sexta-feira, 3 de março de 2017

Crítica de "Moonlight: Sob a Luz do Luar"

"Moonlight" talvez seja o filme comentado do momento. A grande surpresa independente que conseguir tirar o Oscar de melhor filme da mão de "La La Land" (literalmente). Mesmo antes de assistir ao filme, há de reconhecer-se a importância de sua vitória. Depois da polêmica de que a Academia é branca demais, "Moonlight" chega com força para demonstrar que negros também merecem destaque no cinema. O fato do filme ter ganhado o principal prêmio da noite atraiu holofotes à produção, aumentando até mesmo sua exibição em salas brasileiras. Obrigado Oscar! Mas vamos aos fatos. "Moonlight" acompanha Chiron, em três fases de sua vida: a infância (Alex R. Hibbert), a adolescência (Ashton Sanders) e a fase adulta (Trevante Rhodes). O menino mora em Miami com sua mãe drogada Paula (Naomie Harris), em um ambiente extremamente impróprio para seu desenvolvimento tanto intelectual quanto moral e é ajudado pelo traficante Juan (Mahershala Ali, vencedor do Oscar).

É aí que começa a primeira crítica social. Ao colocar em Juan a responsabilidade de educar o menino, sendo o exemplo que ele não tem em casa, o filme dá um alerta acerca das condições do lar de Chiron. Em que universo possível a educação de um criminoso prescindiria a criação de uma mãe? A crítica é tão sutil, que o espectador mais desavisado não percebe. Trata-se de um estudo de como uma relação familiar quebrada pode ser desbancada por qualquer outro tipo de relação. O roteiro tem a inteligência de humanizar Juan ao extremo, dando a ele o papel que mais inspira empatia do público. A relação construída entre eles é extremamente palpável, principalmente devido aos diálogos entre os personagens, principalmente aqueles em que o traficante aconselha Chiron a ser quem ele quer ser, independente do que os outros pensam. E é aí que entra a temática principal do filme: a homossexualidade. Chiron, ao longo do longa, sempre demonstra incerteza em relação ao que é. Basta lembrarmos da cena em que pergunta para Juan ("Eu sou gay?"). E Juan em uma resposta brilhante ("Você não precisa saber agora.).

O filme trata justamente da descoberta de Chiron, da sua busca por uma identidade que o defina. Ele se vê deslocado dos demais colegas, sofrendo xingamentos e espancamentos diários. O roteiro de Barry Jenkins tem a calma necessária para apresentar os fatos cotidianos de sua vida e mostra como o protagonista lida com cada situação. Chiron é um menino extremamente contido, sem apoio em casa, que se vê perdido durante a maior parte do tempo. Parece sempre que está fugindo de sua própria identidade e metáforas visuais como a dele correndo de outros meninos ressaltam essa ideia. O roteiro faz uma ode às diferenças, mostrando que cada ser humano é único e livre para ser o que desejar, mesmo que isso signifique transpor padrões sociais vigentes. Nesse quesito, a jornada de Chiron remete ao filme "O Segredo de Brokeback Mountain" e, até mesmo, "Boyhood". Apesar de suas inúmeras qualidades, "Moonlight" apresenta alguns problemas. Percebe-se a falta de peso nas consequências de determinados acontecimentos para a construção de Chiron em si. Se a genialidade de Jenkins está na crítica social e no representação de uma jornada por autoconhecimento, o roteiro linear apresenta algumas lacunas sentidas. Mesmo que o desenvolvimento introspectivo do protagonista seja primoroso, falta energia na construção da história, fazendo com que boa parte do filme tem uma monotonia desnecessária. Se por um lado ela pode agradar para potencializar o tom intimista da metragem, em certos momentos ela parece simplesmente forçada. De todo modo, a mensagem principal da obra não é afetada por deslizes momentâneos.

O elenco está sensacional. Os 3 atores que interpretam Chiron realizam trabalhos excelentes, além de parecerem muito entre si. Mahershala Ali segura muito bem as cenas em que é requisitado, passando uma segurança e um carisma necessários. Naomie Harris é o destaque do elenco, principalmente por interpretar a personagem mais complicada, haja visto os descontroles psicológicos frequentes da mãe. Apesar disso, Naomie apresenta uma serenidade no olhar que dá uma sensação de amor, apesar de tudo. Percebe-se como ela está possuída pelo vício e como em alguns lampejos de lucidez, ela é somente uma mãe que ama seu filho, como outra qualquer. Vale ressaltar também a excelente direção de Barry Jenkins. Além de dirigir seus atores de forma deveras consciente, Jenkins demonstra uma fluidez com a câmera na mão que dá uma familiaridade necessária ao longa. Note como na cena em que Juan e Chiron estão no mar a câmera parece estar flutuando, acompanhando o movimento das ondas. Esse tipo de direção aumenta a imersão do espectador no longa, fazendo com que a câmera pareça mais uma testemunha da história. Aliás, é importante lembrarmos que partes da história foram tiradas da vida do próprio diretor e de amigos dele. Não é difícil imaginar tal panorama: é uma realidade muito crível, até mesmo no Brasil. "Moonlight" tem a coragem necessária de desenvolver a descoberta da homossexualidade no subúrbio norte-americano, servindo como pretexto para uma magnífica jornada de autoconhecimento e crítica social.

Nota: 

- João Hippert

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