À medida que o roteiro desenvolve as situações e os conflitos conseguimos entender melhor o personagem. Desse modo, a história se desenvolve de maneira frenética desde o início, sendo as situações casuísticas responsáveis pelo desenvolvimento de um personagem quebrado. Howard não parece ter certeza de nada: do casamento, do leilão, da joia em questão. E, assim, o filme nos convida a uma jornada tensa na vida de uma pessoa repleta de incertezas e totalmente mal resolvida com suas escolhas. Isso nos traz angústia, tensão e ansiedade, pois, apesar de Howard não parecer a melhor pessoa do mundo, o apego do público é inevitável. E é aí que chegamos na parte de enaltecer a excelente atuação de Adam Sandler. É impressionante a habilidade com que o ator carrega o filme nas costas. Toda a preocupação e a urgência são muito perceptíveis nos olhares do ator, no seu jeito de caminhar, no modo de atender o telefone. O ator também consegue trazer certos símbolos visuais para a construção do personagem muito oportunos. A presença constante do óculos, o uso de jóias no corpo, a presença de um aparelho no dente. Todas essas incorporações dão ao personagem um traço bem único, mas nada forçado. Sandler está completamente entregue ao papel e, desde o início, o público simplesmente esquece a persona por trás do ator. Em nenhum momento ele dá espaço para caricaturas ou alívios cômicos: a opção é sempre pela atenção. É uma pena que essa grande atuação não tenha sido reconhecido pela Academia, pois é, de fato, muito impressionante.
Como já dito, "Joias Brutas" é um filme que trata do cotidiano de um personagem teoricamente comum, mas exaltando a tensão e a urgência nas suas decisões. Assim, deve-se reconhecer o excelente trabalho de montagem que o filme realiza. A duração do longa é precisa, as transições são bem efetuadas e combinam muito com o trabalho de direção. A câmera dos irmãos Safdie também é um ponto alto da metragem: assim como o roteiro não se preocupa em respirar para apresentar os personagens, a câmera também não o faz. Tudo aqui é dinâmico: a movimentação dos atores, a movimentação da câmera, os cortes oportunos. Muitas vezes estamos situados dentro de um lugar específico, tal como a loja de Howard, por exemplo, mas nunca parecemos parados. A câmera faz questão de passear pelo cenário, o que, aliado a uma montagem ágil, potencializa o sentimento de urgência tão oportuno ao longa. Além disso, nas cenas que acompanhamos Howard na rua, por exemplo, a câmera brilha ao se tornar quase um personagem tentando acompanhar o protagonista. É como se estivéssemos tentando acompanhar o ritmo de alguém que tenha muita pressa. Desse modo, vale mais uma vez ressaltar a grande presença de Adam Sandler em tais cenas, demonstrando um comprometimento também com a fisicalidade e com os movimentos do personagem. Ainda falando da parte técnica, "Joias Brutas" conta com um trabalho de fotografia bem decente, que é mais visto nas cenas em um show noturno. Ali o filme tem uma de suas poucas pausas: ele foca em parte do show do The Weeknd e a câmera acompanha as diferentes partes da boate. Assim, o contraste entre o preto, o branco e o neon estabelecem quadros belíssimos, que demonstram um belo trabalho de fotografia.
Além disso, vale ressaltar a trilha sonora que acompanha a toada do filme, sendo bem encaixada nos momentos oportunos. Ademais, o elenco de apoio é bem eficiente: todos os coadjuvantes conseguem contracenar de maneira satisfatória com Adam Sandler. Talvez o destaque vá para a participação de Kevin Garnett, ex-jogador de basquete da NBA que interpreta ele mesmo no filme. Toda a trama em torno do atleta é deveras interessante e serve como pano de fundo para desenvolver um lado da personalidade do protagonista Howard. Aliás, o que torna o filme tão incomum é justamente sua proposta narrativa: não estamos acompanhando uma única história linear. Acompanhamos a vida de Howard que é composta por diversas tramas secundárias. Nesse ínterim, é válido notar como cada coisa influencia no comportamento de Howard e em sua evolução como personagem. Trata-se de uma escolha ousada por parte do roteiro, mas que parece acertada. O roteiro brilha na apresentação de um personagem quebrado, mas carismático. E todas as reviravoltas que o script promove são acertadas e bem pontuadas, o que auxilia na manutenção da atenção do espectador. Tratam-se de 2 horas e 15 minutos na frente de uma obra muito especial: ágil, complexa e instigante. "Joias Brutas" não parece se deter em um gênero específico, mas foca na tensão e na urgência para prover uma experiência arrebatadora, contando com uma incrível e absoluta atuação de Adam Sandler.
Nota:
- João Hippert
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