quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Crítica de "Uma Aventura Lego 2"

Em 2014, chegava aos cinemas uma animação bem diferente do padrão do mercado: "Uma Aventura Lego". Em meio a criação de universos fantásticos como os da Dream Works ou das histórias que nos emocionam da Pixar, o filme parecia querer trazer à tona a memória de um brinquedo muito recorrente na vida de milhões de pessoas. Afinal, quem nunca brincou com as peças da Lego quando criança? Seguindo o parâmetro que a empresa já havia estabelecido no mercado dos videogames, "Lego Movie" surgiu como uma aventura despretensiosa, focada na diversão e entretenimento, contando com arcos simples dos protagonistas e muitos crossovers. Nesse sentido, é muito fácil lembrar da presença de um Batman totalmente incomum como coadjuvante e não foi de se assustar a produção de um filme solo do herói: "Lego Batman". Seguindo os mesmos conceitos de seu predecessor, o filme acertava em apostar na diversão escapista e na boa construção de personagens. Eis que chegamos em 2019 com a continuação direta de "Uma Aventura Lego", onde Emmet parte em uma aventura onde precisa provar sua maturidade para salvar seus amigos de uma espécie de apocalipse. Ao mesmo tempo, Lucy busca impedir seus amigos de uma lavagem cerebral promovida por uma princesa deveras duvidosa.

Tendo como referência "Toy Story 3", o roteiro de Christopher Miller e Phil Lord acerta na manutenção de tom do filme anterior. Mesmo que aqui sejamos apresentados a algumas questões mais complexas, o plano de fundo divertido ainda se sobressai. E, pensando no público alvo da película, que é claramente o infantil, "Uma Aventura Lego 2" parece bem seguro da mensagem que quer passar, tanto no conteúdo, quanto na forma. Mesmo que a primeira metade do longa se resuma a uma jornada do herói típica e construa um ambiente de tensão, também é possível perceber uma clara crítica à alienação do mundo pós-moderno, além da própria padronização dos gostos promovida pela ascensão da cultura de massas. Além disso, somos apresentados a um Emmet considerado "fraco" pela sociedade que o rodeia e que, inclusive, é considerado incapaz de ser líder, justamente, por essa sua incapacidade de ser "durão". Emmet, como descobrimos no primeiro filme, é um personagem doce, sensível e esperançoso e, para ele, tudo é realmente incrível. Assim, o filme flerta com a discussão acerca das pessoas sonhadoras de tempos sombrios e como é muito mais fácil se submeter ao caos de um ambiente inóspito. Dessa forma, acompanhamos a jornada de um personagem puro se transformando em um ser amargurado, e o fato disso ser visto de forma benéfica pela sociedade, diz muito sobre a mensagem que o filme quer passar. "Uma Aventura Lego 2" é sobre aceitar a essência do ser, independentemente do ambiente em que estiver inserido, e que mesmo que tudo conspire contra, é necessário sempre ser sincero, principalmente, consigo mesmo. O mais interessante do roteiro, nesse ínterim, é a abordagem que dá à mensagem, por meio de uma reviravolta no início do terceiro ato que engrandece, em muito, a qualidade da metragem.

Aliás, o filme realmente só entrega a sua força no terço final que é, de fato, empolgante, emocionante e inspirador. Contudo, a demora no estabelecimento desse conflito prejudicou o ritmo do longa que, apesar de divertido, torna-se cansativo em determinadas cenas. Pode-se dizer que o filme com 10 a 15 minutos a menos teria uma duração ideal, e o trabalho do montador poderia ser mais ágil para otimizar isso. A direção, de Mike Mitchell ("Shrek Para Sempre"), é assertiva ao saber integrar os diferentes arcos dramáticos da história, assim como em inserir pistas narrativas que serão recompensadas ao final. Apesar de ser prejudicada por essa falta de ritmo inicial, a direção também consegue ser eficiente nas cenas de ação e aproveita-se de um trabalho de animação muito bem realizado, capaz de prover a leveza visual necessária em aliança à identidade visual da Lego. O grande mérito dos animadores do filme é conseguir conciliar as cenas de animação com as do mundo real e fazer com que a movimentação, as construções e tudo relacionado às peças Lego tenham uma coerência com o universo criado. Além disso, vale destacar a presença da música na metragem que, além de importante tematicamente, também auxilia muito na composição das cenas e nos pontos de virada da narrativa.

No quesito referências, as piadas são certeiras e responsáveis por grande parte do humor do filme. O grande leque de opções que a Lego possui contribui para uma liberdade criativa bem grande e o uso de tais referências à Liga da Justiça, à Marvel, ao Gandalf em aliança com a metalinguagem dão a leveza necessária. Porém, o que realmente distancia essa continuação de "Uma Aventura Lego" é sua preocupação com a mensagem final, com caráter bem mais dramático. Mesmo que possa parecer piegas ou forçada em um mundo que não tem mais esperanças, tal mensagem, principalmente em um filme infantil, tem um poder muito grande. Aprendemos com Emmet que não precisamos mudar a nossa essência somente para agradar, nem mesmo às pessoas de que gostamos. Se temos pessoas que gostam da gente atualmente, é justamente por aquilo que nos identifica e nos define, e qualquer mudança forçada seria, com certeza, uma catástrofe. Mas, mesmo assim, descobrimos que a vida de Emmet é uma jornada de autoconhecimento e amadurecimento e, ao final da sessão, conseguimos perceber a sua mudança inconsciente como personagem, capaz de utilizar o que achava uma fraqueza pessoal para tornar sua maior fortaleza. "Uma Aventura Lego 2" nos leva de volta a um mundo aconchegante e divertido, focando em um roteiro composto por uma reviravolta bem criativa e por uma mensagem inspiradora.

Nota: 



- João Hippert

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