sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Crítica de "Minha Fama de Mau"

O mercado das cinebiografias está cada vez mais em alta nos dias atuais. Basta reconhecermos o sucesso do controverso "Bohemian Rapsody", que, no Brasil, foi apelidado de "filme do Queen", indicado ao Oscar em diversas categorias, além de ser um completo sucesso de bilheteria. Já no cinema nacional, podemos dizer que existe uma tendência recente das grandes produções retratarem a vida dos nossos artistas. "Tim Maia" e "Elis" são ótimos exemplos de cinebiografias nacionais de qualidade e genuinamente brasileiras. Era somente uma questão de tempo até que um dos movimentos musicais mais populares no nosso país ganhasse sua representação nas telonas. A Jovem Guarda, sob o comando de Erasmo Carlos, Roberto Carlos e Wanderléa foi um programa televisivo de grande audiência na década de 1960. Cantando músicas no estilo "iêiêiê", sem se importar com as críticas da juventude politizada da época, a Jovem Guarda obteve um alcance estrondoso, em todo o território nacional, levando seus protagonistas a um estrelato que perdura até hoje. Apostando em músicas que falavam de amor e romances, Roberto, Wanderléa e Erasmo foram alvo de duras críticas da cena musical da época, por ser considerada uma música alienante, dado o contexto de Ditadura Militar brasileira. Dito isso, "Minha Fama de Mau", baseado na autobiografia de Erasmo, acompanha a ascensão da Jovem Guarda sob o viés do garoto Erasmo - um tijucano sonhador, de muito carisma em busca da afirmação no cenário do rock brasileiro. Primeiramente, é perceptível que esse filme não vai agradar a todos, principalmente porque a própria Jovem Guarda tem seus críticos ferrenhos. Apostando em uma abordagem condizente com o iêiêiê do trio, "Minha Fama de Mau" retrata um Rio de Janeiro romântico, vintage e oportuno para o surgimento de amizades que impactariam todo o território nacional.

Com roteiro de L.G. Bayão, Lui Farias e Letícia Mey, "Minha Fama de Mau" tem como pilar a sua coragem em permanecer fiel a tudo o que a Jovem Guarda inspira. Criando um personagem extremamente carismático na figura de Erasmo, o roteiro consegue conduzir muito bem as duas horas de filme com uma naturalidade incrível. Alternando momentos de diversão e emoção, a história consegue ter um andamento com uma cadência desejável, tendo um ritmo agradável. Aliás, agradável é o adjetivo que melhor expressa a experiência cinematográfica que é "Minha Fama de Mau": sem se preocupar em desenvolver conflitos de drama profundo, como acontece nos já citados "Tim Maia" e "Elis", o filme aposta em um clima ameno para retratar seus protagonistas. Nesse sentido, o tom que o filme evoca parece comparar, com as devidas proporções, o trio da Jovem Guarda com os Beatles, devido ao estilo das músicas, a histeria das fãs e o sucesso estrondoso. Mesmo assim, conseguimos perceber, de forma nítida, através de gírias e costumes da época, um movimento essencialmente brasileiro, mesmo que possua, até certo ponto, um caráter "acrítico". Tangenciando esse tema por meio de entrevistas de Erasmo, "Minha Fama de Mau" é muito mais nostálgico do que revisionista, o que pode incomodar aqueles que não dissociam movimentos culturais com política. Porém, o trabalho proposto pelo filme é tão leve que diverte, emociona e nos transporta para um tempo passado, conseguindo, com clareza, transmitir as principais fases da carreira de Erasmo, com Roberto e Wanderléa ao fundo. Todo esse didatismo é proporcionado pela opção de um narrador-protagonista, e se não fosse o carisma de Chay Suede, a escolha seria fracassada. Porém, inserindo comentários engraçados e extremamente conectados com o linguajar da época, o narrador cria um vínculo bastante interessante com o público, tornando-se um recurso favorável ao storytelling.

Aliás, Chay Suede impressiona na interpretação de Erasmo Carlos, trazendo um carisma e uma presença de cena condizentes com a proposta do filme. Mesmo que ainda falta alcance dramático ao ator, Chay consegue carregar a metragem com uma facilidade surpreendente e, se o filme funciona como entretenimento, o ator tem muito mérito nesse sentido. Ao mesmo tempo, Gabriel Leone tem a difícil tarefa de dar vida a um dos maiores ídolos da música popular brasileira, que é até chamado de rei. O ator, entretanto, consegue interpretar Roberto de uma forma muito doce e charmosa, fazendo com que o espectador realmente mergulhe na juventude do cantor - e é impossível não sentir simpatia por Roberto no filme. Por último, temos um grande ponto negativo do longa que é a representação de Wanderléa. É difícil culpar a atriz Malu Rodrigues pela falta de carisma conferida à cantora, já que o roteiro não dá profundidade nenhuma à personagem. Aliás, existem até certos conflitos que parecem promissores e são relacionados à Wanderléa que são simplesmente esquecidos. Mas o que mais incomoda é a presença da atriz no palco, pois inspira uma verossimilhança muito baixa - o espectador é capaz de perceber que ela não está realmente cantando, o que prejudica a imersão necessária à história. Aliás, o longa tem uma quantidade excessiva de músicas, o que tem seu lado positivo e negativo. Por um lado, serve como parâmetro temporal para estabelecer os sucessos do trio, mas, por outro, quebra um pouco do ritmo da metragem, principalmente, pela longa duração dos números musiciais. Por exemplo, em certa cena temos um conflito tenso entre dois personagens e na cena seguinte já temos uma sequência musical completa. O público não tem muito tempo para processar os acontecimentos do filme e, talvez esse excesso de músicas tire o encanto das primeiras apresentações que acompanhamos. Desse modo, também se torna uma avaliação subjetiva, já que depende bastante do gosto musical de cada um e sua afinidade ao que foi apresentado pela Jovem Guarda.

A direção de Lui Farias é eficiente na condução do filme como um todo, já que "Minha Fama de Mau" tem seus arcos narrativos muito bem definidos e divididos. O diretor parece ter clareza acerca de onde quer chegar com a história, o que demonstra um domínio narrativo muito grande. Por outro lado, é clara a falta de técnica de Lui, já que existem erros básicos de movimentação de câmera claramente perceptíveis. É como se um corte não encaixasse no seguinte, o que promove um estranhamento em relação à continuidade do longa. Assim, o filme apresenta uma certa negligência com a montagem, que deixa esses pequenos erros passarem, o que diminui a qualidade técnica do filme. Aliás, "Minha Fama de Mau" é um daqueles típicos filmes que se sustentam pela história por trás e não pela realização cinematográfica em si. Mesmo que com roteiro seguro e protagonistas carismáticos, a qualidade de produção é prejudicada pela movimentação de câmera desconexa. Apesar disso, o filme consegue atingir seu objetivo inicial: prover um sentimento de nostalgia a quem vivem essa época ao mesmo tempo que serve de apresentação à geração mais jovem. Por isso, é impossível desmerecer "Minha Fama de Mau", também, pela sua importância cultural, tendo em vista que a Jovem Guarda, mesmo que controversa, impactou toda a nação. Apostando no tom romântico inerente à Jovem Guarda, "Minha Fama de Mau" é uma experiência agradável sobre um dos trios mais influentes da música popular brasileira.

Nota: 

- João Hippert

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