sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Crítica de "Guerra Fria"

A temporada de premiações, apesar de suscitar diversas críticas e ser mais política do que artística, também tem seus méritos por popularizar determinado tipo de filme que o público em geral não tem acesso. A categoria de filme estrangeiro no Oscar, por exemplo, normalmente contém as películas mais autorais e diferenciadas do ano, o que é ótimo para valorizar o trabalho de diferentes diretores ao redor do mundo. E quando a Academia tira o chapéu para um filme estrangeiro a ponto de indicá-lo também a outras 2 categorias (fotografia e direção), o filme merece atenção. "Guerra Fria" conta, basicamente, a história de um maestro e compositor polonês chamado Wiktor (Tomasz Kot), durante os anos 1950, nas suas indas e vindas pelo país com uma companhia de música folclórica, onde encontra o amor de sua vida: a extrovertida cantora Zula (Joanna Kulig). A partir daí somos apresentados à relação entre os dois: seus momentos de felicidade juntos, assim como as dificuldades que enfrentam. O roteiro de Pawel Pawlikovski e Janusz Glowacki é de uma destreza enorme por conseguir desenvolver temas profundos em praticamente 80 minutos de metragem. É como se o roteiro se preocupasse basicamente em situar os personagens em determinada época e ambiente, e deixasse o resto por conta dos atores. Em nenhum momento somos apresentados a alguma exposição do roteiro e ele não se preocupa em explicar, de maneira explícita, o porquê das situações. Assim, o texto é capaz de criar uma atmosfera vintage deveras interessante que corrobora o tema que o filme propõe: os amores perdidos.

 Além disso, podemos citar a validade histórica do longa como algo importante, já que conta um lado da história que raramente é transferido para as telonas devido ao predomínio da indústria cultural estadunidense. Aqui, somos apresentados a um ambiente que contém camponeses e proletários na parte comunista do planeta no auge do stalinismo. É interessante a ambientação que o filme propõe, principalmente no que diz respeito aos costumes e, é claro, às músicas. Aliás, a parte lírica do longa é excelente: além de funcionar com a estética do filme, a trilha sonora conversa com os acontecimentos retratados em vídeo, criando um senso de harmonia muito oportuno. Mesmo com esse acerto de abordagem histórica, "Guerra Fria" é um filme que fala, essencialmente, dos encontros e desencontros do amor, das suas chegadas e partidas, dos seus desejos e de seus medos. Partindo para uma abordagem bem mais crua do que melodramática,  "Guerra Fria" desenvolve a relação de Wiktor com Zula de forma tão arrebatadora que é impossível não acreditar naquela história. Como tudo na vida, as pessoas creem naquilo que é feito com sinceridade e a exposição das fraquezas dos protagonistas auxiliam nesse processo de identificação com o casal. E não se engane com o título do longa, afinal "Guerra Fria" pode significar apenas um momento histórico pelo qual os personagens passaram juntos, mas também pela própria relação deles em si. Ora, existe uma áurea em volta de Wiktor e Zula que inspira uma espécie de insegurança, como algo que estivesse prestes a explodir a qualquer momento. Isso demonstra o interessante trabalho do roteiro na construção dessa relação, assim como a química do casal.

Aliás, nesse sentido, a presença dos atores é crucial. Tomasz Kot entrega um homem bruto, reservado, cultíssimo, mas com muitos medos e receios, devido ao seu posicionamento político e a sua insegurança pessoal. Kot é capaz de desenvolver diversas facetas em um personagem que trafega na linha tênue entre o mocinho e o anti-herói, já que muitas das ações são controversas, e o personagem nunca parece mostrar seu verdadeiro lado. Joanna Kulig, por sua vez, apresenta uma das atuações mais encantadoras do ano, por, justamente, prover um carisma fora do comum à sua personagem. Se Wiktor se mostra um homem frágil e inseguro, Zula é o fiel retrato de uma mulher ousada e que sabe o que quer. Dessa forma, sua presença em cena é muito marcante, e extremamente preponderante para o sucesso do longa. A química entre os dois é favorecida, também, pelo excelente trabalho do diretor Pawel Pawlikovski ("Ida"). Aqui, temos o uso de uma câmera bem estática, que aproveita das ações e reações dos próprios atores. Além disso, o diretor em aliança com o diretor de fotografia, é capaz de prover quadros belíssimos, com um tom completamente contemplativo e agridoce. A fotografia em preto e branco serve para situar o filme historicamente - parece que estamos acompanhando um filme dos anos 1950 -, mas, assim como em "Roma", também tem um significado narrativo muito poderoso. Note que, mesmo sem cores, o filme parece ter um brilho próprio à medida que o amor entre Wiktor e Zula se desenvolve, e a escolha de Pawel em deixar o público tomar fôlego para absorver cada momento de contemplação é deveras acertada.

Outro grande acerto da metragem é sua duração. São 80 minutos muito bem montados, que remontam a um trabalho de direção meticuloso e um roteiro bem redondo. "Guerra Fria" é capaz de se fazer entender, assim como emocionar, em um curto espaço de tempo, já que, devido às diferentes facetas cinematográficas, se faz eficiente ao extremo. Trata-se de uma experiência deveras sensorial, já que estimula em demasia a visão. Porém, mesmo que tenha uma técnica apurada, o filme não se limita a isso à proporção que desenvolve sua própria história de amor. Aqui o amor não é perfeito, não é idealizado, não é dilacerador, mas é real. Um amor tão real que transcende tempo, espaço, situação política e que, mesmo com altos e baixos, sempre continua ali. Mesmo que adormecido, a presença do outro é sempre sentida e o filme parece querer demonstrar que um coração que um dia ama, jamais esquece. Assim, "Guerra Fria" é uma obra contemplativa, que desenvolve os encontros e desencontros de um amor real, por meio de uma cinematografia estonteante e uma direção absolutamente segura.

Nota: 

- João Hippert

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