sábado, 19 de janeiro de 2019

Crítica de "Vidro"

M. Night Shyamalan é uma das personalidades mais controversas do mundo do cinema. Responsável por excelentes obras como "O Sexto Sentido", o diretor passou por um momento artístico conturbado quando parecia querer se adaptar a um mercado estabelecido. A partir daí, Shyamalan ficou refém de uma fórmula batida em Hollywood e passou a ser estigmatizado como "o caro dos plot-twists". Contudo, em 2015, o diretor realizou a grata surpresa "Fragmentado": um filme cheio de energia, bem filmado e com atuações incríveis, principalmente do protagonista James McAvoy. Porém, o que pegou todo mundo de surpresa, de fato, foi o final do longa, quando descobrimos que trata-se de uma continuação do filme "Corpo Fechado", de 2000, que é outra boa realização do diretor. Eis que chegamos em 2019 com "Vidro": um filme que tem a pretensão de finalizar a "trilogia dos super-heróis" de Shyamalan. Aqui temos David Dunn (Bruce Willis), Kevin (James McAvoy) e Elijah Price (Samuel L. Jackson) sendo retidos num hospital psiquiátrico comandado pela Dra. Ellie Staple (Sarah Paulson) que tenta os convencer de um transtorno psicológico que os fazem acreditar terem poderes especiais. Entretanto, como é a marca do diretor, a trama toma rumos inesperados durante a metragem, trazendo tensão e agilidade ao longa.

O roteiro, escrito por M. Night Shyamalan, tem grandes méritos. Primeiramente, é válido ressaltar a qualidade do longa enquanto encerramento de trilogia. Vê-se que, realmente, "Vidro" foi um projeto pensado juntamente com "Fragmentado", o que deixa as bases para o roteiro muito mais sólidas. Shyamalan, desde o início, se preocupa com a mensagem que quer passar com o longa, portanto sabe onde deve chegar no final. Nesse sentido, "Vidro" é muito sobre a discussão acerca do que é ser um herói, qual impacto isso teria na sociedade atual, o poder das mídias e do exemplo, assim como enxergar no sobrenatural uma espécie de esperança. Tudo isso é desenvolvido por meio de um texto com camadas e reviravoltas embasadas: Shyamalan utiliza aqui de um recurso clássico de sua filmografia - ele dá todas as pistas possíveis, mas ainda sim o espectador não mata a charada antes da hora. Tal trabalho engrandece a experiência cinematográfica e torna o ritmo extremamente gostoso: a duração do longa não pesa em nenhum momento, já que estamos embarcados na história. Isso também deve ao excelente desenvolvimento dos personagens, que carregam a história consigo. David Dunn exprime a figura de um herói cansado, que acredita estar fazendo o bem, mas muitas vezes busca um sentido maior nisso tudo. David sofre de um transtorno de identidade que o faz ter inúmeras personalidades, deixando-o numa eterna luta interna que é estimulada pelo ambiente externo. E Elijah Price é simplesmente o melhor personagem do longa: cínico, divertido, mas com um propósito bem claro. Talvez o grande problema em relação aos personagens, seja a Dra. Ellie Staple que diminui a qualidade do filme como um tudo. Apesar de Sarah Paulson ser um atriz excepcional, aqui vemos um texto raso, motivações confusas, que não conseguem tirar a personagem da superficialidade. Como ela é um ponto de equilíbrio do filme, essa falta de desenvolvimento prejudica o andamento da história, dando espaços para diversas convenções de roteiro.

Por outro lado, a direção de M. Night Shyamalan é um ponto difícil de ser criticado, principalmente, por sua inventividade com a câmera. Em nenhum momento o diretor usa do plano mais óbvio, o que deixa a composição visual das cenas muito mais interessante. Shyamalan utiliza muito do recurso da câmera subjetiva para trazer o espectador para a pele do personagem, o que funciona muito bem. Além disso, a movimentação fluida da câmera e a escolha por planos simétricos em grande parte das cenas dão ao filme uma limpeza visual que dialoga com o propósito do filme. "Vidro" é sobre homens com capacidades incríveis, mas que estão limitados a um mundo cotidiano. Por isso, a paleta de cores também é de cor fria, e busca se ater a uma verossimilhança desejada. Outra qualidade de Shyamalan, é a própria direção de atores, já que eles entregam uma enormidade variação de emoções e, até mesmo, personalidades. James McAvoy retorna ao papel de forma excelente, conseguindo fazer uma construção de personagem louvável, tendo em vista que cada personalidade de Kevin é facilmente reconhecível pelos trejeitos do ator, pelo tom de voz diferente, pelo olhar, pela postura. McAvoy exibe uma imensa curva dramática e uma impressionante capacidade de transição, assim como já havia feito em "Fragmentado". Samuel L. Jackson também brilha na encarnação do cinismo de um gênio maligno, e seu carisma dispensa comentários. Bruce Willis está bem como Bruce Willis, mas não se destaca. Ademais, vale ressaltar a eficiência da trilha sonora, que possui notas dissonantes e esporádicas que auxiliam na tensão que o filme propõe.

"Vidro", por fim, é um final digno para uma trilogia bastante coesa. Em meio a tantos filmes de super-heróis baseados em lutas contra o mal ou contra vilões megalomaníacos, "Vidro" mostra que um filme de super-herói também pode trazer discussões psicológicas, sociais e políticas importantes, além de mostrar que uma história desse tipo não precisa ser linear nem previsível. É interessante perceber o carinho de M. Night Shyamalan tem como esse universo e como representa a sua concepção acerca desse novo gênero tão aclamado. Desse modo, percebemos que o diretor, quando tem controle da sua própria criatividade, é capaz de prover películas muito bem realizadas. "Vidro" se destaca pelas atuações excepcionais, pela câmera inventiva de M. Night Shyamalan e por reviravoltas embasadas, tornando-se um final digno para a trilogia.

Nota: 

- João Hippert

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