quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Crítica de "Carol"

2015 foi realmente o ano das mulheres no cinema! Tivemos a Imperatriz Furiosa comandando a ação do melhor do ano "Mad Max", Rey descobrindo a Força como ninguém havia feito antes na saga "Star Wars" e até mesmo o Brasil no excelente "Que Horas ela Volta?" apresentou uma personagem feminina cativante. "Carol" chega com a proposta de fechar o ano com chave de ouro contando a história de um amor entre duas mulheres: Carol e Therese, no início dos anos 50, nos EUA. O filme poderia trazer uma crítica contundente a sociedade machista da época e colocar peso histórico na obra, mas parece querer "não botar a mão no fogo" para um possível Oscar, pois apesar de tudo, é um romance belíssimo.

O roteiro é de Phyllis Nagy, adaptado do romance "The Price of Salt" de Patricia Highsmith. É um ponto que oscila muito. O primeiro ato do filme é muito promissor; a apresentação das personagens é muita boa, assim como o desenvolvimento de sua relação inicial. Porém, a partir da metade do filme, o longa perde um pouco o foco no amor entre as duas mulheres e corta o clima suave que inspirava. Existem muitas cenas que não deveriam estar lá, pois tiram a atenção do espectador da história principal e não acrescentam nada em termos de narrativa. Tratando-se de um filme de tamanho peso, num ano tão relevante para o papel da mulher no cinema, o roteiro, sem ousadia e coragem, não sai da mesmice de filme da Academia. A fórmula de sempre se repete: filme que mostra uma bonita história de amor, mas que não desenvolve bem os dramas das entrelinhas que poderiam elevar o longa a um importante estudo sociológico das relações interpessoais. Talvez a extrema frieza que o filme inspira seja o principal vértice dessa falta de humanismo; a relação não transcende para algo maior e mais relevante, apenas foca no desejo e na paixão inicial. Dessa forma, a veracidade dos fatos não é tão comprovada, visto que o real amor e companheirismo das personagens não são expressos. Além disso, o final deixa a desejar, por não apresentar a virada que poderia. O longa segue uma linha tênue e previsível, do início ao fim.

A direção é de Todd Haynes e é aí que o filme começa a ganhar seu valor. Se o roteiro era frio e distante, a direção é extremamente humana e acolhedora. No início do filme, somos apresentados ao cotidiano de cada uma das personagens. Através da exploração do espaço do cenário e na colocação das respectivas personagens em cantos da tela, o diretor demonstra que mesmo rodeadas de pessoas, elas não eram felizes. A partir do momento que elas se conhecem e vão se apaixonando lentamente, o diretor vai usando planos mais fechados que ajudam a perceber uma sintonia, o começo de uma cumplicidade. Além disso, a câmera vai cada vez mais se prendendo aos detalhes do cenário, do figurino e das atuações em si. Afinal, tal direção detalhista só foi perfeita devido a excelente dupla de atrizes. Cate Blanchett não precisa de mais elogios: vivendo um dos melhores momentos de sua carreira, Blanchett consegue transpor todos os sentimentos que a personagem inspira, ao mesmo tempo que consegue passar para a tela a agonia que sofre ao retrair tantos problemas relacionados a guarda da filha e a repressão que sofre devido a seu relacionamento homossexual. Normalmente quando a atriz protagoniza um filme desses, todas as demais são ofuscadas. Porém, Rooney Mara apresenta uma bela surpresa. A jovem atriz consegue segurar bem o tempo de tela ao lado de Blanchett, contribuindo para o engrandecimento das cenas em conjunto e garantindo sua segunda indicação ao Oscar. A pena é que o roteiro não está à altura das atrizes e isso, infelizmente, ofusca o potencial do filme como um todo.

Talvez o ponto mais forte da obra seja a trilha sonora de Carter Burwell. É simplesmente fantástica e condiz perfeitamente com o tom que a narrativa deveria tomar. Trata-se de uma trilha suave, sempre presente e que emociona devido a sua leveza lírica. O filme aborda questões relacionadas a sociedade machista da época, mas de forma muito sutil. É visível a força das personagens principais perante os homens presentes, porém devido ao momento histórico que o filme retrata, a relação entre elas não era, de modo algum, aceita. É só pegar o caso de Alan Turing em "O Jogo da Imitação": ele foi morto por ser acusado homossexual. Logicamente Carol e Therese sofrem tipos diferenciados de discriminação, mas não é tão claro como na obra citada. Essa falta de confiança em apresentar a repressão que elas sofreram de verdade faz com que sua luta não seja tão admirada. É muito bonito ver as personagens seguindo em frente com um amor visto como "fora dos padrões", mas do jeito que o filme apresenta, não parece uma coisa tão incomum assim. Se não fosse pelo cenário, maquiagem e ambientação, pode-se dizer que o tempo do filme se assemelha muito com o tempo atual. "Carol", porém, não é um filme ruim. Trata-se apenas de uma pequena decepção, visto que tinha de tudo para realizar críticas contundentes e reflexivas. Com direção detalhista, atuações impecáveis e trilha sonora marcante, "Carol" é muito prejudicado por roteiro enfadonho e até certo ponto covarde, por não criticar padrões sociais repugnantes.

Nota: 

- Demolidor

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