domingo, 24 de abril de 2016

Crítica de "Truman"

A morte. Tema difícil de ser encarado. Normalmente levanta pensamentos negativos e pessimistas em relação ao ato de morrer. Mas, a arte como arte, precisa ser o "motor" de transformação da realidade. Afinal, uma obra de arte também tem o papel de abordar aspectos inerentes a existência humana, mesmo que seja um assunto um tanto quanto delicado para certas pessoas. Mas, o cinema, sendo essa grande expressão artística que é, sempre buscou abordar as questões referentes ao óbito. Como esquecer da obra prima de Bergman "O Sétimo Selo"? Recentemente muitos filmes vêm falando sobre isso. Vale destacar os ótimos "Antes de Partir" e "A Última Viagem a Vegas". Não são filmes que tratam da morte em si, mas sim das despedidas decorrentes desse fenômeno. E é justamente essa a proposta do espanhol/argentino "Truman": a despedida.

A história não é muito sofisticada; trata-se de uma visita de Tomás (Javier Cámara) ao seu amigo Julián (Ricardo Darin). Este apresenta uma doença em sua fase terminal e essa jornada de 4 dias dos dois amigos pode ser a última de suas vidas. Note como o nome do título ainda não foi citado. Isso se deve ao fato de que Truman é o nome do cachorro de Julián. O roteiro consegue dar um foco narrativo de suma importância ao animal, visto que ele é responsável por movimentar a trama principal. É muito inteligente a forma como o roteiro complementa o "arco" do cachorro Truman, correlacionando-o com a própria amizade entre os protagonistas. Aliás, tal roteiro escrito por Tomàs Aragay e Cesc Gay, tem grandes méritos em relação aos diálogos. As falas são simples, contudo pressupõem uma parceria de longa data. Isso confere ao longa uma dramaticidade e um apego aos personagens essenciais para o desenrolar da história, mesmo não caindo no clichê dos exageros. Muitos diretores usariam do "melodrama" para emocionar o público, porém Cesc Gay opta por tratar o assunto com leveza. Afinal, a morte não precisa ser um tabu: é apenas uma fase da vida pela qual todos passam algum dia.

Essa cumplicidade entre os dois protagonistas é potencializada através do excelente trabalho da dupla principal. Ricardo Darin já virou sinônimo de qualidade ("Relatos Selvagens", "O Segredo de seus Olhos", "O Filho da Noiva", "Um Conto Chinês", etc.). O ator confere ao seu personagem um peso enorme, através de expressões faciais e gestos corporais muito viscerais. Existe um apego ao seu personagem, pois o espectador se reconhece naquela persona. Todavia, Javier Cámara não fica para trás. O ator, assim como seu parceiro de tela, exprime muito bem o sentimentalismo do momento, mas, acima de tudo, consegue retratar, de forma brilhante, o incômodo que algumas situações podem gerar. O elenco de apoio também está muito bem, conduzindo o filme de forma bem dinâmica. O diretor, mesmo contando com um roteiro tão forte, consegue, tecnicamente, contar com belas experimentações. Cesc preza muito bela beleza urbana de Madri (principal cenário do filme), através de uma movimentação limitada da câmera e pela exaltação dos detalhes da arquitetura europeia. As cenas em que a dupla de protagonistas passeiam pela rua imprimem uma beleza visual impressionante. Além disso, a trilha sonora contribui para uma imersão naquele ponto de vista do diretor. A pena é que a música não é muito presente na metragem e sua falta é sentida.

A fotografia do longa é sensacional e cumpre com um papel importante do filme: ditar o seu tom. Se no inicio nos vemos em um ambiente gélido do Canadá, com o decorrer do tempo, as cores vão se animando, mesmo com a situação adversa. Isso, além de demonstrar uma evolução da narrativa em si, apresenta uma visão positiva do diretor sobre a vida. Os diálogos intimistas e que inspiram amizade servem de plano de fundo para uma mensagem principal: a vida de Julián valeu a pena. Com seus erros e acertos, amizades e inimizades, o personagem vê que aquilo tudo foi necessário - e belo. Ao final de sua vida, ele aceita seu destino fatídico e demonstra maturidade para aproveitar seus derradeiros momentos. É uma visão extremamente tocante e até certo ponto ousada. Ao mesmo tempo que o filme não é uma ode a morte, também não a considera algo macabro. O diretor entende que a morte faz parte da vida e, através de um roteiro extremamente bem escrito e atuações excepcionais, provê uma película extremamente bem realizada quanto ao seu tema.

Nota: 

- Demolidor

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