sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Crítica de "Jojo Rabbit"

E se não precisássemos falar sobre a Segunda Guerra Mundial de maneira trágica e dramática? Se, ao invés disso, embarcássemos em uma sátira genuinamente infantil, mas que, em nenhum momento, deixa sua mensagem de lado? São essas experimentações com a linguagem cinematográfica que deixam a sétima arte tão bonita. Seria muito enfadonho e desapontante se apenas tivéssemos super produções que tratassem das grandes batalhas. Claro, elas são importantíssimas, tanto a título de conhecimento, quanto a título de entretenimento. Mas o cinema não deveria se limitar somente a isso. Às vezes é preciso que a arte saia de seu lugar comum. E "Jojo Rabbit" tem isso como seu grande atributo: tratar um tema tabu de forma leve, mas não menos impactante. O grande responsável por esse projeto é Taika Waititi - diretor do excelente "O Que Fazemos nas Sombras?" e do divertido "Thor: Ragnarok". Aqui, Waititi parece demonstrar, de vez, a sua grande capacidade criativa e sua habilidade em contar histórias completamente fora da curva. "O Que Fazemos nas Sombras?", por exemplo, aborda uma família de vampiros vivendo na Nova Zelândia atual, em um estilo documentarista. Já em "Jojo Rabbit", Waititi acompanha a história do menino Jojo (Roman Griffin Davis) - um garoto de 10 anos completamente fascinado pelo nazismo e por Hitler que, inclusive, é seu amigo imaginário (sendo interpretado pelo próprio diretor Taika Waititi). O conflito surge quando o menino descobre que a mãe - interpretada por Scarlett Johansson - esconde uma menina judia no seu porão, fazendo com que um filme aparentemente bobo traga muitas discussões à tona.

Nesse sentido, o roteiro de Waititi em parceria com Christine Leunens brilha ao desenvolver a sátira na sua medida. Relembrando um pouco o humor utilizado por Mel Brooks em obras como "Primavera para Hitler", por exemplo, o filme apresenta de maneira muito acessível aquele universo. Tudo em "Jojo Rabbit" é praticamente colocado de uma forma infantil, nada é muito explicado. Assim, o apego com o protagonista é quase que imediato. Ainda que saibamos tudo o que o seu discurso nazista representa, também entendemos que trata-se de uma criança envolta em um ambiente de completa doutrinação ideológica. Jojo não teria como ser de outro jeito: ele é fruto do berço nazista onde nasceu. Para ele, o fato dos judeus serem tratados como monstros, capetas e afins é natural. Como uma criança de 10 anos poderia refutar isso, já que, inclusive, chega a aprender isso na escola? O primeiro acerto do longa é justamente esse: colocar o público imerso na realidade de Jojo de maneira leve, mas com um sub-texto fortíssimo, principalmente no que tange a crítica ao discurso nazista como um todo. E o segundo acerto é a introdução da menina judia na história. O contraponto existente entre Jojo e a menina é essencial para o desenvolvimento do protagonista e para o nascimento de um sentimento empático nele. A presença da menina, por ser tão natural, mostra para Jojo que os judeus talvez não sejam esses monstros. E o público identificar isso na jornada de um menino já faz valer o ingresso. O roteiro toma o seu tempo preciso para abordar as diversas questões concernentes ao discurso nazista. Mas, como já dito, nada é óbvio: todas as sutilezas estão imersas em um contexto puramente infantil. E, por falar nisso, a atuação de Roman Griffin Davis merece destaque: o garoto tem muito carisma. Ele consegue dizer muito através dos olhares, das reações: nada aqui soa forçado. Além disso, o menino tem um timing cômico muito oportuno, que, sob o comando da direção de Waititi, engrandece muito a experiência cinematográfica.

Desse modo, o filme é muito bem dirigido. É interessante notar como a câmera foca em determinados detalhes de modo a realizar rimas visuais oportunas. A visão dos sapatos da mãe, a figura do coelho, o ato de amarrar os sapatos. Tudo isso é mostrado de maneira aparentemente inocente na metragem, mas tais símbolos são essenciais para a construção de determinados arcos e para a mensagem do filme em si. Assim como o roteiro bem elaborado - tanto na premissa quanto nos diálogos - a direção também é sempre inventiva, dando ao filme uma capacidade de apreciação muito positiva. Ora, todo o design de produção, figurino e fotografia conversam muito: tudo é bem colorido e límpido. Diferentemente de outros filmes situados na Segunda Guerra que apelam para uma coloração mais escura e frívola, "Jojo Rabbit" aposta num tom jovial. Isso remete, mais uma vez, ao interesse em tratar a história sob uma perspectiva infantil. Ainda que Jojo seja influenciado pelo ideal nazista, ele também tem seus anseios de qualquer outra criança. A diferença está justamente nas suas descobertas e no que ele decide fazer com elas. Essa parte do filme me lembrou bastante "O Menino do Pijama Listrado": filmes baseados em diálogos para criar empatia entre os personagens. E, falando também sobre simpatia, deve-se enaltecer a personagem de Scarlet Johansson. 2019 foi realmente o ano da atriz. Aqui, ela desenvolve uma mãe super carinhosa, despojada e divertida que, aos poucos, vai demonstrando sua personalidade ao público. A grande sacada por trás da personagem está no fato de que descobrimos suas percepções acerca do nazismo através de Jojo. Nada é exposto gratuitamente. Dessa forma, o conflito interno da personagem se mostra deveras complexo: ela precisa demonstrar apoiar o nazismo para o próprio filho de 10 anos a fim de garantir a segurança de ambos. E a forma como Scarlett leva isso impressiona pela naturalidade demonstrada. Um atuação doce, amável, mas ao mesmo tempo resignada e forte.

Por fim, também devo ressaltar acertos de Taika quanto aos alívios cômicos. Além dos diálogos em si, o filme consegue criar momentos divertidos através da introdução de músicas de grandes artistas (Beatles, David Bowie) trazuidas para o alemão, além de tomadas em câmera lenta oportunas. "Jojo Rabbit" é importante para mostrar que certos assuntos não precisam ser tratados somente de maneira séria: o humor - quando bem construído - também é capaz de suscitar muitas reflexões. Talvez o único aspecto que tenha me incomodado no filme seja o seu ritmo um tanto quanto problemático. A transição entre o humor e o drama podem ter afetado na fluidez narrativa do longa, que aparenta ser maior do que realmente é. Mas, mesmo assim, é uma obra criativa que merece reconhecimento. "Jojo Rabbit" consegue trazer um olhar diferente à temática. Ao conceber uma comédia essencialmente infantil, Taika Waititi brilha no desenvolvimento de seus personagens, ao mesmo tempo que faz críticas necessárias, trabalhando, da melhor maneira possível, o potencial de uma ótima sátira histórica.

Nota: 

- João Hippert

Nenhum comentário:

Postar um comentário