quinta-feira, 2 de março de 2017

Crítica de "Logan"

Os X-Men formam, provavelmente, a franquia de heróis mais importante do cinema. No longínquo ano de 2000, quando filmes baseados em HQ não eram tão recorrentes, um sujeito chamado Bryan Singer resolveu dirigir um filme dos mutantes. Mesmo que a qualidade possa ser debatida, foi esse o filme que iniciou toda uma nova era em Hollywood. Naquele momento o mundo conhecia o Wolverine de Hugh Jackman, que desde então, participou de inúmeros filmes da franquia X-Men, assim como 2 filmes solo do mutante que é "o melhor no que faz". Eis que "Logan" é anunciado: o último filme de Jackman como Wolverine. Apesar do impacto ter sido grande, este veio com uma certeza dose de desconfiança, haja visto os fiscos anteriores "X-Men Origens: Wolverine" e "Wolverine Imortal".

A campanha do filme, contudo, conseguiu passar uma imagem extremamente positiva da produção. A divulgação de fotos em preto e branco, o trailer com música do Johnny Cash, piadas pontuais em relação ao próprio universo dos quadrinhos e a violência explícita deram ao filme um tom totalmente diferente do que já foi feito no cinema. Vale ressaltar que essa liberdade criativa só foi possível devido ao sucesso de "Deadpool", que provou que um filme de herói não precisa ser, necessariamente, infantil. Tomando isso como partida, chegamos ao impressionante "Logan". Em um futuro próximo, a raça de mutantes está praticamente eliminada. Logan (Hugh Jackman) trabalha como chofer na cidade de El Paso, onde cuida do poderoso Professor Charles Xavier (Patrick Stewart). O anonimato de Wolverine é colocado em cheque quando a jovem mutante Laura (Dafne Keen) surge em seu caminho e precisa de sua ajuda.

A cena inicial do filme chega para definir seu tom. Logan está deitado no seu carro, acorda, solta um palavrão e parte para a violência. Mas não se engane. Se pegarmos qualquer filme já feito com o mutante, o sangue das pessoas nunca é perceptível. Aqui acontece o contrário, já que todos os oponentes de Logan são mostrados com ferimentos profundos e muito sangue, lembrando muito como é feito nos quadrinhos. O próprio protagonista é mostrado inúmeras vezes repleto de cortes profundos e cicatrizes, algo jamais visto no cinema antes. A história criada por James Mangold, e roteirizada por ele, Scott Frank e Michael Green, apresenta um tom circular. O espectador, apesar de contar com alguns momentos de pura perplexidade, consegue perceber uma linearidade no roteiro. Além disso, o ritmo do filme não é frenético; ele toma seu tempo para desenvolver seus personagens e apresentar o ambiente em que a história se insere. O longa se passa em um ambiente sem vida, extremamente hostil e a fotografia ajuda a aumentar a sensação de incerteza do espectador.

O sentimento de tensão é, provavelmente, o que mais aparece no filme. Como o roteiro se preocupa muito em detalhar as situações, a apreensão é potencializada. Há um senso de urgência e desconfiança que paira sobre o filme inteiro, deixando o público inquieto durante toda a metragem. Outro fator extremamente positivo do roteiro é a construção do arco de seu protagonista. Pode se dizer que configura-se como algo impecável, em que nenhuma alteração se faz necessária. Logan é apresentado como um ser cansado de sofrer perdas na vida, ao mesmo que tempo que é desacreditado no futuro da raça mutante. Mesmo que os diálogos do personagem ajudam a clarear essa situação, é importante destacar a atuação de Hugh Jackman. Totalmente introspectivo, contido quando necessário, assim como explosivo nas horas oportunas, Jackman provê a melhor atuação possível. O retrato maduro do personagem combina com o ator e o peso da idade é representado com maestria. Existe sempre a sensação de que Logan não está bem hora alguma, e essa representação torna-o extremamente humano, mesmo que não seja. É interessante também perceber as várias facetas apresentadas, já que Logan não é nada idealizado. Nem todas as suas ações são louváveis, e esse balanço dá ao longa um tom extremamente verossímil.

A direção de James Mangold ("Johnny & June") reúne todos os aspectos bons da metragem. Ele tem a calma necessária para dirigir uma boa cena de diálogo, ao mesmo tempo que apresenta o frenesi necessário a uma cena de ação impactante. Sua câmera muito limpa consegue imergir o espectador de tal forma, que as mais de 2 horas passadas não pareçam mais de 10 minutos. Mangold demonstra que um filme de herói não precisa ser 100% ação, provendo um filme que sabe valorizar as partes tocantes de um drama bem feito. A trilha sonora melancólica também é extremamente condizente com o tom proposto, combinando-se com os demais elementos cinematográficos em uma harmonia perfeita. O elenco de apoio também está primoroso. Stewart interpreta o Professor X de uma forma totalmente diferente do que já fez, construindo um personagem multifacetado. Aliás, todos os personagens possuem crenças e angústias díspares, fazendo com que sejam repletos de camadas a serem analisadas.

"Logan", por fim, é um filme que incita muitas discussões acerca de temas universais, tais como moral, perda e lealdade. A história linear serve como plano de fundo para um profundo desenvolvimento das relações interpessoais entre os personagens. Trata-se de algo completamente diferente do que todo mundo já viu e isso é importante para renovar o gênero de herói. É possível que bons dramas dotados de crise existencial configurem-se como excelentes filmes do gênero. A FOX acerta mais uma vez, ao realizar um filme completamente condizente com a essência do personagem, em uma despedida digna de Hugh Jackman ao personagem. O roteiro introspectivo, a direção limpa e apreensiva, as atuações viscerais e emocionantes tornam "Logan" um dos melhores filmes de super-herói já feitos.

Nota: 

-João Hippert

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