A grande genialidade do roteiro é de ser um filme de crianças. Mas, mesmo assim, não é somente para crianças. Ao mesmo tempo que existem piadas literais, brincam com Liev Tolstoy. Todos os personagens do filme são crianças. Quando há a presença de um adulto, ele não é mostrado e sua fala é distorcida. Isso promove uma grande imersão no universo infantil que o filme promove, mesmo não sendo somente para um público dessa faixa etária.Todo o universo caricato já amado pelos fãs de Charlie Brown é transposto para a tela de uma forma extremamente natural e divertida. Durante toda a sessão tive a impressão de estar lendo uma grande tirinha de humor. Isso também só é possível pelo traço que o diretor deu ao longa. Fugindo do estereótipo das animações feitas tentando parecer ao máximo realistas, o filme de Charlie Brown utiliza um método não convencional que funciona muito de acordo com a proposta do filme. O traço caricato, a movimentação espalhafatosa, o uso de onomatopeias. Tudo isso remete muito aos quadrinhos e isso engrandece muito a qualidade da obra, pois mostra que as diferentes mídias de comunicação visual podem dialogar. Além disso, como a história é relativamente simples, o roteiro se preocupa muito em dar camadas aos personagens. Todos da turma de Charlie Brown tem seu papel no filme; não são apenas coadjuvantes descartáveis. Snoopy serve como o alívio cômico principal. A química entre o cão e seu dono funciona muito bem, mas quando o cachorro começa a escrever um livro próprio inventando uma aventura, o filme torna-se previsível. Essas cenas parecem ter sido feitas apenas para suprir uma necessidade de grandiosidade e aventura para a história, e isso prejudica o andamento do longa. Ora, com uma construção tão boa dos personagens, das situações, como uma animação que lida com o cotidiano de uma criança comum, não era necessário uma história paralela que não dialogasse com o propósito principal do filme.
A música é muito boa. Não existe uma trilha sonora instrumental marcante, mas músicas compostas que dialogam perfeitamente com a tonalidade do filme. Além disso, o visual da animação é belíssimo. O contraste entre as paisagens bem renderizadas e a caricatura nas feições dos personagens serve para demonstrar, novamente, a comunicação de duas mídias. Aliás, trata-se de um filme que consegue explorar muito bem a ideia de paradoxo. Contrastes são feitos o tempo inteiro, tanto em relação a movimentos da câmera, apresentação de personagens, alívios cômicos e visual. Tal construção promove uma quebra de expectativa interessante que gera humor. Mas, não é um humor para se gargalhar, trata-se apenas de sacadas boas em relação a história que dialogam com a realidade. Aliás, o desenvolvimento da paixão de Charlie Brown é muito bem feito. Combinando um personagem forte, uma apresentação caricata, músicas propícias e a inocência das crianças em relação a relacionamentos, o filme apresenta um clima extremamente "fofo", no mais profundo sentido da palavra. Trata-se de um roteiro suave que consegue ser misturado com uma direção competente, garantindo que a animação tenha uma ótima qualidade.
Pode-se dizer que o fato de Charlie Brown ser estabanado foi levado ao extremo, mas essa sempre foi a essência dos quadrinhos, e, aqui, essas características servem para o desenvolvimento do arco do protagonista. Aliás, em termos de estrutura narrativa, o filme é praticamente impecável, sabendo divertir, dar lições contundentes e provocar reflexões extremamente pessoais. É gratificante perceber que ainda existe tal tipo de animação no cinema "mainstream". Logicamente, a Disney e a Pixar se tornaram referências quanto a qualidade da animação, mas sempre com histórias fantasiosas e extrema qualidade gráfica. A Blue Sky acerta ao realizar um projeto que não se espelha em nenhum grande estúdio e, fugindo das formas padrão de animação, proporciona um filme divertido e reflexivo, capaz de entreter crianças, mas, principalmente, homenagear os fãs de Charles M. Schulz.
Nota:
- Demolidor
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