Primeiramente, é notório o ambiente angustiante do filme. A direção calma, ao início.sem movimentos aparentes, e a câmera focada nas expressões faciais dos atores permitem uma completa imersão no ambiente mostrado. Aliado a isso, está o roteiro deveras redondo, que consegue conter diversas camadas dignas de discussão. Ora, quando McAvoy exibe uma personalidade infantil, o espectador sabe que é um momento de alívio e até mesmo de conseguir algumas vantagens. Quando o personagem torna-se uma mulher, o sentimento mais frequente é a dúvida e o receio quanto às ambições da personagem. E não há como negar o medo assaltante que a faceta maligna impõe. O roteiro consegue, de forma prática, caracterizar as diferentes personalidades, de modo que sejam de fácil reconhecimento.
Um ponto negativo do roteiro é a falta de aprofundamento no desenvolvimento das meninas. Apesar de Casey (interpretada pela excelente Anya Taylor-Joy) apresentar um passado sombrio que vai sendo mostrado aos poucos, tal fato apenas serve para corroborar uma decisão do roteirista em relação ao clímax. Além disso, o texto se contradiz ao final da metragem, quando Shyamalan deixa um pouco o universo coeso criado para investir em algo mais sobrenatural. Apesar disto não ser algo totalmente estranho na filmografia do diretor, percebe-se uma discrepância em relação ao resto do longa que dá ao final um peso menor. O ponto alto do filme é James McAvoy e suas múltiplas personalidades. O roteiro tem o talento de relatar como é o cotidiano de uma pessoa com o transtorno, seja através de diálogos expositivos (que nunca tornam-se maçantes), seja pelo uso da câmera subjetiva. Aliás, a câmera de Shyamalan é extremamente inventiva e dinâmica, tornando o ritmo do filme ideal. Nesse quesito, o diretor lembra muito Hitchcock em sua boa fase, conseguindo aliar uma boa ambientação e fluidez cinematográfica a um roteiro instigante.
Se em 2016, o suspense confinado "Rua Cloverfield, 10" nos presenteou com a excelente atuação de John Goodman, aqui McAvoy rouba a cena. O ator demonstra uma flexibilidade imensa, ao transitar de opostos de personalidade em questão de segundos. É visível o esforço, até mesmo físico, do ator na realização de um excelente trabalho, provavelmente o melhor de sua carreira. Contudo, é importante avisar que "Fragmentado" não é um filme fácil de ser digerido. São 2 horas de pura tensão e incerteza, com cenas repugnantes, muitas vezes. Um fato interessante é a última cena do longa, que parece criar um "multiverso" dos filmes do diretor. Shyamalan apresenta um filme redondo, com traços "hitchockianos" de suspense, atuação primorosa de McAvoy e ritmo extremamente bem conduzido, que tornam "Fragmentado" um excelente retrato de múltiplas personalidades e da ignorância do homem em relação ao seu potencial cerebral.
Nota:
- João Hippert
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