quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Crítica de "Era Uma Vez em... Hollywood"

O filme acabou. E eu não tinha a mínima ideia do que eu tinha achado dele. Depois de dias pensando sobre, cheguei a uma conclusão pouco comum no cinema atual: "Era uma Vez em... Hollywood" é um filme que não se encerra com o apagar das luzes da telona. Isso traz uma carga muito grande ao cinema contemporâneo por mostrar que, infelizmente, esse tipo de obra não é corriqueiro. O predomínio dos grandes estúdios, com grandes orçamentos tendem a produzir filmes em massa que investem muito mais no fator "diversão" do que no fator "reflexão". Por isso que a presença de alguns idealizadores do cinema moderno é muito importante a nível "macro", a fim de despertar nas pessoas o interesse pelo cinema enquanto arte - para além do entretenimento. Martin Scorsese, Stanley Kubrick, Alfred Hitchcock, Quentin Tarantino foram/são gênios que conseguiram misturar sucesso entre o público e películas profundas e que tratam sobre temas nada superficiais. Dito isso, chegamos aqui ao nono filme da incrível carreira do roteirista/diretor Quentin Tarantino. Dono de um estilo próprio e instituidor de clássicos , tais como "Cães de Aluguel", "Pulp Fiction" e "Bastados Inglórios" - filmes marcados por diálogos verborrágicos e violência escatológica como parte do estilo -, Tarantino chega aqui com o seu longa mais autorreferencial e mais sóbrio. "Era Uma Vez em... Hollywood" é um retrato do final dos anos 60 em Hollywood, na época considerada de ouro do cinema estadunidense. O roteiro acompanha o ator Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), que é completamente inseguro e precisa se adaptar às mudanças da indústria, juntamente com seu dublê/melhor amigo (Cliff Booth). Por outro lado, também acompanhamos um pouco do cotidiano da atriz Sharon Tate (Margot Robbie).

O roteiro de Tarantino busca, diferentemente do que ele mesmo costuma fazer, construir uma atmosfera onírica. Isto é: o filme não se pauta na troca incessante de diálogos entre os personagens, mas sim na apresentação de uma realidade bem definida no tempo e no espaço. Através dos planos longos em que o diretor mostra os diferentes pontos da cidade de Los Angeles e da mescla com os cartazes e programas de televisão da época, Tarantino parece nos querer transportar para um momento histórico do cinema pelo qual ele nutre um carinho profundo. Por isso, "Era Uma Vez em... Hollywood" é muito mais um filme sobre o cotidiano do que sobre uma história que parte de um ponto A para chegar a um ponto B. Para a proposta ser bem sucedida, no entanto, o roteirista apostou em um desenvolvimento deveras profundo dos personagens, que deixam as 2 horas e 40 minutos de metragem inteiramente leves. Rick Dalton é um ator que vive da fama do passado e se mostra inseguro a todo o momento (principalmente depois de ter uma conversa séria com um empresário interpretado pelo brilhante Al Pacino). Somente nesse personagem já conseguimos extrair temas profundos e que dizem muito sobre o estágio atual da carreira do próprio Tarantino, tais como carisma, adaptabilidade e renovação. Grande parte dos anseios do personagem parecem, de fato, transparecer uma opinião genuína do diretor. É como se ele estivesse dizendo: "Será que eu ainda sou protagonista na indústria?". E a resposta é sim. Toda essa reflexão é potencializada pela incrível atuação do sempre excelente Leonardo DiCaprio, que usa de todos os artifícios, tanto físicos quanto emocionais, para transmitir uma imagem completamente sincera de seu personagem e que resulta em alívios cômicos bem pontuados em determinados momentos do filme.

Cliff Booth, por sua vez, é um personagem ambíguo, que dá ao espectador uma falsa noção do que está acontecendo. Explico: apesar de Brad Pitt prover uma atuação completamente carismática, existem alguns acontecimentos passados da vida de Cliff que o colocam nessa linha tênue entre herói e anti-herói. E, para completar o trio principal, está Sharon Tate - a única que realmente existiu na vida real. Aqui, Margot Robbie aposta em uma atuação extremamente angelical e parece ser uma clara homenagem à atriz, que foi brutalmente assassinada ao final daquele ano. Nesse sentido, o tom fabuloso que a obra traz até mesmo no título é personificado na personagem de Margot à medida que ela representa o ideal desse cinema romântico que o diretor parece querer homenagear a todo o tempo. Aliás, o filme é recheado de referências a todo tipo de filme, já que ele trata da própria indústria. Mesmo assim, tais inserções não são vazias: elas têm um sentido de existir e engrandecem a experiência cinematográfica. Um bom exemplo dessas referências está na semelhança de propostas entre "Era Uma Vez em... Hollywood' e o clássico "Era Uma Vez no Oeste" de Sergio Leone. As duas obras apostam em um tom mais contemplativo durante a metragem, investindo no desenvolvimento profundo dos protagonistas e na ambientação perfeita. Não é à toa que o título do filme faça referência a esse grande western italiano. No quesito de direção, a câmera é hábil no sentido de minimizar os cortes: todas as sequências possuem o número de tomadas certo, de forma a proporcionar uma imersão maior. Tal estratégia se ancora na qualidade dos atores que, quando solicitados, desenvolvem muito bem os diálogos propostos pelo roteiro.

Por fim, "Era Uma Vez em.. Hollywood" é uma experiência incomum, que aposta no talento do seu elenco para nos conduzir em uma jornada contemplativa e autorreferencial. É um filme que incita a discussão por, justamente, apresentar camadas diferenciadas em seu roteiro. Escreverei agora uma interpretação pessoal (com spoilers). Toda a construção atmosférica do filme dá a ele um tom fabuloso e de idealização. É como se Tarantino nos estivesse mostrando a visão dele sobre uma época muito rica no cinema, onde tudo parece ser  perfeito. A personagem de Sharon Tate, portanto, parece desempenhar o papel de representar todo esse ideal. Uma atriz talentosa, simpática e querida - símbolo da nostalgia do diretor. Nesse sentido, a cena final na casa de Rick apresenta-se como uma revolta de Tarantino em relação à "morte da inocência". Já que o assassinato de Sharon Tate não ocorre no filme devido à presença de Rick e Cliff na casa ao lado, Tarantino realiz seu revisionismo histórico de modo a preservar uma época que parece ser tão especial a ele. A "não-morte" de Sharon Tate representaria uma espécie de respiro a uma época romântica e idealizada, o que corrobora, no final das contas, a proposta apresentada durante toda a metragem. "Era Uma Vez em... Hollywood" pode não ser o filme mais memorável de Tarantino, mas com certeza é um dos mais reflexivos. O cinema respira.

Nota: 

- João Hippert

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