).

Nota: 

- Demolidor

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Crítica de "O Quarto de Jack"

Como seria a sensação de descobrir o mundo para alguém que somente o viu pela televisão? Alguém que passou toda a sua vida dentro de um quarto, sem contato com a vida exterior? O filme trata exatamente dessas descobertas da realidade na vida de um menino de 5 anos chamado Jack (Jacob Tremblay). Sua mãe Joy (Brie Larson), foi sequestrada com 17 anos e trancafiada num quarto, onde deu luz ao garoto. Ambos eram proibidos de sair do quarto e praticamente só conviviam com um ao outro. Mas, o que o filme tem que chamou tanto a atenção dos espectadores? Primeiramente, o tema central tem uma forte intertextualidade com o mito da caverna de Platão. Mas, sem entrar no viés filosófico, o filme apresenta uma releitura dessa história, mostrando como um menino que não conhece nada do mundo exterior fica maravilhado ao ver coisas simples do cotidiano. E isso serve como uma grande crítica a sociedade atual, visto que, muitas vezes, a cultura extremamente imediatista nos deixa enclausurados em nossos próprios mundinhos, e esquecemos de dar valor as coisas que realmente importam.

O roteiro é de Emma Donoghue, adaptado do livro da própria. É um roteiro muito consistente, apesar de apresentar ritmo lento em certos momentos. Além da intertextualidade evidente já citada, o longa também retoma clássicos da literatura para dialogarem com a ação. "O Conde de Monte Cristo" e "Alice no País das Maravilhas" possuem trechos citados durante o filme que fazem rimas extremamente bem orquestradas. Mas, o que realmente segura o filme, é o desenvolvimento dos personagens e, principalmente, da relação entre eles. O amor entre mãe e filho é muito verossímil, pois o texto consegue apresentar conversas extremamente íntimas, mesmo que não apelem para o clichê. Uma mera conversa ao acordar já é capaz de mostrar ao público a relação de simbiose entre Jack e Joy. E isso tudo só é possível devido aos dois grandes atores principais. Brie Larson está excelente em seu papel, demonstrando uma evolução durante o filme impressionante. Todos os conflitos dá personagem são extremamente bem resolvidos, assim como todas suas angústias e preocupações são bem expressas em tela. Trata-se de uma atuação muito visceral, talvez a melhor de sua carreira até o momento. Mas, o destaque do elenco é o ator mirim Jacob Tremblay. Com apenas 9 anos, Jacob apresenta muito potencial artístico. O menino consegue dar traços ao seu personagem e conduz o filme de uma forma extremamente tranquila, sem exageros em momento algum. Por ser o protagonista da história, muito recai sobre ele, porém a entrega do ator ao personagem é notável.

Sabe quando um diretor não é muito notado durante o filme? Quando ele deixa o egocentrismo de lado e se preocupa mais com a obra do que com a persona por trás dela? Lenny Abrahamson ("Frank") faz exatamente isso. Não é uma direção muito inventiva em relação a planos e enquadramentos, porém o diretor tem um olhar detalhista muito oportuno. As cenas filmadas no quarto, por exemplo, são extremamente bem ambientadas e dão uma sensação nítida de claustrofobia. Além disso, nessas cenas, a fotografia funciona bastante e, como o quarto é muito explorado, o design de produção em cena é extremamente minimalista. Isso contribui para a imersão no filme, pois o ambiente é extremamente crível. Claro, o filme explora muito o drama de sua história, porém este não é muito sensacionalista. A experiência de assistir "O Quarto de Jack" é agradável, principalmente pela mensagem por trás de toda aquela história. A trilha sonora funciona bastante nos momentos de virada do filme, conseguindo acrescentar emoção, tensão e alívio. É isso que uma trilha precisa fazer: servir ao diretor da melhor forma possível. Mesmo com músicas não muito marcantes, o resultado é satisfatório.

O filme é narrado por Jack em alguns momentos. É extremamente tocante ver como são as constatações do menino em relação a suas descobertas. Misturando elementos imaginários e reais, o retrato de Jack do mundo é profundo e extremamente palpável. E, além disso, o filme trata um assunto muito sério: o sequestro. Mesmo não sendo uma história real, sabe-se que essa situação realmente acontece no mundo inteiro. E o filme acerta ao fazer uma denúncia dessa realidade cruel sob o olhar de uma criança. "O Quarto de Jack" é extremamente metafórico e reflexivo, podendo ser considerado um contundente instrumento de denúncia da realidade e motor de transformação social.

Nota: 

- Demolidor

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Crítica de "A Garota Dinamarquesa"


          Filmes que retratam momentos passados são constantemente realizados pela indústria cinematográfica de Hollywood. Ainda mais quando se trata de acontecimentos relevantes para a sociedade atual. Lembrando muito a temática do ótimo "O Jogo da Imitação", "A Garota Dinamarquesa" chega aos cinemas brasileiros com uma história de identidade e descobertas. O filme acompanha a vida do pintor Einar (Eddie Redmayne), que descobre-se mulher e é o primeiro indivíduo a realizar a operação de transgênero. Durante todo esse processo, o pintor é acompanhado por sua esposa Gerda (Alicia Vikander).


Tal projeto ficou nas mãos de Tom Hooper, conhecido por dirigir o drama do rei gago "O Discurso do Rei" e pela adaptação em musical do fenômeno "Os Miseráveis". Aqui, como nas obras citadas, o diretor provê um excelente trabalho de ambientação. A aliança entre um design de produção bem feito e o uso de cenários condizentes reforçam a época em que o filme se passa. Dessa forma, pode-se considerar um bom retrato de época, mesmo que seja "glamourizado" demais. O grande problema do diretor é quando apresenta a câmera em mãos. Trata-se de uma direção muito estática, cuja câmera não flui de acordo com a movimentação dos atores em cena. Ao realizar um trabalho tão competente de ambientação, a obrigação do diretor era passear por aquele cenário, provocando uma espécie de imersão. Porém, aqui, a câmera é extremamente fria e distante, o que prejudica demais a qualidade do filme. Ao final, tem-se a impressão de que estamos assistindo uma novela da Globo, principalmente pela comodidade de Hooper.

O roteiro é de Lucinda Coxon, adaptado do livro de David Ebershoff. É um ponto muito oscilante, pois não consegue apresentar um tom único durante toda a metragem. O desenvolvimento do protagonista até que é bem feito, seus momentos de descoberta são extremamente íntimos, porém a relação entre Einar e Gerda é um pouco superficial. Isso se deve muito ao superestimado Eddie Redmayne que apresenta uma atuação, no mínimo, decepcionante. O ator realizou um ótimo trabalho em "A Teoria de Tudo", mas no filme atual Redmayne apresenta um trabalho extremamente forçado. O excesso de maneirismos e trejeitos do ator prejudicam demais a veracidade da obra, visto que o apego com a história é cada vez menor. Além disso, o roteiro é extremamente monótono em alguns pontos e não dá a relevância necessária a outros. Porém, a única coisa que salva a roteirista, é a apresentação de ideias importantes, como a homofobia e o machismo. Mas, mesmo assim, nas mãos de roteiristas mais experientes, esses temas seriam muito mais alardados e impactantes.

A trilha sonora é melosa demais e extremamente repetitiva. Ela é introduzida em momentos inoportunos e não acrescenta nada em relação a arte do filme. A única coisa realmente boa é a atuação de Alicia Vinkader. Ela consegue ofuscar todos ao seu redor, apresentando um trabalho extremamente maduro e confiante. A grande decepção está no potencial da história e a forma gritante de piora, tanto na direção quanto na atuação de Redmayne. Podemos fazer uma analogia do filme com o recente "Carol", por exemplo. Contudo, a direção de Todd Haynes é infinitamente superior, a dupla de atrizes não apresenta falhas e, mesmo não fazendo criticas importantes, o roteiro consegue ser agradável. "A Garota Dinamarquesa" é um filme lento, desinteressante, com uma série de problemas relacionados a cinematografia, roteiro e elenco. Um assunto tão importante merecia uma obra com maior qualidade artística.

Nota: 

- Demolidor