Nesse sentido, o roteiro de Waititi em parceria com Christine Leunens brilha ao desenvolver a sátira na sua medida. Relembrando um pouco o humor utilizado por Mel Brooks em obras como "Primavera para Hitler", por exemplo, o filme apresenta de maneira muito acessível aquele universo. Tudo em "Jojo Rabbit" é praticamente colocado de uma forma infantil, nada é muito explicado. Assim, o apego com o protagonista é quase que imediato. Ainda que saibamos tudo o que o seu discurso nazista representa, também entendemos que trata-se de uma criança envolta em um ambiente de completa doutrinação ideológica. Jojo não teria como ser de outro jeito: ele é fruto do berço nazista onde nasceu. Para ele, o fato dos judeus serem tratados como monstros, capetas e afins é natural. Como uma criança de 10 anos poderia refutar isso, já que, inclusive, chega a aprender isso na escola? O primeiro acerto do longa é justamente esse: colocar o público imerso na realidade de Jojo de maneira leve, mas com um sub-texto fortíssimo, principalmente no que tange a crítica ao discurso nazista como um todo. E o segundo acerto é a introdução da menina judia na história. O contraponto existente entre Jojo e a menina é essencial para o desenvolvimento do protagonista e para o nascimento de um sentimento empático nele. A presença da menina, por ser tão natural, mostra para Jojo que os judeus talvez não sejam esses monstros. E o público identificar isso na jornada de um menino já faz valer o ingresso. O roteiro toma o seu tempo preciso para abordar as diversas questões concernentes ao discurso nazista. Mas, como já dito, nada é óbvio: todas as sutilezas estão imersas em um contexto puramente infantil. E, por falar nisso, a atuação de Roman Griffin Davis merece destaque: o garoto tem muito carisma. Ele consegue dizer muito através dos olhares, das reações: nada aqui soa forçado. Além disso, o menino tem um timing cômico muito oportuno, que, sob o comando da direção de Waititi, engrandece muito a experiência cinematográfica.
Desse modo, o filme é muito bem dirigido. É interessante notar como a câmera foca em determinados detalhes de modo a realizar rimas visuais oportunas. A visão dos sapatos da mãe, a figura do coelho, o ato de amarrar os sapatos. Tudo isso é mostrado de maneira aparentemente inocente na metragem, mas tais símbolos são essenciais para a construção de determinados arcos e para a mensagem do filme em si. Assim como o roteiro bem elaborado - tanto na premissa quanto nos diálogos - a direção também é sempre inventiva, dando ao filme uma capacidade de apreciação muito positiva. Ora, todo o design de produção, figurino e fotografia conversam muito: tudo é bem colorido e límpido. Diferentemente de outros filmes situados na Segunda Guerra que apelam para uma coloração mais escura e frívola, "Jojo Rabbit" aposta num tom jovial. Isso remete, mais uma vez, ao interesse em tratar a história sob uma perspectiva infantil. Ainda que Jojo seja influenciado pelo ideal nazista, ele também tem seus anseios de qualquer outra criança. A diferença está justamente nas suas descobertas e no que ele decide fazer com elas. Essa parte do filme me lembrou bastante "O Menino do Pijama Listrado": filmes baseados em diálogos para criar empatia entre os personagens. E, falando também sobre simpatia, deve-se enaltecer a personagem de Scarlet Johansson. 2019 foi realmente o ano da atriz. Aqui, ela desenvolve uma mãe super carinhosa, despojada e divertida que, aos poucos, vai demonstrando sua personalidade ao público. A grande sacada por trás da personagem está no fato de que descobrimos suas percepções acerca do nazismo através de Jojo. Nada é exposto gratuitamente. Dessa forma, o conflito interno da personagem se mostra deveras complexo: ela precisa demonstrar apoiar o nazismo para o próprio filho de 10 anos a fim de garantir a segurança de ambos. E a forma como Scarlett leva isso impressiona pela naturalidade demonstrada. Um atuação doce, amável, mas ao mesmo tempo resignada e forte.
Por fim, também devo ressaltar acertos de Taika quanto aos alívios cômicos. Além dos diálogos em si, o filme consegue criar momentos divertidos através da introdução de músicas de grandes artistas (Beatles, David Bowie) trazuidas para o alemão, além de tomadas em câmera lenta oportunas. "Jojo Rabbit" é importante para mostrar que certos assuntos não precisam ser tratados somente de maneira séria: o humor - quando bem construído - também é capaz de suscitar muitas reflexões. Talvez o único aspecto que tenha me incomodado no filme seja o seu ritmo um tanto quanto problemático. A transição entre o humor e o drama podem ter afetado na fluidez narrativa do longa, que aparenta ser maior do que realmente é. Mas, mesmo assim, é uma obra criativa que merece reconhecimento. "Jojo Rabbit" consegue trazer um olhar diferente à temática. Ao conceber uma comédia essencialmente infantil, Taika Waititi brilha no desenvolvimento de seus personagens, ao mesmo tempo que faz críticas necessárias, trabalhando, da melhor maneira possível, o potencial de uma ótima sátira histórica.
Nota:
- João Hippert
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