domingo, 24 de janeiro de 2016

Crítica de "Joy: O Nome do Sucesso"

Jennifer Lawrence é a queridinha do momento. A estrela da série "Jogos Vorazes" vem se consolidando cada vez mais no cinema mainstream norte-americano, até mesmo com indicações recorrentes ao Oscar. A maioria dessas indicações provem de trabalhos com o diretor David O. Russell. Parece que Russell encontrou um jeito próprio de fazer seus filmes, que dá certo em algumas ocasiões como em "O Lado Bom da Vida", mas não é tão certeiro em outros como o atual. O elenco sempre possui os mesmos atores de sempre: Bradley Cooper, Robert DeNiro, além da já citada "JLaw". O filme conta a história de Joy (Jennifer Lawrence), uma dona de casa fracassada que tem a ideia de um novo esfregão e corre atrás de vender sua invenção. Trata-se da típica história de superação que o americano tanto gosta, com alguém vindo do nada e, se tornando um sucesso. Mas, o traço de Russell é visível aqui;  o jeito que ele dá leveza a história, uma comicidade oportuna, além de personagens caricatos que, mesmo clichês, contribuem para a narrativa.

O roteiro (também escrito por Russell) apresenta altos e baixos. Se por um lado existe esse tom mais leve que o filme tenta demonstrar, as vezes o filme torna-se cansativo. A história toma tantas proporções inesperadas que o sofrimento da protagonista se repete demais. Sim, o desenvolvimento da personagem é bem feito, mas não existe uma camada tão profunda assim. A atriz até está bem no papel principal, porém não é uma atuação tão louvável. Jennifer Lawrence já apresentou trabalhos muito melhores do que esse. Talvez o grande problema seja o fato dela ser muita nova para tamanha interpretação. Ora, o filme dá a impressão de que Joy tem lá seus 40 anos, e não os 25 da atriz. O trabalho dela está longe de ser considerado fraco, mas existem algumas cenas que é visível seu esforço para apresentar uma maior maturidade. Lawrence é a melhor atriz jovem de Hollywood e seu potencial deveria ser mais bem explorado com filmes que condizem com sua feição. Provavelmente se Russell tivesse segurado o projeto por mais tempo, seria mais relevante. Mas, apesar disso, a história em si é muito interessante. Pode-se dizer que é clichê, mas muitas vezes a realidade realmente apresenta coisas desse jeito. A mensagem que o filme tenta passar é muito bonita: não devemos desistir de nossas convicções, além de apresentar uma bela inspiração em termos de empreendedorismo. Mas, "À Procura da Felicidade", por exemplo, já explorou tal tema de forma, até mesmo, superior.

A direção do filme é muito boa. Russell tem uma mão oportuna para diálogos familiares: a câmera flui muito bem dentro da casa e o diretor extrai ao máximo de seus atores. Robert DeNiro interpreta um personagem que serve como alívio cômico que serve muito bem à história. O destaque do elenco é Édgar Ramírez, que apresenta uma química muito boa com a protagonista. Aliás, as relações exploradas no filme são muito divertidas. O ambiente criado em torno da casa de Joy é de certa forma acolhedor, o que torna o espectador realmente interessado no rumo que a história vai tomar. Nesse quesito, em relação ao bom desenvolvimento da atmosfera do filme, lembra-se muito "O Lado bom da Vida". A grande diferença, porém, está na montagem. "Joy" apresenta cenas em demasia e ritmo lento em certos momentos, que prejudicam o filme como um todo. Apesar da luta da protagonista ser deveras impactante, o roteiro cai numa fórmula "hollywoodiana", tornando-se um filme previsível. Mas, mesmo previsível, o longa apresenta alguns momentos de tensão interessantes e o arco dramático da protagonista é bem resolvido. Pode-se dizer que "Joy" é um filme contrastante, pois apresenta bons elementos em todas as categorias cinematográficas (direção, elenco, roteiro, etc), mas em todas elas erros ocorrem. Talvez seja por isso que o filme não consegue cativar tanto o espectador, que na hora da sessão até se diverte, mas que esquecerá seu propósito depois de algum tempo. Surpreendentemente, David O. Russell apresenta um filme sem muita identidade e precisão, que apresenta elementos bons, mas execução vaga, apesar de apresentar o traço familiar do diretor.

A trilha sonora é boa, mas não é marcante e nem muito atuante. Aparece em alguns momentos oportunos, mas também falta em alguns. A presença de Bradley Cooper é totalmente desnecessária. Não pelo fato do ator trabalhar mal, mas sim porque seu personagem é completamente irrelevante para a história. Parece que a convocação de Cooper foi só para manter a tradição dele aparecer em todos filmes de Russell. O filme é bom, mas não apresentada nada de inovador e marcante que fique na cabeça do espectador. Trata-se de uma pequena decepção, pois David O. Russell, normalmente apresenta uma pegada mais original e instigante, capaz de emocionar e divertir. "Joy" é um filme divertido que apresenta uma história interessante, mas cai num padrão hollywoodiano e não apresenta nada que seja memorável.

Nota: 

- Demolidor

sábado, 23 de janeiro de 2016

Crítica de "Cinco Graças"

Um dos papéis essenciais da arte é o de retratar a sociedade. Um dos preceitos básicos do porquê da arte existir é demonstrar determinada realidade sob o ponto de vista de quem participa dela. O cinema, como arte, também tem esse papel. E é isso que o filme "Mustang" apresenta. Dirigido pela turca Deniz Gamze Ergüven, o filme retrata a história de cinco irmãs que vivem em um pequeno vilarejo onde são submetidas a ordens o tempo inteiro. Elas não tem o direito de escolha, liberdade, tampouco podem apresentar opinião própria. Dessa forma, o filme traz uma crítica contundente à sociedade machista do Oriente Médio. É visível como as meninas são castigadas por coisas consideradas normais por nós do Ocidente e como a sociedade turca tradicional subjuga a figura da mulher. Trata-se de uma obra que clama por liberdade de expressão, pelo direito de ir e vir das mulheres, pelo simples direito de poder escolher com quem casar. Dessa forma, o filme não pode ser analisado apenas com seus atributos cinematográficos. Trata-se de uma obra importante de denúncia a realidade e incentivadora de mudança de realidade.

O roteiro é escrito pela diretora em parceria com Alice Winocour. A dupla apresenta uma história cativante, mesmo sem muitos diálogos e em espaço limitado. O grande mérito do roteiro é a já citada crítica social importante. É visível como as meninas apresentam ideais de liberdade, amores próprios, mas são sempre reprimidas. As roteiristas conseguem inspirar um sentimento repugnante quanto ao tratamento que elas recebem e o espectador se vê torcendo para o sucesso das personagens principais. Aliás, o desenvolvimento das cinco irmãs é sensacional. As personagens individualmente não são muito exploradas, mas a relação entre elas é excelente. Parece que o filme tem o zelo de retratar elas como um grupo divergente e se preocupa em desenvolver a relação entre elas. É visível como os ideais que elas apresentam sobre como o mundo ao redor delas é opressor é apresentado de forma explícita. Além disso, a direção de Deniz é muito competente nesse cunho social. Existem muitos planos fechados que remetem a uma ideia de claustrofobia, além de muitas cenas com grades por todos os lados. Trata-se de um apelo visual muito grande, considerando a temática que o filme inspira que rima com as tomadas que lembram realmente uma prisão.

Mas, o mais interessante do filme, é a discussão que promove. Pode-se dizer que é um filme extremamente necessário para demonstrar que, em algumas sociedades do mundo, as mulheres ainda sofrem tratamentos patriarcais totalmente arcaicos. Isso promove uma indignação do público muito grande e o filme consegue relacionar bem todos aspectos, tanto culturais quanto religiosos, que promovem esse tipo de tratamento. A diretora consegue mostrar que mesmo sendo a cultura dela, trata-se de algo inimaginável. Através de roteiro e direção contundentes, Deniz prega por uma liberdade imprescindível. Quando fala-se sobre a situação das mulheres no Oriente, normalmente é uma informação muito superficial e nunca realmente pensamos naquela realidade. Mas, "Cinco Graças", com uma leveza e sutileza impressionantes, consegue denunciar tamanha opressão, apresentando bonitos ideais. As atuações mirins estão fantásticas, trata-se de um elenco muito forte. Ayberk Pekcan interpreta o tio autoritário que representa todo o poder dos homens naquela sociedade. Trata-se de uma atuação visceral que inspira muito desgosto quanto a seu personagem, o que resulta de um mérito do ator.

A trilha sonora é fantástica. Consegue combinar muito bem com o ritmo do filme, apresentando uma melodia suave e triste, condizentes com cada cena. Além disso, a montagem e a edição merecem destaque. O longa tem o número necessário de minutos para contar sua história; não existe nenhuma cena inútil para a proposta do roteiro. O estilo de Deniz é bem próprio; lembra muito o cinema europeu mais introspectivo e pessoal misturado com uma crítica social muito presente no cinema iraniano, por exemplo. Dessa forma, a diretora cria uma estilo próprio que acrescenta muito à obra, dando relevância tanto artisticamente, quanto como estudo antropológico. O filme foi indicado ao Oscar na categoria de filmes estrangeiros e é forte candidato. Num ano que tivemos "Carol", que apesar de bom, não apresenta nada contundente, "Cinco Graças" desfila sobre a tela do cinema como delicado, mas imponente, com relações bem desenvolvidas e um estudo social extremamente impactante.

Nota: 

- Demolidor

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Crítica de "Steve Jobs"

Steve Jobs. Um dos maiores gênios do século 20, criador da dominadora do mercado mundial dos computadores, a Apple. Como todo gênio, Jobs não era perfeito, possuía problemas emocionais, dificuldade de relacionamento com familiares, além de medo de ser rejeitado. E é isso que o faz tão grande: o fato de ser um homem "ordinário". Não no sentido ruim da palavra, mas por ser um cidadão comum como qualquer outro, com problemas e decepções, mas um pensamento empreendedor, sem precedentes. E é essa face de Jobs que o filme de Danny Boyle retrata. Diferente de "Jobs" protagonizado por Ashton Kutcher que apresentava Steve Jobs como inalcançável e tratava muito mais da sua genialidade do que na persona em si, "Steve Jobs" apresenta seu protagonista da forma mais humana possível. E essa é a grande homenagem que o filme poderia prestar, visto que o que é retratado é o homem por trás das invenções, a ideia de que sem ele, nada existiria. Não é preciso olhar para o resultado final de uma obra para avaliá-la, mas sim o que a inspirou e o porquê dela existir, de modo até mesmo sociológico. O grande mérito do filme é mostrar tudo isso: a razão de Jobs criar os computadores, além das características pessoais do homem e seus atos falhos que não o desmerecem, mas o engrandecem devido a sua face tão palpável.

Tal grandioso roteiro é escrito por Aaron Sorkin. Um dos melhores roteiristas de Hollywood, é responsável por "O Homem que Mudou o Jogo" e "A Rede Social". É evidente o traço de sua escrita no filme, visto que a estrutura narrativa se assemelha muito com a da história do criador do Facebook. Mas aqui, é ainda mais brilhante. O roteirista convencional teria contado a história de Jobs desde o começo, nos fundos de garagem com o sonho de um dia alcançar o sucesso. Mas, no início do filme, já somos apresentados a um Steve Jobs famoso, às vésperas de um lançamento importante. É notável como em tão pouco tempo o personagem já prende a atenção do público. Claro, é o Steve Jobs. Mas, o grande acerto aqui, é o fato do roteiro já começar num nível tão alto de desenvolvimento de personagem. Em vez de tentar seguir uma espécie de gráfico afim, o qual sobe linearmente, o roteiro já apresenta o protagonista no topo de tal gráfico. Dessa forma, as linhas emocionais de narrativa de Jobs que vão sendo apresentadas aos poucos somente engrandecem a perspicácia do começo do longa. Além disso, uma coisa surpreendente foi a apresentação de outros personagens. Mesmo Jobs sendo o foco da narrativa (como tinha de ser), os outros têm espaço para serem desenvolvidos e contribuem muito para o desenrolar da história como um todo. É notável como cada personagem tem um tipo de relação diferente com o protagonista e como isso é apresentado de forma natural. O roteiro mostra um homem falho moralmente, com problemas de identificação, com um temperamento difícil e extremamente arrogante, que nunca se vê errado sobre nada. Existe forma mais bonita de se homenagear um ícone? Ao conhecermos os pontos fracos de Jobs e a forma como ele ultrapassou esses obstáculos em busca de um sonho maior, seu legado engrandece. Claro, todos conhecem Steve Jobs. Mas, duvido muito, que conhecem dessa forma.

A direção é de Danny Boyle, diretor de "Trainspotting" e "Quem quer ser um Milionário?". Sua direção é extremamente eficaz. O diretor apresenta muitos cortes em seu material, mas tudo isso resulta numa total imersão no cenário, visto que existem diversas posições de câmera presentes no longa. De acordo com a movimentação dos atores em cena, o diretor faz cortes ágeis e direciona a ação para outras câmeras. Isso é um artifício muito bem utilizado por Boyle que enaltece a ambientação. Dessa forma, o espectador se vê preocupado com a história em si, e não se vê preocupado com possíveis problemas técnicos. O uso de cores feito pelo diretor também é valioso, pois dão a tonalidade necessária a cada cena. Com o auxílio da trilha sonora, existem momentos extremamente introspectivos que promovem uma auto-reflexão no espectador. Tratando-se de uma cinebiografia, o diretor não precisava de dilemas morais. Mas, por isso o filme se vangloria, por não apresentar, sob nenhum aspecto, elementos clichês de filmes baseados na história de alguém. Trata-se de um filme original, que parece se basear na história de um ícone, mas que tem uma importante mensagem por trás.  Tal realização é difícil de se ver, pois, normalmente, o fato real supera a arte. Porém, aqui, é diferente. O filme configura-se como uma importante obra cinematográfica, por ser tão original, ao mesmo tempo que respeita seu protagonista.

O elenco está simplesmente sensacional. Michael Fassbender foi uma escolha acertadíssima, pois apresenta uma evolução de acordo com o personagem que condiz extremamente com roteiro. Além dele, Seth Rogen merece destaque por um papel contundente e que não pesa para o lado do humor. Jeff Daniels também provê uma interpretação excelente, mas o destaque é Kate Winslet, que dá muitas camadas a uma personagem não tão importante para a história, a princípio, mas que aos poucos se torna crucial. O grande mérito do filme é aliar um roteiro brilhante com uma direção sólida, capaz de dirigir atores e dar uma boa continuidade a história. Tratando-se de uma cinebiografia do criador da Apple, o filme não poderia ser convencional. A inovação está na forma como o filme trata seu protagonista, mostrando que Jobs era um ser imperfeito. E, é isso, que o torna tão humano (e tão extraordinário).

Nota: 

- Demolidor

Crítica de "A Grande Aposta"

Adam McKay sendo reconhecido pela Academia e pelo Globo de Ouro? Sim, é o mesmo diretor responsável pelas duas comédias "O Âncora" e "Tudo por um Furo", que apesar de serem excelentes, não combinam com o prêmio Oscar. Mas, então, qual trabalho de tal diretor seria capaz de surpreender tanto? Trata-se de um filme que conta a história de alguns economistas e banqueiros que premeditaram a crise econômica de 2008 muito tempo antes de acontecer. Mas, sinceramente, esse trabalho de Adam McKay nos faz sentir falta da época de Ron Burgundy. Não pela escolha da história, que é até boa, mas pela forma que foi executada.

O roteiro escrito por McKay e Charles Randolph é adaptado do livro de Michael Lewis. O grande problema é a falta de identidade que inspira. O filme se perde muito ao não saber se estabelecer como uma comédia, um drama ou até mesmo um drama satírico. Dessa forma, o longa constantemente alterna seu tom e isso prejudica muito o desenvolvimento dos personagens. Aliás, o filme não apresenta nenhum personagem realmente palpável; todos são superficiais e desinteressantes. Isso se deve ao fato, principalmente, de que não existe foco em nenhuma subtrama da história, tudo é jogado na tela sem uma preparação prévia, o que provoca um grande problema de apego com os personagens. Esse problema só não é tão acentuado devido ao incrível trabalho dos atores. Christian Bale está (mais uma vez) excelente em seu papel, demonstrando versatilidade e uma paranoia obsessiva (Vale lembrar que o ator já interpretou um psicopata na mesma ambientação de Wall Street). Mas, o ator que segura realmente o filme é Steve Carell. Ele consegue tornar seu personagem um tanto quanto caricato, mas também passional, de forma que suas atitudes sejam sempre surpreendentes. Todo o tempo de tela dado ao ator é muito bem aproveitado e, sem sombra de dúvidas, é a parte mais interessante de todo o filme.

Mas, com o tempo, e toda a mudança de personagens, o filme torna-se extremamente confuso. O espectador já não consegue mais fazer um elo entre as ações e o roteiro torna-se extremamente vazio e entediante. Ora, a quantidade de termos de economia é imensa, e, mesmo fazendo tentativas humorizadas de explicá-los, simplesmente não funciona. E o grande problema disso tudo é que tamanha quantidade de termos no final não fez diferença alguma. A história teria se encaminhado muito bem sem tantas informações. Mesmo o filme não sendo tão grande em extensão (aproximadamente 2 horas), ele é, muitas vezes, monótono e lento. A direção de McKay tenta ser inventiva, mas é atrapalhada pelo roteiro falho. É visível a movimentação de câmera e a montagem que remetem muito a séries de comédia como "The Office", por exemplo. Se o filme se assumisse como uma comédia o tempo todo funcionaria perfeitamente, porém o fato de oscilar muito, prejudica esse tipo de direção, visto que não funciona dentro de padrões dramáticos. A decepção está no fato de que o começo do filme é muito promissor. Existe o recurso de "quebrar a quarta parede" que funciona muito bem, trazendo uma comédia extremamente irônica e funcional. Mas, depois de um tempo, esse recurso é simplesmente inexplorado e o filme realmente parece se "levar a sério". Ora, se fosse para ser um filme dramático sobre a crise econômica, Adam McKay certamente não seria a melhor escolha de direção.

Economia, comédia.. Lembra alguma coisa, certo? "O Lobo de Wall Street", que já é um clássico recente, demonstra como unir o mundo real com o mundo cinematográfico da comédia da melhor forma possível. E ainda mais: o filme funciona tanto como realização cinematográfica quanto como retrato fiel ao mundo da economia. O grande problema de "A Grande Aposta" é não se inspirar no modo como os fatos foram apresentados no filme de Scorsese. Logicamente existem alguns alívios cômicos certeiros no filme, muitos até contundentes quanto a situação social que a crise inspirou/inspira. E todo esse potencial cômico é tão mal explorado que decepciona. Uma história relevante como essa nas mãos de um grande realizador humorístico tinha tudo para dar certo. Mas, parece que (não sei se por opção do próprio diretor ou dos produtores) o filme optou por um caminho deveras mais fácil, longe da polêmica. Como resultado, temos um filme convencional e extremamente burocrático, com atuações desperdiçadas e a genialidade de um roteirista/diretor que não é aproveitada. O roteiro se desenvolve de forma massante, com informações desnecessariamente longas e inúteis para a história, tornando-se um filme apenas digno para praticantes da área de economia. Para o público cinéfilo, pode-se dizer que trata-se de (literalmente) um colapso.

Nota: 

- Demolidor


terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Crítica de "Snoopy & Charlie Brown: Peanuts, o Filme"

Essa não é uma animação convencional. Trata-se de uma simples história de um garotinho tentando conquistar o coração de uma nova colega de classe. O filme não tenta nem um pouco se tornar grandiloquente, apenas se preocupa em desenvolver a história da melhor maneira possível. Quem não conhece Charlie Brown e Snoopy? Criados pelo gênio Charles M. Schulz, os personagens já são clássicos das histórias em quadrinhos, principalmente em tirinhas de humor. Toda a inocência da criança, os dilemas são tão bem explorados, que muitas tirinhas servem como uma grande viagem ao seu eu interior. Adaptar uma obra tão importante dos quadrinhos para o cinema é uma tarefa deveras difícil. Como manter todas as reflexões que o material original oferece em uma nova mídia? A tarefa ficou nas mãos do diretor Steve Martino ("A Era do Gelo 4"), supervisado pelo estúdio Blue Sky e pela produtora Fox, roteirizado por Bryan Schulz, Craig Schulz e Cornelius Uliano.

A grande genialidade do roteiro é de ser um filme de crianças. Mas, mesmo assim, não é somente para crianças. Ao mesmo tempo que existem piadas literais, brincam com Liev Tolstoy. Todos os personagens do filme são crianças. Quando há a presença de um adulto, ele não é mostrado e sua fala é distorcida. Isso promove uma grande imersão no universo infantil que o filme promove, mesmo não sendo somente para um público dessa faixa etária.Todo o universo caricato já amado pelos fãs de Charlie Brown é transposto para a tela de uma forma extremamente natural e divertida. Durante toda a sessão tive a impressão de estar lendo uma grande tirinha de humor. Isso também só é possível pelo traço que o diretor deu ao longa. Fugindo do estereótipo das animações feitas tentando parecer ao máximo realistas, o filme de Charlie Brown utiliza um método não convencional que funciona muito de acordo com a proposta do filme. O traço caricato, a movimentação espalhafatosa, o uso de onomatopeias. Tudo isso remete muito aos quadrinhos e isso engrandece muito a qualidade da obra, pois mostra que as diferentes mídias de comunicação visual podem dialogar. Além disso, como a história é relativamente simples, o roteiro se preocupa muito em dar camadas aos personagens. Todos da turma de Charlie Brown tem seu papel no filme; não são apenas coadjuvantes descartáveis. Snoopy serve como o alívio cômico principal. A química entre o cão e seu dono funciona muito bem, mas quando o cachorro começa a escrever um livro próprio inventando uma aventura, o filme torna-se previsível. Essas cenas parecem ter sido feitas apenas para suprir uma necessidade de grandiosidade e aventura para a história, e isso prejudica o andamento do longa. Ora, com uma construção tão boa dos personagens, das situações, como uma animação que lida com o cotidiano de uma criança comum, não era necessário uma história paralela que não dialogasse com o propósito principal do filme.

A música é muito boa. Não existe uma trilha sonora instrumental marcante, mas músicas compostas que dialogam perfeitamente com a tonalidade do filme. Além disso, o visual da animação é belíssimo. O contraste entre as paisagens bem renderizadas e a caricatura nas feições dos personagens serve para demonstrar, novamente, a comunicação de duas mídias. Aliás, trata-se de um filme que consegue explorar muito bem a ideia de paradoxo. Contrastes são feitos o tempo inteiro, tanto em relação a movimentos da câmera, apresentação de personagens, alívios cômicos e visual. Tal construção promove uma quebra de expectativa interessante que gera humor. Mas, não é um humor para se gargalhar, trata-se apenas de sacadas boas em relação a história que dialogam com a realidade. Aliás, o desenvolvimento da paixão de Charlie Brown é muito bem feito. Combinando um personagem forte, uma apresentação caricata, músicas propícias e a inocência das crianças em relação a relacionamentos, o filme apresenta um clima extremamente "fofo", no mais profundo sentido da palavra. Trata-se de um roteiro suave que consegue ser misturado com uma direção competente, garantindo que a animação tenha uma ótima qualidade.

Pode-se dizer que o fato de Charlie Brown ser estabanado foi levado ao extremo, mas essa sempre foi a essência dos quadrinhos, e, aqui, essas características servem para o desenvolvimento do arco do protagonista. Aliás, em termos de estrutura narrativa, o filme é praticamente impecável, sabendo divertir, dar lições contundentes e provocar reflexões extremamente pessoais. É gratificante perceber que ainda existe tal tipo de animação no cinema "mainstream". Logicamente, a Disney e a Pixar se tornaram referências quanto a qualidade da animação, mas sempre com histórias fantasiosas e extrema qualidade gráfica. A Blue Sky acerta ao realizar um projeto que não se espelha em nenhum grande estúdio e, fugindo das formas padrão de animação, proporciona um filme divertido e reflexivo, capaz de entreter crianças, mas, principalmente, homenagear os fãs de Charles M. Schulz.

Nota: 

- Demolidor

Crítica de "Creed: Nascido para Lutar"

Um homem que veio do nada. Simples, conseguiu tudo que tem através do esforço e da superação, mesmo que, muitas vezes, as probabilidades não apontassem a seu favor. Estou falando de Rocky Balboa ou Sylvester Stallone? A franquia do boxeador mais famoso do mundo começou exatamente 40 anos atrás com o filme "Rocky - Um Lutador". Aclamado pela crítica e sucesso de audiência, o filme conquistou 3 estatuetas do Oscar, incluindo melhor filme e melhor direção. Talvez seja tão amado pelo fato de Rocky representar o típico "sonho americano", um imigrante que tenta a sorte na América. Foi o filme que lançou Stallone no estrelato e existem muitas relações entre o ator e o personagem. Pode-se dizer que um é o alter-ego do outro e que cada frase que Balboa pronuncia está evocando reais pensamentos de Stallone. Como não lembrar do eternizado discurso do sexto filme? "Ninguém baterá mais forte que a vida...". É notável como tudo que o Rocky representa se encaixa perfeitamente com seu intérprete. E é isso que faz a franquia ser tão querida: o esforço do ator. Eis que chega um sétimo filme com o personagem, mas uma diferente franquia. No longa, Adonis Johnson (Michael B. Jordan), filho de Apollo Creed, vai para a Filadélfia ter aulas de boxe com Sylvester Stallone, em busca de provar a si mesmo suas virtudes e entrar no mundo profissional do boxe.

O roteiro é de Aaron Covington e Ryan Coogler. Em termos de narrativa, se assemelha muito ao primeiro filme. Apresenta os mesmos traços e desníveis dramáticos que acompanham a jornada do "herói". A apresentação do universo, o começo entre as relações dos personagens, crises, conflitos e o clímax. Mas, mesmo sendo tão parecido, o roteiro tem um quê de original. Apesar do filme de 1976 ser um ícone, não é perfeito. Lá, Adrian, o par romântico, não foi muito bem explorado. Aqui, porém, existe uma evidente preocupação do roteirista em dar profundidade aos personagens, desenvolvendo também suas limitações para serem vencidas. Afinal, o filme trata exatamente disso. Todo mundo tem uma luta a vencer, um obstáculo para ultrapassar. Uns lutando boxe, outros em rumo do estrelato da música, outros em batalhas comuns do dia a dia; no final todos só tem um objetivo: dar o melhor de si. E, como o próprio Rocky diz, o resultado é consequência. E é isso tão bonito no filme, as mensagens de incentivo e otimismo que inspira. Balboa foi criado para ser um treinador. Tudo que ele fala faz completo sentido não só para o mundo da luta, mas também para o mundo real. Isso demonstra um trabalho carinhoso do roteiro em apresentar diferentes camadas emocionais a fim de genuinamente prender a atenção do espectador e, até mesmo, emocionar. Pode-se dizer que trata-se de um roteiro que mesmo não sendo ousado, consegue cumprir sua proposta e servir bem à história. Além disso, existem algumas referências marcantes aos filmes antigos do Garanhão Italiano e, até mesmo, a outros filmes como "O Poderoso Chefão" e "007 - Operação Skyfall" que se apresentam como um "fan service", visto que não tem peso para a história, mas são uma homenagem honrada aos fãs.

A direção é de Ryan Coogler. O jovem diretor já havia trabalho com Michael B. Jordan no ótimo filme independente "Fruitvale Station: A Última Parada". Trata-se do quesito onde o filme brilha. Provavelmente Coogler já é o melhor diretor que a franquia teve. Através de técnicas apuradas e praticidade, o diretor entrega uma excelente obra. Existe uma cena específica de luta que o diretor usa um plano-sequência de longa duração que é puro cinema. A câmera se movimenta de acordo com a movimentação dos lutadores, mostra a plateia, os treinadores, retorna a luta. Tudo isso sem nem um corte, com uma leveza de movimentação impressionante. Em outras cenas de luta, o diretor usou o artifício do corte rápido que também funciona muito bem e dá agilidade ao combate. A junção entre esses dois métodos de filmagem resultou em cenas incrivelmente arquitetadas e executadas. Tudo isso foi muito ajudado por uma nova trilha sonora envolvente, músicas encaixadas nos momentos certeiros, além de uma sonoplastia perfeita em relação aos socos e pancadas. A mixagem e edição de som estão perfeitas e contribuem para uma maior autenticidade da direção. Além disso, o trabalho de edição e montagem é praticamente impecável. Isso é um grande avanço para a franquia, visto que nunca em filmes do Rocky existiu tamanha qualidade técnica na direção. As cenas de luta, que são o ponto forte do filme, parecem retiradas de uma luta real transmitida pela ESPN. Simplesmente fantástico.

Todo esse árduo trabalho de direção e roteiro foi muito bem acompanhado pelo elenco. Michael B. Jordan apresenta muito carisma e muita capacidade como ator. O jovem vem se mostrado talentoso e tende a evoluir. Tessa Thompson também merece destaque ao interpretar Bianca. Mas, o grande astro, que faz esse filme existir é Sylvester Stallone. É sabido por todos que artisticamente falando, Stallone nunca foi um excelente ator; sempre venceu no carisma. Mas, o filme parece tão bem encaixado, que até mesmo o grande Sly consegue prover uma atuação digna, que realça bem os sentimentos do personagem, sem deixar a força bruta falar mais alto. Muitos podem dizer que foi um exagero ele ter ganhado o Globo de Ouro por melhor ator coadjuvante, mas, uma coisa é certa, Stallone mereceu. Não por esse trabalho, nem por qualquer outro que já teve. Mas por tudo que ele fez para o cinema, todas as pessoas que ele inspirou ao criar o mitológico Rocky Balboa. Afinal, o cinema também pode possuir um papel inspirador. E isso ninguém pode tirar de Stallone, portanto já era hora de seu trabalho ser reconhecido. Mais uma grata surpresa no ano de 2016, o filme consegue resgatar suas raízes, ao mesmo tempo que apresenta um novo arco passível a continuações. Nesse quesito, o filme lembra muito "Star Wars - O Despertar da Força". Isso demonstra que essa fórmula pode dar certo, pois ambos os filmes não são remakes, são apenas continuações com novos núcleos de personagens. "Creed - Nascido para Lutar" apresenta como destaque sua cinematografia praticamente impecável, que torna o filme a melhor obra já feita com Rocky Balboa.

Nota: 

- Demolidor

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Top 10: Filmes 2015

2015 foi um ano de ouro para os cinéfilos. Desde as grandes produções até os filmes independentes, a qualidade foi altíssima. Resolvi fazer uma pequena homenagem a tais obras que engradeceram a sétima arte (Obs: os filmes aqui relatados tiveram estreia no Brasil em 2015, mas alguns são de 2014 e até mesmo de 2013). O ano começou com os filmes de Oscar e tivemos várias obras excelentes como "Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância", "Whiplash - Em Busca da Perfeição" e "Selma: Uma Luta pela Igualdade". No quesito filmes de ação o ano também não deixou a desejar com "Missão Impossível - Nação Secreta", o coreano "O Expresso do Amanhã" e a grata surpresa "Kingsman: Serviço Secreto". Este ano também foi o ano das animações com a volta grandiosa da Pixar com "Divertida Mente" e o grande filme japonês "O Conto da Princesa Kaguya". Também tivemos a volta de diretores consagrados a um patamar elevado como Ridley Scott em "Perdido em Marte", Steven Spielberg em "Ponte dos Espiões" e Robert Zemeckis em "A Travessia". Foi o ano da volta de grandes blockbusters com os grandíssimos "Mad Max - A Estrada da Fúria", "Jurassic World" e "Star Wars - O Despertar da Força". O cinema europeu também teve grandes obras como o francês "Dois dias, Uma Noite" e o russo "Leviatã". No cinema independente americano merecem destaque "Ex-Machina: Instinto Artificial", "O Ano mais Violento" e "Sicario: Terra de Ninguém". A Netflix lançou seu primeiro filme original, o poderoso "Beasts of no Nation". Tivemos o excelente documentário sobre a turnê do Pink Floyd "Roger Waters: The Wall". Para finalizar, o Brasil mostrou que ainda é capaz de produzir cinema de alta qualidade. Destaque para os documentários "O Sal da Terra" e "Chico - Artista Brasileiro", a animação "O Menino e o Mundo" e os drama "Que Horas ela Volta?" e "Entre Abelhas". Eis os 10 melhores:

  • Mad Max - A Estrada da Fúria
  • Star Wars - O Despertar da Força
  • Que Horas ela Volta?
  • Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância
  • Whiplash: Em Busca da Perfeição
  • Divertida Mente
  • Perdido em Marte
  • Dois dias, Uma Noite
  • Selma: Uma Luta pela Igualdade
  • Ponte dos Espiões
- Demolidor

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Crítica de "Carol"

2015 foi realmente o ano das mulheres no cinema! Tivemos a Imperatriz Furiosa comandando a ação do melhor do ano "Mad Max", Rey descobrindo a Força como ninguém havia feito antes na saga "Star Wars" e até mesmo o Brasil no excelente "Que Horas ela Volta?" apresentou uma personagem feminina cativante. "Carol" chega com a proposta de fechar o ano com chave de ouro contando a história de um amor entre duas mulheres: Carol e Therese, no início dos anos 50, nos EUA. O filme poderia trazer uma crítica contundente a sociedade machista da época e colocar peso histórico na obra, mas parece querer "não botar a mão no fogo" para um possível Oscar, pois apesar de tudo, é um romance belíssimo.

O roteiro é de Phyllis Nagy, adaptado do romance "The Price of Salt" de Patricia Highsmith. É um ponto que oscila muito. O primeiro ato do filme é muito promissor; a apresentação das personagens é muita boa, assim como o desenvolvimento de sua relação inicial. Porém, a partir da metade do filme, o longa perde um pouco o foco no amor entre as duas mulheres e corta o clima suave que inspirava. Existem muitas cenas que não deveriam estar lá, pois tiram a atenção do espectador da história principal e não acrescentam nada em termos de narrativa. Tratando-se de um filme de tamanho peso, num ano tão relevante para o papel da mulher no cinema, o roteiro, sem ousadia e coragem, não sai da mesmice de filme da Academia. A fórmula de sempre se repete: filme que mostra uma bonita história de amor, mas que não desenvolve bem os dramas das entrelinhas que poderiam elevar o longa a um importante estudo sociológico das relações interpessoais. Talvez a extrema frieza que o filme inspira seja o principal vértice dessa falta de humanismo; a relação não transcende para algo maior e mais relevante, apenas foca no desejo e na paixão inicial. Dessa forma, a veracidade dos fatos não é tão comprovada, visto que o real amor e companheirismo das personagens não são expressos. Além disso, o final deixa a desejar, por não apresentar a virada que poderia. O longa segue uma linha tênue e previsível, do início ao fim.

A direção é de Todd Haynes e é aí que o filme começa a ganhar seu valor. Se o roteiro era frio e distante, a direção é extremamente humana e acolhedora. No início do filme, somos apresentados ao cotidiano de cada uma das personagens. Através da exploração do espaço do cenário e na colocação das respectivas personagens em cantos da tela, o diretor demonstra que mesmo rodeadas de pessoas, elas não eram felizes. A partir do momento que elas se conhecem e vão se apaixonando lentamente, o diretor vai usando planos mais fechados que ajudam a perceber uma sintonia, o começo de uma cumplicidade. Além disso, a câmera vai cada vez mais se prendendo aos detalhes do cenário, do figurino e das atuações em si. Afinal, tal direção detalhista só foi perfeita devido a excelente dupla de atrizes. Cate Blanchett não precisa de mais elogios: vivendo um dos melhores momentos de sua carreira, Blanchett consegue transpor todos os sentimentos que a personagem inspira, ao mesmo tempo que consegue passar para a tela a agonia que sofre ao retrair tantos problemas relacionados a guarda da filha e a repressão que sofre devido a seu relacionamento homossexual. Normalmente quando a atriz protagoniza um filme desses, todas as demais são ofuscadas. Porém, Rooney Mara apresenta uma bela surpresa. A jovem atriz consegue segurar bem o tempo de tela ao lado de Blanchett, contribuindo para o engrandecimento das cenas em conjunto e garantindo sua segunda indicação ao Oscar. A pena é que o roteiro não está à altura das atrizes e isso, infelizmente, ofusca o potencial do filme como um todo.

Talvez o ponto mais forte da obra seja a trilha sonora de Carter Burwell. É simplesmente fantástica e condiz perfeitamente com o tom que a narrativa deveria tomar. Trata-se de uma trilha suave, sempre presente e que emociona devido a sua leveza lírica. O filme aborda questões relacionadas a sociedade machista da época, mas de forma muito sutil. É visível a força das personagens principais perante os homens presentes, porém devido ao momento histórico que o filme retrata, a relação entre elas não era, de modo algum, aceita. É só pegar o caso de Alan Turing em "O Jogo da Imitação": ele foi morto por ser acusado homossexual. Logicamente Carol e Therese sofrem tipos diferenciados de discriminação, mas não é tão claro como na obra citada. Essa falta de confiança em apresentar a repressão que elas sofreram de verdade faz com que sua luta não seja tão admirada. É muito bonito ver as personagens seguindo em frente com um amor visto como "fora dos padrões", mas do jeito que o filme apresenta, não parece uma coisa tão incomum assim. Se não fosse pelo cenário, maquiagem e ambientação, pode-se dizer que o tempo do filme se assemelha muito com o tempo atual. "Carol", porém, não é um filme ruim. Trata-se apenas de uma pequena decepção, visto que tinha de tudo para realizar críticas contundentes e reflexivas. Com direção detalhista, atuações impecáveis e trilha sonora marcante, "Carol" é muito prejudicado por roteiro enfadonho e até certo ponto covarde, por não criticar padrões sociais repugnantes.

Nota: 

- Demolidor

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Crítica de "Spotlight - Segredos Revelados"

O papel da imprensa na descoberta e divulgação dos fatos sempre foi muito retratado no cinema. "Cidadão Kane" e "Todos os Homens do Presidente" são clássicos que abordam o panorama do jornalista perante à sociedade. Mais recentemente tivemos o excelente filme "O Abutre" que mostra como a mídia pode ser corrompida e corromper, ao mesmo tempo. Chega então 2015 com "Spotlight", um dos fortes favoritos ao Oscar. Mas o que o filme tem de tão especial? Trata-se de uma história baseada em fatos reais que acompanha a equipe Spotlight, pertencente ao jornal Boston Globe, em 2001, investigando casos de padres católicos da cidade que molestavam crianças. É um tema muito atual, visto que o escândalo é forte até hoje com descobertas cada vez mais profundas que chegam até o Vaticano.

O roteiro é escrito por Josh Singer ("O Quinto Poder") e Tom McCarthy ("Trocando os Pés"). Um grande mérito é mostrar de forma clara o cotidiano de um jornalista de grande porte, desde as reuniões na redação, até as horas a fio sem dormir e a paixão por histórias relevantes. Além disso, trata-se de uma grande homenagem a Spotlight (vencedora do prêmio Pultizer por Serviço Público), pois mesmo contra tantas adversidades, a equipe seguiu em frente com uma história deveras polêmica que, tanto podia elevar suas carreiras, como destruí-las. Em termos de realidade trata-se de um roteiro muito fiel aos fatos, mas em termos de obra artística é um pouco embaraçoso. Muitas vezes o espectador se vê perdido no meio de tantos nomes e processos jurídicos diferentes, visto que a apresentação do universo não é tão completa quanto a da equipe. Isso tira um pouco o público da história central, porque começam as perguntas: "Com quem é mesmo que ele tá falando?" ou "Que processo é esse?". Além disso, o filme apresenta um problema de ritmo, pois o arco emocional não é tão bem desenvolvido quanto deveria. Mesmo tratando-se de uma história real, seria necessário um clímax mais forte que condissesse com o tom que o longa propôs a tomar. Porém, esses problemas de ritmo e identificação com certos personagens  não atrapalham a experiência como um todo, pois trata-se de uma realidade muito contundente, apesar de configurar dessa forma um roteiro aquém do potencial que a história possui.

A direção é de Tom McCarthy. Trata-se de seu primeiro projeto audacioso baseado em fatos reais. E é o ponto alto do filme. Pode-se dizer que trata-se de uma direção depressiva, todavia no bom sentido (se é que existe um). À medida que as descobertas são feitas e o patamar do escândalo vai só aumentando, isso realmente mexe com as emoções do espectador. E isso é claramente um trabalho do diretor, no uso de cores frias e sem vida, trilha sonora melancólica e, principalmente, na condução dos atores na cena. É uma direção muito visceral, esmagadora que mostra o apelo de McCarthy em fazer uma crítica forte aos padres molestadores. E isso é muito importante: a crítica não é, de forma alguma, à religião católica, mas sim à Instituição devido ao poder excessivo da Igreja que é capaz de dominar Tribunais e a própria mídia, além da má conduta dos padres praticantes do estupro. E o diretor é pertinente quanto ao isso, ele faz questão de sempre relembrar que trata-se de crianças no processo. A câmera constantemente passa "involuntariamente" por um parquinho ou mostra crianças brincando perto da Igreja. É um apelo visual imenso, pois o espectador realmente entende a gravidade da situação e isso provoca uma espécie de mal-estar. Este é o grande mérito da direção: deixar o espectador se sentindo mal devido a um fato que aconteceu. Muitas vezes esse é o melhor método para as pessoas realmente enxergarem uma realidade opressora.

Outro ponto forte do filme é o elenco, com destaque aos atores Michael Keaton, Mark Ruffalo e John Slattery. Michael Keaton retorna mais uma vez a um bom papel depois do excelente "Birdman", servindo como uma espécie de mentor da equipe que coordena a investigação como um todo. John Slattery é uma agradável surpresa, pois consegue apresentar de forma orgânica a tensão que todos sentem ali e seu semblante muda de acordo com o filme. Porém, o destaque do "casting" é realmente Mark Ruffalo. Ele apresenta uma atuação apaixonada e realmente capta o espírito do repórter do caso, ofuscando os demais subalternos do personagem de Keaton. Ruffalo tem se mostrado cada vez mais inteligente na escolha de papéis e proporcionado excelentes atuações, lembradas, constantemente, pela Academia. O filme em si não é perfeito, longe disso. Apresenta alguns problemas de roteiro que prejudicam o engrandecimento de certos personagens, além da fotografia não ser muito explorada. Mas a direção e o elenco conseguem sustentar de forma eficiente o filme, atraindo a atenção do espectador para uma história brutal. Trata-se de uma crítica contundente a um sistema falido que precisa ser assistida como uma forma de conhecimento a uma realidade mais próxima do que se imagina e não como apreciação a um cinema perfeito.

Nota: 

- Demolidor

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Crítica de "O Bom Dinossauro"

E se o meteoro que atingiu a Terra milhões de anos atrás, subitamente, mudasse sua rota? Essa é uma daquelas perguntas que a Pixar adora responder. "Toy Story", por exemplo, é uma franquia que só existe pela pergunta por trás: "E se os brinquedos tivessem vida?". E é essa toda a grandiosidade do estúdio; tentar responder essas perguntas criando uma mitologia imaginativa que sirva para contar a história. "O Bom Dinossauro" é o segundo filme feito pela Pixar no ano de 2015 e teve a difícil tarefa de bater (ou ao menos igualar) a qualidade de "Divertida Mente". O filme acompanha o dinossauro Arlo, na sua busca por vencer seus medos e encontrar o seu papel no mundo.

O roteiro é muito oscilante, visto que apresenta pontos bem explorados, ao mesmo tempo que conveniências sem explicação. Um ponto positivo é toda a inventividade ao explorar o universo. Se os dinossauros ainda fossem vivos, logicamente eles dominariam o mundo e os seres humanos seriam apenas criaturas de uma "natureza selvagem". O roteiro consegue explorar isso de uma forma muito sutil devido ao fato dos dinossauros serem muito mais "humanizados" do que os próprios homens. Eles desenvolveram técnicas de cultivo que nos fazem pensar que, se esses animais ainda estivessem na Terra, por que eles também não desenvolveriam seu intelecto? Trata-se de uma prestação à teoria de Darwin, pois os dinossauros evoluíram como uma forma de se manterem no alto da cadeia alimentar. Porém, o que os roteiristas conseguiram fazer com o universo, a mitologia do filme, não fizeram com a saga de Arlo. No início, o personagem chega a ser irritante, pois se apresenta como o genérico protagonista estabanado que não faz nada certo e que acaba se envolvendo em uma aventura onde precisa provar seu valor. A famosa "jornada do herói" está no filme de forma explícita, porém, apesar de apresentar uma linearidade comum a esse tipo de filme, beira ao tédio algumas vezes. A química entre os personagens não funciona muito bem e os secundários são totalmente desprezíveis.

 O arco do protagonista, todavia, consegue melhorar a partir da metade do filme, onde a empatia cresce com o propósito do personagem. Mas, mesmo assim, Arlo não chega aos pés de Woody, Nemo e tantos outros. Outro fator importante a ser analisado em filmes como esse é a mensagem que o longa tenta passar ao seu público-alvo: as crianças. Dessa vez, a Pixar não traz nada novo, pois os conflitos do protagonista são muito semelhantes aos de Nemo. Existe a lição de que o medo é importante para superarmos nossos obstáculos, além de exibir bonitas concepções sobre família e amizade. Ora, é praticamente impossível não se emocionar em algum momento. Mesmo que o roteiro não seja tão profundo e cativante, ele consegue extrair ao máximo das situações presentes no longa para genuinamente emocionar. Mas, emocionar, quase toda a animação de grande porte consegue em algum momento. O que diferencia a Pixar das demais, é a genialidade no desenvolvimento dos mundos e dos personagens, coisa que, infelizmente, não acontece aqui.

A direção é de Peter Sohn. Trata-se de seu primeiro longa-metragem, mas o diretor carrega o filme de forma eficiente. As tomadas usadas são inteligentes e muito imersivas, visto que o diretor tem um visível apego pela ambientação gigantesca. Este artifício é importante para representar a pequeneza do herói perante a sua jornada. Além de contribuir para o desenvolvimento do arco do protagonista, a direção expansiva ajuda a realçar a qualidade gráfica da aminação. E não era de se esperar menos; a Disney vem se mostrando cada vez mais perceptiva quanto aos detalhes da animação para tornar seus filmes cada vez mais verossímeis, ao mesmo tempo que não abre mão dos olhos esbugalhados e traços fofos, que fazem com que seus personagens apresentem o toque caricato de sempre. Um problema da animação em si é a renderização dos dinossauros que correm sobre duas patas. Além de parecer muito artificial, a cena não contribui diretamente para a história, e tira um pouco o foco do espectador que é forçado a lembrar que trata-se de um filme animado. Isso prejudica demais a tão estimada imersão que o diretor provoca e com certeza é uma das "gordurinhas" que o filme apresenta.

A trilha sonora é fantástica. Está sempre presente, acompanhando toda a trama, mas é colocada em evidência nos momentos importantes de virada dramática e integram assim todo um conjunto de fatores que levam o espectador a se emocionar. As dublagens originais são bem encaixadas de acordo com a movimentação da fala, porém algumas vozes simplesmente não se encaixam com seus respectivos personagens. Nesse quesito, a dublagem brasileira é superior, pois o trabalho é muito mais intenso e notável. No mesmo ano que a Pixar nos apresentou o clássico recente "Divertida Mente", apresentou o oscilante "O Bom Dinossauro" que se perde um pouco no roteiro, mas emociona e entretém, através de trilha sonora atuante e direção eficiente.

Nota: 

- Demolidor

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Crítica de "Os Oito Odiados"

Seria possível em menos de 25 anos um profissional de cinema ser considerado um dos maiores da história? Hithcock, por exemplo, teve aproximadamente 50 anos de carreira e Kubrick 40. Quentin Tarantino, o maior diretor do cinema moderno, nos mostra mais uma vez que com 23 anos de carreira, ele pode ser considerado um dos maiores diretores que a sétima arte já teve. E pasmem: este é o oitavo filme totalmente roteirizado e dirigido por ele. O que dizer de um diretor que tem como filme de estreia "Cães de Aluguel"? E que, não obstante, após 2 anos nos apresentou "Pulp Fiction"? Ora, com toda a sua personalidade com a câmera na mão e genialidade na hora de escrever o roteiro, Tarantino conquistou muitos adeptos do seu trabalho por todo o mundo. O mais inusitado sobre este ícone é que ele nunca cursou uma faculdade de cinema; trata-se "apenas" de um cinéfilo apaixonado. Talvez este seja o motivo de sua obra ser tão completa, Tarantino entende o real significado de cinema e o traz para seus longas, através da miscigenação de elementos de diferentes gêneros cinematográficos. E eis aqui o diretor mais uma vez brincando com os diferentes tipos de filme. Quem disse que o faroeste precisa seguir uma linha e que não pode ser misturado com uma história de detetive ou um drama psicológico pós-guerra? O diretor quebra esses "dogmas" que o cinema muitas vezes impõe de que existem gêneros invioláveis e mostra de uma forma brilhante como cada estilo de filme pode complementar outro, se mediado por uma boa história.

O roteiro é inteiramente escrito por Quentin. É com certeza o ponto forte do filme (assim como é em todos outros filmes dele). Os diálogos são cativantes e servem, não só para preencher tempo de tela, mas para desenvolver a personalidade dos personagens. E é esse o grande brilhantismo do roteiro. Todos os 8 personagens do longa são memoráveis e possuem características muito bem apresentadas que reforçam essa ideia. E, conseguir dar profundidade para 8 personagens em apenas um filme, é deveras difícil. Clássicos como "Os Sete Samurais" de Kurosawa ou "Sete Homens e um Destino" de John Sturges (filmes que influenciaram e muito a realização de "The Hateful Eight"), apesar de serem excelentes obras de arte e funcionarem de acordo com suas propostas, não desenvolvem muito bem seus personagens. Os filmes se concentram num núcleo de 3 ou 4 protagonistas que ditam o rumo da história. O fato de todos os personagens estarem confinados numa estalagem durante praticamente toda a ação engrandece a capacidade do roteiro de prender a atenção do espectador, visto que em tal reduzido espaço não existe muita capacidade de locomoção. Dessa forma, Tarantino usa e abusa da criatividade, criando acontecimentos bizarros que são práxis de sua obra e invertendo muitas vezes a linearidade da história, através de flash-backs. Tal recurso reforça a minuciosidade do roteiro, pois diversas pistas são apresentadas durante o filme: pequenos detalhes que funcionam como peças de um quebra-cabeça a ser completado. Outro grande aspecto que o roteiro aborda é a situação dos negros e das mulheres no Velho Oeste. De uma forma não convencional, funcionando mais de forma satírica, Tarantino critica o fato dos negros serem subjugados, sendo o vértice dessa metáfora o personagem de Samuel L, Jackson. É visível que o personagem só é respeitado até certo ponto por apresentar uma carta de Abraham Lincoln, mas mesmo assim é constantemente chamado de "niger". O brilhantismo do roteiro não está no fato de reprimir esse tratamento de forma imediata, mas mostrar isso de forma exagerada como uma espécie de ironia, que faz o espectador sentir todo esse panorama de forma muito mais nítida.

A direção é muito eficaz e inteligente. Sem mostrar nenhum personagem e em apenas 5 minutos, o diretor já mostrou a que veio. O fato do filme começar com os créditos já relembra a era do faroeste, onde isso era comum. Mas, na primeira cena isso já é desmistificado, visto que somos apresentados a diversas paisagens cobertas de neve. Os faroeste clássicos sempre tinham como símbolo o calor e o deserto, que ajudavam a construir uma ideia de sujeira e mau cheiro aos pistoleiros. Com essa entrada saudosista, mas com a neve predominando, a direção cria um paradoxo que reforça a ideia de que trata-se de um faroeste não-convencional. Ora, tudo de Taratino não é convencional. A cena seguinte mostra uma estátua de Jesus Cristo coberta por neve. Isso provoca um apelo visual muito grande, pois mostra que trata-se de uma história sem a "proteção de Deus". Tal cena inspira uma rima visual no final do filme, que demonstra o cuidado da direção de Quentin. Dentro do estabelecimento, a câmera também é muito bem conduzida. É feita de tal forma que ocorre uma espécie de claustrofobia, visto que a tensão cresce gradativamente, enquanto o espaço diminui inversamente proporcional. A câmera raramente foge da altura dos rostos dos atores e isso apresenta bons aspectos. Além de extrair ao máximo das atuações, o diretor se mostra no mesmo patamar que os personagens, naquele cantinho "esquecido por Deus". A câmera só vai tomar lugar acima do cenário ao final do filme, onde uma espécie de justiça foi feita, remetendo a uma espécie de Justiça Divina. A trilha sonora é sempre um ponto forte da obra "tarantinesca". Dessa vez, o responsável é Ennio Morricone, o mesmo compositor da famosa trilha da Trilogia do Dólar e que já havia trabalhado com Tarantino em outros projetos. Aos 87 anos, é notável a versatilidade para criar novos temas. A trilha em si não é marcante como já foi, porém é essencial para os momentos de tensão do longa. As músicas presentes no filme também são excelentes e servem para contar a história. Basta prestar atenção nas letras que certas analogias podem ser feitas.

Outro ponto forte é o "casting" do filme. Todas as figurinhas carimbadas de Tarantino estão aqui. Samuel L. Jackson, sempre carismático, segura bem o filme, sendo bem apoiado por Kurt Russel, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern, dentre muitos outros. Mas o destaque na atuação está em Jennifer Jason Leigh, que nos presenteia com uma atuação visceral, cheia de regionalismos e caricaturas que ajudam a remeter ao tempo passado. O melhor de tudo sobre a direção de Tarantino é a forma como ele homenageia o cinema em si. Desde os faroeste clássicos de John Wayne, até os "spaghetti" de Sergio Leone, através de sutilezas no roteiro e direção, Tarantino reverencia essas obras, ao mesmo tempo, que dá uma nova cara ao cinema. Talvez este seja o grande diferencial do diretor: a busca por sair do comodismo de uma história linear e a experimentação com diferentes gêneros e estruturas de roteiro. "Os Oito Odiados" é definitivamente um filme de Tarantino, dotado de roteiro pensado nos detalhes, direção inteligente e escolha de atores excepcional, que reforçam a ideia de que Quentin Tarantino é o maior idealizador da Era Moderna da sétima arte.

Nota: 



- Demolidor

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Crítica de "Star Wars: O Despertar da Força"

"Há muito tempo atrás, numa galáxia muito, muito distante...". Assim começava o filme "Guerra nas Estrelas" de 1977. Uma produção extremamente complicada, com problemas de orçamento, escolha de elenco, além da falta de fé do estúdio. Mas, graças a perseverança de George Lucas, o filme foi um divisor de águas do cinema. Foi extremamente revolucionário em relação ao conceito de ficção científica/fantasia, inovando ao misturar efeitos computadorizados e práticos em uma mesma cena. Além disso, trouxe personagens inesquecíveis que se tornaram marcos não só do cinema americano, mas da cultura pop em geral. Como não conhecer Yoda, Chewbacca, Darth Vader? Até então, apenas o filme "Tubarão" havia superado a barreira das centenas de milhões. "Star Wars" foi um fenômeno tão massivo, que faziam-se filas que dobravam quarteirões para entrar no cinema (daí o surgimento da expressão "blockbuster"). Eis que 3 anos depois chega a continuação que mexe com a cabeça de todos os fãs. Trata-se de, possivelmente, a melhor continuação já feita na história da sétima arte. Não só por dar complemento a uma história fantástica, mas por apresentar um arco original que se fecha perfeitamente. Mais 3 anos e surge o fim da trilogia. "O Retorno de Jedi" amarrou todas as pontas soltas que os outros filmes deixaram, dando uma conclusão definitiva para a saga de Luke (pelo menos era o que se esperava). Entre 1999 e 2005 foi lançada a temível trilogia nova que conta a história de Anakin Skywalker. Extremamente rejeitada pelos fãs e pela crítica especializada, os três filmes são relevados quando o assunto é "Star Wars". Os fãs simplesmente ignoram esses episódios tenebrosos que tiraram um pouco da magia do cinema verdadeiro. Eis que a Disney compra por uma quantia bilionária os direitos da saga. Sem mais George Lucas, qual seria o destino dos personagens icônicos que marcaram gerações? A produtora confiou esse projeto a J.J. Abrams, um dos diretores mais corajosos na atualidade, visto que foi responsável pelo renascimento de "Star Trek" e, agora, "Star Wars".

A sinopse do filme não precisa ser contada. Basta saber que passa-se depois de "O Retorno de Jedi", onde a Primeira Ordem (espécie de descendente do Império) busca trazer o lado sombrio para todas as partes do Universo. Enquanto isso, em alguma parte da galáxia, ocorre um despertar da força... É melhor parar por aqui. Uma grande sacada do marketing do filme foi a elaboração de trailers e teasers que não contassem nada crucial da história, mas que traziam elementos nostálgicos que aumentavam a expectativa dos fãs. Dessa forma, o filme consegue resgatar um pouco da originalidade de "Star Wars", visto que um dos pontos fortes da saga sempre foram as reviravoltas da trama. A Disney acertou em cheio o modo de divulgação do longa, coisa que a Warner não conseguiu fazer com "Batman vs Superman", por exemplo. O roteiro do filme é fantástico. O espectador é rapidamente introduzido no universo dos novos personagens e a apresentação destes é muito fluida. Além disso, o desenvolvimento primário das características deles é de uma destreza expressiva. Destaque para a personagem Rey que rouba o filme por sua forte presença feminina e o heroísmo nato que a atriz Daisy Ridley inspira. Vale ressaltar também o robô BB-8 que visualmente é muito bem concebido, além de apresentar uma espécie de personalidade própria que rapidamente o faz cair nas graças do grande público. Outro ponto forte do roteiro é a aproximação desse novo universo com as caras já conhecidas pelo público. Han Solo, Chewbacca, Leia, C3PO, R2-D2 estão sempre ali, servindo como uma espécie de base para toda a narrativa preestabelecida, mas a história claramente se preocupa em seguir o rumo de novos personagens, mostrando que a franquia pode viver mesmo sem os personagens clássicos. Outro fator crucial para o engrandecimento do longa foi o humor sutil presente em quase todas as 2 horas e 15 minutos de filme. Enquanto a trilogia original apresentava um tom mais sério e sombrio, e a nova um tom bobo e fútil (basta relembrar Jar Jar Binks), Abrams cria uma espécie de humor controlado, pois as piadas não são forçadas, elas apresentam-se da forma mais natural possível.

A direção de Abrams é o diferencial do filme, George Lucas pode ser considerado um gênio por idealizar um mundo como o de "Star Wars", mas nunca foi o melhor pra reproduzir isso na direção. Isso pode ser muito bem observado na trilogia de Anakin, visto que a quantidade excessiva de CGI estraga a experiência do espectador quanto ao sentimento que o filme provoca. Abrams, nerd assumido, percebeu de imediato que o que faz a trilogia clássica ser tão aclamada é a mixagem de diferentes aspectos do cinema numa mesma obra. No roteiro há a mistura de elementos do faroeste, com filmes de samurai, seguindo a jornada do herói. E na direção, existe a miscigenação de efeitos práticos e computadorizados, ambientes artificiais e ambientes montados de verdade. É exatamente isso que o novo diretor resgata de "Star Wars". É visível a construção de diversos cenários no filme, assim como o uso de veículos reais, mas, ao mesmo tempo, existem os grandes efeitos especiais que apresentam um acabamento excelente que impede o espectador de duvidar se aquilo é um efeito ou não. A condução da direção é extramente bem feita e a narrativa se desenvolve de uma forma padrão, porem extremamente bem estruturada e dividida. O clímax é apresentado no momento certo, decorrendo de uma ascendência do roteiro desde o início do filme. Pode-se dizer que existem algumas pontas soltas, mas deve-se analisar o Despertar da Força como a primeira parte de um filme maior, assim como Uma Nova Esperança era. Portanto, é necessário paciência para o desvendamento de alguns mistérios ocultos.

John Williams volta mais uma vez para comandar a trilha sonora. Apesar de usar muitos temas já consagrados, o maestro consegue criar novas melodias para as novas situações e reafirma sua grandiosidade e sua importância para o cinema americano. O elenco está excelente, principalmente John Boyega, Oscar Isaac e a já citada Daisy Ridley. O único ponto fraco é Alam Driver, pois não consegue ainda passar o peso que seu personagem inspira. O elenco original dispensa comentários, pois eles são tão apegados a seus personagens que não precisam fazer esforço algum para vivê-los. É emocionante revê-los depois de mais de 30 anos fazendo os mesmos papeis que marcaram diversas gerações e continuam marcando. Aliás essa é a grande sacada de Abrams e da Disney. "O Despertar da Força" é um filme que pode ser visto sem saber nada sobre a saga, ao mesmo tempo que apresenta espécies de homenagens aos fãs. É como se o filme se preocupasse em recrutar a nova geração para aquele Universo, mas sem esquecer dos fãs consolidados que viveram a cresceram com "Star Wars". Por isso é tão importante. Não é apenas uma antologia de filmes, mas um verdadeiro retrato da sociedade da forma mais pura da arte. A miscigenação de elementos culturais mundias faz com que a saga seja amada no mundo inteiro. Poderia dizer até que foi por causa de Guerra nas Estrelas que o Skybaggins existe hoje, visto que serviu de uma porta para todo um universo nerd e cinematográfico, portanto foi um importante definidor de caráter e aquisição cultural.  E, felizmente, J.J. Abrams e a Disney compreenderam a real importância do produto e proporcionaram um filme repleto de ação, direção consolidada, roteiro afiado, mas, principalmente, a carga dramática que dá orgulho de fazer parte do universo de "Star Wars" e de sentir que a Força realmente existe nos corações dos fãs.

Nota:  (metalinguístico, não?)

- Demolidor

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Crítica de "No Coração do Mar"

"Moby Dick" é um clássico incontestável da literatura mundial, sendo até considerado "a epopeia oficial dos Estados Unidos". Como não conhecer a imensa cachalote branca ou até mesmo Ismael? Bem, como todo romance, trata-se de uma história fictícia. Mas, o que poucos sabem, é que o livro foi inspirado nos fatos reais ocorridos com a tripulação do baleeiro Essex. Por meio de um diálogo entre Herman Meville (escritor de "Moby Dick") e Tom Nickerson (tripulante do Essex), o filme apresenta a história original que inspirou um dos mais reconhecidos livros da história americana.

O grande problema do filme é a ambição e até mesmo a falta dela. Trata-se de um ambicioso projeto, visto a importância de "Moby Dick" para a cultura estadunidense, porém tudo no filme é muito passivo. Não existe um elemento narrativo que permanece fixo durante todos os atos, apenas alguns arcos esporádicos que apresentam um possível momento de tensão, mas que são suprimidos rapidamente. Ora, uma história épica dessas (do jeito mais literal da palavra) apresenta um grande potencial dramático e conflituoso. Com salvas exceções, a maioria dos personagens não apresenta empatia alguma. Além disso, a baleia, que é o principal motor da história, não apresenta peso algum. O mínimo que se esperava era uma tensão perante ao monstro desconhecido como é espetacularmente feito com o Tubarão, de Spielberg. A cachalote, porém, que deveria ser tão imponente, não se diferenciou muito das outros baleias presentes no filme e isso impediu o desenvolvimento de quiçá, o personagem mais importante da história. A grande questão do filme é o homem desbravando o desconhecido para o acúmulo de riquezas, mas é impedido pela insignificância humana perante aos elementos da naturezas. A baleia que deveria ser o símbolo dessa superioridade natural não teve tanto peso assim, o que prejudicou a mensagem por trás do longa.

Mas. nem tudo é ruim. A direção do experiente Ron Howard é segura e bem feita. O navio é muito bem explorado visualmente, visto que a câmera passeia por todos os compartimentos do baleeiro com uma fluidez impressionante. Além disso, o contraste que as tomadas fazem entre o navio e o mar são significativos, levando em conta o embate entre homem x natureza, durante o auge da Segunda Revolução Industrial, onde a natureza era tratada apenas como fonte de matéria-prima. A fotografia é exuberante, relembrando por alguns momentos "As Aventuras de Pi". A trilha sonora é condizente com o ritmo do filme e a mixagem e edição de som são perfeitas. A ambientação do filme (metade do século XIX) é muito condizente com o período histórico ao qual se refere, o que contribui para uma total imersão do espectador.

Um dos aspectos interessantes do roteiro é a luta de classes, exemplificada pelo comando do navio. O capitão é George Pollard (Benjamin Walker) e o primeiro-imediato é Owen Chase (Chris Hemsworth). Apesar deste apresentar uma tremenda experiência em caça à baleia, Pollard é escolhido como capitão devido ao seu nascimento privilegiado. O roteiro, por meio de diálogos e suposições com traços dos atores, parece criticar a aristocracia da época, que somente se preocupava em aumentar seu poder, de modo até mesmo maquiavélico (Os fins justificam os meios). Esse embate entre os dois, porém não é muito explorado durante o filme. Chega um momento que os dois se afastam e parecem se tolerar, o que dificulta a possibilidade de um embate significativo para o clímax e de uma crítica social relevante aos privilégios familiares.

Os atores estão bem em seus papéis, mas nenhum merece realmente destaque. Hemsworth faz mais uma vez o papel de uma espécie de herói honrado que já virou marca de sua carreira. Sua atuação não é ruim, mas ele não demonstra nada novo. Talvez o grande destaque seja Cillian Murphy, que apesar do pouco espaço, consegue desenvolver uma relação afetiva interessante com o primeiro-imediato. A história, apesar de tudo, é bem conduzida até o final. Mas não é aquele filme marcante que o espectador lembra por meses. Talvez este seja o grande problema do longa. Com toda a expectativa alta devido a história do livro e a direção de Ron Howard, o filme decepciona. Não por ser ruim, mas por não mostrar nada de relevante em relação a história original e por não se propôr a criticar certos valores da época. Apesar de direção e aspecto visual imponentes, o filme decepciona por não acrescentar nada relevante a "Moby Dick" e por não apresentar um núcleo de roteiro consistente.

Nota: 

- Demolidor

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Crítica de "Aliança do Crime"

Filmes que tratam de máfia são um clichê em Hollywood. É impossível pensar no cinema do Tio Sam sem relembrar o clássico Don Corleone ou sem venerar os Bons Companheiros de Scorsese. Vale ressaltar que a carreira de Al Pacino e Robert DeNiro devem muito a esse gênero, onde, em seus respectivos papéis, demonstraram ao mundo suas grandes capacidades interpretativas. Poderíamos até dizer que o gênero é um daqueles clássicos, intocáveis. Coisas do passado, que não precisam mais ser retratadas nas telonas. "Aliança do Crime", porém, refuta essa ideia e nos demonstra que não existe gênero intocável, sempre existe uma história a mais a ser explorada sob uma perspectiva artística diferente. Baseado no livro "Black Mass" de Dick Lehr e Gerard O'Neill, o filme, por meio de testemunhos e "flash-backs", tem o foco narrativo no protagonista James "Whitey" Bulger (Johnny Depp), acompanhando sua ascensão na bandidagem da região Sul de Boston nos anos 70. Acompanhado de sua gangue,ele deixa de ser um mero dono de rua da região para se tornar um dos mafiosos mais temidos e mais importantes da cidade.

O primeiro ponto a ser destacado é a volta de Johnny Depp a um grande patamar artístico. Não que ele alguma vez negou esse seu dom, mas durante esse milênio o ator não têm se preocupado em se provar melhor, mas sim em participar de grandes produções de entretenimento em massa, caracterizando sempre o mesmo Jack Sparrow em todos esses filmes, de modo carismático e divertido, mas sem grandes desafios. Pode-se dizer que o astro não tem um papel importante dramaticamente desde 2001, no filme "Jogada de Risco". Em 2015, Depp realmente se enquadra no papel e extrai o máximo do personagem. Ele consegue interpretar de forma brilhante o típico anti-herói, pois apesar de ser claramente um bandido assumido e homicida, em alguns momentos o carisma do personagem e a sua afeição por seus protegidos fazem com que o público torçam, mesmo que por um breve momento, pelo personagem. Podemos dizer que o ator interpreta um Heisenberg da máfia, com o peso de interpretação tão grande quanto foi o de Bryan Cranston em "Breaking Bad". Outro ponto forte do elenco são os coadjuvantes. Benedict Cumberbatch agrega muita seriedade ao longa ao interpretar o irmão senador do maior bandido da cidade. O dilema moral que isso provoca e o jeito como ele trata isso poderiam ser melhores explorados, porém o ator não tem muito tempo de tela. Um personagem que ganhou espaço no longa-metragem foi John Connoly, um grande amigo de infância de Whitey, que entra para o FBI e começa uma aliança com o mafioso irlandês, a fim de eliminar a Cosa Nostra da região  (daí o motivo da tradução do título genérico aqui do Brasil). Um ponto muito abordado no arco de Connoly é a lealdade. Até que ponto devemos ajudar um amigo, mesmo que isso seja contra os princípios morais e éticos da sociedade e, até mesmo, da Constituição? Como o personagem recebe bastante tempo de tela, esse conceito é bem explorado e dá uma espécie de "razão" para suas atitudes.

A direção é do promissor Scott Cooper ("Tudo por Justiça"). Percebe-se que ele apresenta uma boa percepção para escolha de elenco e história, mas ainda não achou um ritmo ideal. Apesar de nas cenas de ambientes fechados a tensão ser muito bem construída, na cena seguinte já somos apresentados a um ambiente com um clima completamente diferente. Essas oscilações de humor que o filme promove demonstram uma falha na edição e montagem do filme, pois, apesar da história apresentar continuidade, o espectador demonstra-se desinteressado. Isso faz com que o público massivo que vai ao cinema não se apegue tanto a história e não extraia ao máximo seu potencial. Apesar disso tudo, considerando que trata-se apenas do terceiro longa da carreira do diretor, esse é uma aspecto que pode ser melhorado, e, se o for, trará a sétima arte belíssimas obras. O roteiro é bom, mas é prejudicado pelo andamento do filme. A falta de clímax também é notável, visto que não é apresentado um momento ápice de tensão. Talvez o grande fator crucial do roteiro seja o desenvolvimento dos personagem e da região em si. Do modo como tudo é apresentado, o espectador é rapidamente imerso em Southie Boston e passa a conhecer todos de lá. É um mérito que os clássicos de máfia faziam e que "Aliança do Crime" consegue realizar muito bem. Aliás, se formos comparar o filme de 2015 com os antigos, podemos fazer uma analogia interessante.

Ora, todos os filmes da década de 70 e 80 tratavam da Máfia italiana, normalmente tratando da ascensão dos sicilianos em território norte-americano. Aqui é exatamente o contrário, afinal o foco do filme é uma aliança entre o FBI e a máfia irlandesa para destruir a máfia italiana. Será que o novo filme teve a pretensão de se firmar na atualidade como novo clássico de máfia, deixando os italianos no passado? Seria demais fazer essa comparação, mas "Aliança do Crime" em 2015 cumpre seu papel. Apesar de ritmo lento e com muitas oscilações de tom, o longa retoma um gênero clássico explorando ao máximo a volta do grande potencial artístico de Johnny Depp, esquecido nas grandes produções hollywoodianas e abordando de forma interessante conceitos como o de família e lealdade.

Nota: 

- Demolidor


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Crítica de "Ponte dos Espiões"

Se você entende um pouquinho de cinema você conhece Steven Spielberg. Simplesmente um dos diretores americanos mais venerados da história, dotado de clássicos do cinema que vão de aventuras a comédias, dramas fictícios a romances históricos, etc. Trata-se de um diretor completíssimo que, em seus filmes, conseguiu passar uma mensagem muito clara da forma como ele entende o cinema (e o faz como poucos). É tão versátil que é responsável por franquias como "Indiana Jones" e o clássico "E.T. - O Extraterrestre", ao mesmo tempo que dirigiu "A Lista de Schindler" e "Império do Sol". Spielberg tem uma parceira de sucesso com o astro Tom Hanks (esse é o 4° filme da dupla) e não poderiam estar em melhor momento, contando com melhor história. "Ponte dos Espiões" acompanha a vida de James Donovan (Tom Hanks) um advogado de seguros que possui a difícil missão de defender, em tribunal, um homem acusado de ser um espião soviético. Trata-se de uma história real ocorrida no auge da Guerra Fria.

A grande perspicácia do roteiro é o enaltecimento dos valores morais do personagem. Afinal, até onde deve ir o código de conduta da profissão se este começa a ameaçar sua família ou até mesmo seu país inteiro? O dilema moral apresentado pelos Irmãos Coen demonstra a difícil situação vivida pelo advogado: deveria defender o réu seguindo todos os princípios da lei que decidiu amar e estudar ou deveria fazer "corpo mole" visto que o indiciado poderia ser um mau elemento para a nação? Com poucos minutos de filme o espectador já é inteiramente imerso nos conflitos do protagonista e, apesar de sabermos a História, o filme é intrigante do início ao fim. Outro ponto forte (e marca de Spielberg) é a imparcialidade. Apesar de ser totalmente americano, o filme não toma um lado como certo. Simplesmente conta a história de um herói, sem desmerecer nenhum território por causa disso. E é esse motivo que afasta o longa de se tornar clichê. Muitas obras (apesar de serem até qualificadas artisticamente) como "Sniper Americano", por exemplo, apelam muito para o excesso de nacionalismo e isso prejudica a percepção do filme como um todo. A mescla do roteiro de Joel e Ethan Coen com a direção de Spielberg é inusitada, pois une a velha geração à nova; o perfeccionismo praxe de Spielberg com a ousadia dos irmãos. Dessa forma, o longa consegue se contrabalancear, com momentos sérios unidos a momentos sarcásticos que inovam o gênero de tribunal/guerra.

Spielberg definitivamente sabe dirigir um bom drama. É notável como a câmera sabe os momentos certos de realizarem suas ações, quando deve ser tensa, quando o enfoque tem que ser mais aberto por causa do alívio, etc. Anos de experiência na realização cinematográfica proporcionaram ao diretor um "timing" perfeito na divisão dos elementos da narrativa. Introdução, desenvolvimento, clímax e resolução são muito bem divididos e, em cada momento, o diretor consegue extrair ao máximo daquilo que deseja comunicar visualmente. Aliado ao grande trabalho de Spielberg, está mais uma atuação primorosa de Tom Hanks. Após um belo trabalho em "Capitão Phillips", o ator retoma sua boa forma, fazendo um personagem nunca feito por ele antes, mas que é muito bem caracterizado. O astro inspira uma certa moralidade elevada ao personagem aliado com um desejo humanista imprescindível que fazem com que o personagem seja muito caricato. Talvez o Donovan "real" não seja assim, mas a forte caracterização de Tom Hanks ajuda a dar profundidade ao personagem e relevância aos conflitos.

Apesar de toda a qualidade técnica, o filme deve ser analisado como um retrato histórico. Todo figurino, a maquiagem e a ambientação remetem ao período histórico em questão e contribuem para aumentar o nível de veracidade. Além disso, é um longa que não omite a verdade em nenhum momento e talvez, por isso, configure-se como um dos bons filmes de Guerra Fria da história do cinema. Mesmo sem pesar para nenhum lado, o filme consegue retratar de forma imparcial toda o momento social/econômico/político da época. A trilha sonora é bem utilizada nos momentos chave, dando um toque suave condizente com o conteúdo visual. A aliança de um diretor lendário, dois irmãos escrevendo um roteiro redondo, um ator em sua melhor forma e uma história real comovente fazem com que "Ponte dos Espiões" seja tratado não somente como uma excelente obra de arte, mas também como um importante documento histórico.

Nota: 


- Demolidor

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Crítica de "Perdido em Marte"

Ridley Scott. O diretor britânico, se quisesse, poderia parar de fazer filmes hoje e seria considerado um dos maiores da história. Isso porque ele é responsável por clássicos da ficção científica como "Alien - O Oitavo Passageiro" e "Blade Runner - O Caçador de Androides", além de diversos outros filmes excelentes como "O Gladiador" e "Falcão Negro em Perigo". O problema é que, atualmente, Scott tem se arriscado demais em gêneros desconhecidos e fracassado frequentemente. Um grande exemplo é o filme "Êxodo: Deuses e Reis" que foi um fracasso. Por que, então, o diretor não volta para seu lugar de origem que é a ficção científica? Foi o que ele fez. E ao fazê-lo mostrou que, nesse gênero, ele é difícil de se bater. O filme além de se tratar de uma ficção científica, também se enquadra no gênero de sobrevivência. Isso é arriscado, afinal nos últimos 2 anos o cinema contou com "Gravidade" e "Interestelar", filmes que abordam a ficção científica dessa mesma forma. Mas, "Perdido em Marte" conseguiu ser original e até mesmo superar esses já consagrados clássicos recentes.

O longa conta a história do astronauta Mark Watney (Matt Damon) que é acidentalmente deixado para trás numa missão em Marte. Usando de seus conhecimentos científicos, Mark precisa achar um jeito de se comunicar com a NASA e de garantir sua sobrevivência no "Planeta Vermelho". O grande mérito do roteiro é fugir do convencional. "Gravidade", por exemplo, apesar de ser um espetáculo de direção e efeitos, apresenta um roteiro muito clichê. Uma carga dramática muito intensa e a resolução dos problemas sendo feita sem uma explicação totalmente plausível. Enquanto isso, o novo filme de Ridley Scott dá uma profundidade imensa ao roteiro. Apesar de saber explorar os momentos dramáticos do protagonista, o longa é divertidíssimo. Parece que os roteiristas tiveram a ideia de ver na tragédia algo cômico e isso funciona perfeitamente. Traz um apego imediato ao personagem e em algumas cenas faz o espectador realmente rir. Para se ter uma ideia o filme apresenta referências a "O Senhor dos Anéis". É um filme essencialmente "nerd". Mas esse apego todo só é possível através de uma boa atuação. Afinal, o foco da trama se concentra em apenas um ator. Porém Matt Damon demonstra o grande ator que é. Desde as transformações físicas, as mudanças de semblante, até a leveza na interpretação são dignas de elogio. O ator consegue dar um quê de carismático ao personagem e, sem apelar tanto para o emocional, faz com que o público torça para que dê tudo certo. E isso é outro ponto forte do roteiro. Este é totalmente imprevisível. Existem problemas o tempo inteiro e toda vez parece que vai dar tudo errado. Mas a grandiosidade do "script" está na resolução desses arcos. Tudo que se apresenta no longa é cientificamente aceito e explicado de forma orgânica ao público. Assim, o filme se caracteriza como um grande incentivador da ciência, além de se tratar de uma bela obra de arte. Além disso, as intrigas políticas presentes no filme são muito bem boladas. Se um astronauta ficasse perdido no espaço seria preciso muita habilidade para lidar com as pessoas na Terra e para conseguir ajuda. E o filme explora muito bem esse lado, dando ênfase aos diretores da NASA e à divergência entre eles quanto a determinados assuntos. Devido a esses fatores, o filme configura-se como um retrato totalmente possível de uma realidade futurística.

A direção de Ridley Scott é pontual. Aliado com o roteiro de muitas reviravoltas, a experiência do diretor é essencial. Existem cenas que através do movimento da câmera o espectador se sente claustrofóbico, desesperado ou sozinho. Mas, durante boa parte da sessão, o público fica tenso. Parece que o clímax da história já é apresentado na primeira cena. A partir dali é impossível relaxar durante todo o filme. Mas isso não é uma coisa pesada, pois entre toda essa tensão estão momentos de comicidade e dramaticidade. A forma como Scott consegue balancear todas essas emoções e oferecer um filme extremamente digerível é fantástica. Aliás, o longa apresenta aproximadamente 2 horas e meia de duração, todavia em nenhum momento o espectador se sente entediado. Com um roteiro afiado e uma direção perspicaz, o filme nos introduz naquele universo de tal maneira que esquecemos a vida real. E, afinal, não é esse o papel do cinema? Ridley Scott demonstra que ainda está vivo e nos oferece uma direção que, sem sombra de dúvidas, está dentre as melhores de sua carreira.

Outro grande ponto forte do filme é o elenco coadjuvante. Apesar do tempo para eles ser escasso, enquanto estão na frente das câmeras demonstram os grandes atores que são. Alguns nomes de destaque são Sean Bean, Chiwetel Ejofor, Jeff Daniels, Michael Peña, Kate Mara, dentre muitos outros. Mesmo com Matt Damon dominando o longa, seu elenco de apoio é excelente. O visual de Marte é muito bem explorado. Os efeitos práticos superam os efeitos especiais, então o planeta não é tão artificial. E isso, mais uma vez, contribui para a possível veracidade do longa. A fotografia, por isso, é extremamente bonita, aliada com uma trilha sonora oportuna. Ridley Scott nos presenteia com uma ficção científica/sobrevivência com roteiro afiado, direção eficaz que possivelmente se tornará um clássico do século XXI devido a sua originalidade e sua aproximação com um futuro plausível.

Nota: 

- Demolidor

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Crítica de "Roger Waters The Wall"

Pink Floyd. Uma das bandas mais importantes e influentes do século passado. Tendo início em 1965 na Grã Bretanha, o grupo é responsável por clássicos como "Wish You Were Here" e o icônico álbum "The Wall" (que inclusive possui um documentário). Eis que surge uma turnê de Roger Waters relembrando o álbum "The Wall" e, por conseguinte, um documentário. Este acompanha o show inteiro e conta com entrevistas exclusivas e emocionantes.

Como documentário, o filme é surpreendente. Não é uma produção padronizada (até porque não poderia ser tratando-se de Pink Floyd). O longa não segue uma linearidade. O show é interposto por entrevistas e pensamentos filosóficos de Waters. Isso dá uma dinâmica imprescindível ao filme, principalmente pelo tema das músicas se relacionar com as situações. Aliás, não é possível apreciar a música da banda sem prestar atenção nas letras politizadas e reflexivas que se tornaram símbolo de uma geração revolucionária e subversiva. Isso pode ser analisado até no título do álbum "The Wall". Todas as músicas fazem alusão a essas barreiras imaginárias a quais todos estamos submetidos e que precisamos sair. Aliás, as músicas do álbum acompanham a jornada de um personagem que se relaciona muito com o próprio Roger Waters. Durante o filme, é apresentado o fato de seu pai ter sido morto durante a Segunda Guerra Mundial e como isso o influenciou para seguir o caminho da música. Por meio de suas letras e melodias, Roger procurava transpor o sofrimento pessoal que possuía para o meio exterior. Um ponto interessante do filme é que a direção é de Roger Waters e Sean Evans (nenhum diretor com alguma experiência). Mas isso dá uma naturalidade absurda ao longa. Os momentos de diálogo são de tal imersão que o espectador realmente se vê dentro daquele universo. Por isso o mundo da sétima arte é tão bonito. Não é preciso efeitos especiais ou qualidade técnica para a direção ser boa, basta ser natural e apresentar os enfoques necessário à proposta do filme. E, nesse quesito, o documentário acerta em cheio.

Musicalmente, não há o que falar. São as músicas que todos conhecem (e sabem da qualidade) numa telona e sob um contexto apresentável. O que vale sim ressaltar não está no filme em si, mas no filme que existe dentro do filme (Inception?). A produção do show é tão grandiosa e recheada em efeitos sonoros e visuais que se comparam com uma produção cinematográfica (podendo até superar certos longas). É uma explosão de cores combinada com efeitos sonoros que remetem a aviões e bombas que trazem um quê de psicodélico ao filme. Mas, como poderia ser de outra forma? Pink Floyd tem uma proposta extremamente psicodélica (o símbolo mais famoso é um triângulo e um arco-íris) e é isso que os dá grandiosidade: a originalidade e a inibição de reproduzirem o que sentem. Dessa forma o show se configura como um retrato resumido da banda e isso é motivo de emoção para os fãs. Trata-se de um filme que não estreou em rede nacional, apenas sessões reservadas, contudo vale a pena se programar para assistir. Mesmo se o espectador não for um grande fã, passará a ter mais respeito por esta e apreciará a a produção como uma verdadeira obra de arte. Trata-se de um belo documentário sobre um ótimo show de uma das melhores bandas de todos os tempos.

Nota: 




- Demolidor