domingo, 28 de fevereiro de 2016

Crítica de "O Quarto de Jack"

Como seria a sensação de descobrir o mundo para alguém que somente o viu pela televisão? Alguém que passou toda a sua vida dentro de um quarto, sem contato com a vida exterior? O filme trata exatamente dessas descobertas da realidade na vida de um menino de 5 anos chamado Jack (Jacob Tremblay). Sua mãe Joy (Brie Larson), foi sequestrada com 17 anos e trancafiada num quarto, onde deu luz ao garoto. Ambos eram proibidos de sair do quarto e praticamente só conviviam com um ao outro. Mas, o que o filme tem que chamou tanto a atenção dos espectadores? Primeiramente, o tema central tem uma forte intertextualidade com o mito da caverna de Platão. Mas, sem entrar no viés filosófico, o filme apresenta uma releitura dessa história, mostrando como um menino que não conhece nada do mundo exterior fica maravilhado ao ver coisas simples do cotidiano. E isso serve como uma grande crítica a sociedade atual, visto que, muitas vezes, a cultura extremamente imediatista nos deixa enclausurados em nossos próprios mundinhos, e esquecemos de dar valor as coisas que realmente importam.

O roteiro é de Emma Donoghue, adaptado do livro da própria. É um roteiro muito consistente, apesar de apresentar ritmo lento em certos momentos. Além da intertextualidade evidente já citada, o longa também retoma clássicos da literatura para dialogarem com a ação. "O Conde de Monte Cristo" e "Alice no País das Maravilhas" possuem trechos citados durante o filme que fazem rimas extremamente bem orquestradas. Mas, o que realmente segura o filme, é o desenvolvimento dos personagens e, principalmente, da relação entre eles. O amor entre mãe e filho é muito verossímil, pois o texto consegue apresentar conversas extremamente íntimas, mesmo que não apelem para o clichê. Uma mera conversa ao acordar já é capaz de mostrar ao público a relação de simbiose entre Jack e Joy. E isso tudo só é possível devido aos dois grandes atores principais. Brie Larson está excelente em seu papel, demonstrando uma evolução durante o filme impressionante. Todos os conflitos dá personagem são extremamente bem resolvidos, assim como todas suas angústias e preocupações são bem expressas em tela. Trata-se de uma atuação muito visceral, talvez a melhor de sua carreira até o momento. Mas, o destaque do elenco é o ator mirim Jacob Tremblay. Com apenas 9 anos, Jacob apresenta muito potencial artístico. O menino consegue dar traços ao seu personagem e conduz o filme de uma forma extremamente tranquila, sem exageros em momento algum. Por ser o protagonista da história, muito recai sobre ele, porém a entrega do ator ao personagem é notável.

Sabe quando um diretor não é muito notado durante o filme? Quando ele deixa o egocentrismo de lado e se preocupa mais com a obra do que com a persona por trás dela? Lenny Abrahamson ("Frank") faz exatamente isso. Não é uma direção muito inventiva em relação a planos e enquadramentos, porém o diretor tem um olhar detalhista muito oportuno. As cenas filmadas no quarto, por exemplo, são extremamente bem ambientadas e dão uma sensação nítida de claustrofobia. Além disso, nessas cenas, a fotografia funciona bastante e, como o quarto é muito explorado, o design de produção em cena é extremamente minimalista. Isso contribui para a imersão no filme, pois o ambiente é extremamente crível. Claro, o filme explora muito o drama de sua história, porém este não é muito sensacionalista. A experiência de assistir "O Quarto de Jack" é agradável, principalmente pela mensagem por trás de toda aquela história. A trilha sonora funciona bastante nos momentos de virada do filme, conseguindo acrescentar emoção, tensão e alívio. É isso que uma trilha precisa fazer: servir ao diretor da melhor forma possível. Mesmo com músicas não muito marcantes, o resultado é satisfatório.

O filme é narrado por Jack em alguns momentos. É extremamente tocante ver como são as constatações do menino em relação a suas descobertas. Misturando elementos imaginários e reais, o retrato de Jack do mundo é profundo e extremamente palpável. E, além disso, o filme trata um assunto muito sério: o sequestro. Mesmo não sendo uma história real, sabe-se que essa situação realmente acontece no mundo inteiro. E o filme acerta ao fazer uma denúncia dessa realidade cruel sob o olhar de uma criança. "O Quarto de Jack" é extremamente metafórico e reflexivo, podendo ser considerado um contundente instrumento de denúncia da realidade e motor de transformação social.

Nota: 

- Demolidor

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Crítica de "A Garota Dinamarquesa"


          Filmes que retratam momentos passados são constantemente realizados pela indústria cinematográfica de Hollywood. Ainda mais quando se trata de acontecimentos relevantes para a sociedade atual. Lembrando muito a temática do ótimo "O Jogo da Imitação", "A Garota Dinamarquesa" chega aos cinemas brasileiros com uma história de identidade e descobertas. O filme acompanha a vida do pintor Einar (Eddie Redmayne), que descobre-se mulher e é o primeiro indivíduo a realizar a operação de transgênero. Durante todo esse processo, o pintor é acompanhado por sua esposa Gerda (Alicia Vikander).


Tal projeto ficou nas mãos de Tom Hooper, conhecido por dirigir o drama do rei gago "O Discurso do Rei" e pela adaptação em musical do fenômeno "Os Miseráveis". Aqui, como nas obras citadas, o diretor provê um excelente trabalho de ambientação. A aliança entre um design de produção bem feito e o uso de cenários condizentes reforçam a época em que o filme se passa. Dessa forma, pode-se considerar um bom retrato de época, mesmo que seja "glamourizado" demais. O grande problema do diretor é quando apresenta a câmera em mãos. Trata-se de uma direção muito estática, cuja câmera não flui de acordo com a movimentação dos atores em cena. Ao realizar um trabalho tão competente de ambientação, a obrigação do diretor era passear por aquele cenário, provocando uma espécie de imersão. Porém, aqui, a câmera é extremamente fria e distante, o que prejudica demais a qualidade do filme. Ao final, tem-se a impressão de que estamos assistindo uma novela da Globo, principalmente pela comodidade de Hooper.

O roteiro é de Lucinda Coxon, adaptado do livro de David Ebershoff. É um ponto muito oscilante, pois não consegue apresentar um tom único durante toda a metragem. O desenvolvimento do protagonista até que é bem feito, seus momentos de descoberta são extremamente íntimos, porém a relação entre Einar e Gerda é um pouco superficial. Isso se deve muito ao superestimado Eddie Redmayne que apresenta uma atuação, no mínimo, decepcionante. O ator realizou um ótimo trabalho em "A Teoria de Tudo", mas no filme atual Redmayne apresenta um trabalho extremamente forçado. O excesso de maneirismos e trejeitos do ator prejudicam demais a veracidade da obra, visto que o apego com a história é cada vez menor. Além disso, o roteiro é extremamente monótono em alguns pontos e não dá a relevância necessária a outros. Porém, a única coisa que salva a roteirista, é a apresentação de ideias importantes, como a homofobia e o machismo. Mas, mesmo assim, nas mãos de roteiristas mais experientes, esses temas seriam muito mais alardados e impactantes.

A trilha sonora é melosa demais e extremamente repetitiva. Ela é introduzida em momentos inoportunos e não acrescenta nada em relação a arte do filme. A única coisa realmente boa é a atuação de Alicia Vinkader. Ela consegue ofuscar todos ao seu redor, apresentando um trabalho extremamente maduro e confiante. A grande decepção está no potencial da história e a forma gritante de piora, tanto na direção quanto na atuação de Redmayne. Podemos fazer uma analogia do filme com o recente "Carol", por exemplo. Contudo, a direção de Todd Haynes é infinitamente superior, a dupla de atrizes não apresenta falhas e, mesmo não fazendo criticas importantes, o roteiro consegue ser agradável. "A Garota Dinamarquesa" é um filme lento, desinteressante, com uma série de problemas relacionados a cinematografia, roteiro e elenco. Um assunto tão importante merecia uma obra com maior qualidade artística.

Nota: 

- Demolidor

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Crítica de "O Lobo do Deserto"

O cinema árabe está em crescente expansão, desde o início do milênio. O investimento nas produções está cada vez maior e a qualidade está sendo reconhecida até mesmo pela Academia. Mas, o que o cinema daquela região tem de tão especial? Ora, por ser uma cultura milenar e riquíssima, o cinema do Oriente Médio encontrou um estilo para si: visando retratar a tradição cultural/religiosa da região em oposição com a chegada da modernidade estrangeira através do processo de globalização. "O Lobo do Deserto" (ou "Theeb"), trata um pouco dessa temática sob a forma da jornada de um menino. Theeb é um menino beduíno da época da I Guerra Mundial que precisa partir numa jornada com seu irmão Hussein para servir de guia para um inglês que procura um tesouro romano. A história acompanha esse panorama da Arábia na época; a transição do modo de vida tradicional, das caravelas e camelos à modernidade, sendo representada pela chegada do trem.

O roteiro é escrito por Naji Abu Nowar e Bassel Ghandour. É um trabalho bastante competente, visto que a união entre diversos elementos narrativos tradicionais e metáforas que remetem a uma reconstituição histórica é perfeita. O filme acompanha a história de Theeb, portanto pode-se dizer que é uma espécie de jornada do herói. Alguns arquétipos da jornada são aproveitados, mas o roteiro toma muitas liberdades, principalmente para enaltecer a cultura tradicional árabe. O desenvolvimento do protagonista é pautado na aquisição (e na prática) dos valores que o menino recebe de seu irmão, que serve como uma espécie de mestre na jornada do herói. Theeb, então, passa por diversos conflitos, tanto morais quanto físicos, que são essenciais para sua evolução como personagem. O arco dramático do garoto é perfeito, conseguindo alternar entre os conflitos de forma consciente. Além disso, a principal metáfora do longa se refere à luta entre o antigo com o novo; o arcaico com o tecnológico. Theeb serve para a história como o motor da crítica social, pois como vivia isolado no deserto, não tinha conhecimento das novidades tecnológicas da época. Assim, o protagonista está, também, numa jornada de conhecimento do mundo moderno. E, ao tratar o trem como uma espécie de vilão, o roteiro consegue criar uma identificação com o povo árabe muito grande, visto que o trabalho relacionado a guia de peregrinos está, evidentemente, em extinção. Outro fator que reforça essa ideia é a quantidade de óbitos que a ganância humana promoveu no filme. É visível como todas essas mortes têm ligação estreita com a chegada e o domínio dos estrangeiros.

Dessa forma, pode-se dizer que o filme é arte, no seu mais puro significado: o retrato de um momento histórico sob a visão de alguém que faz parte daquela cultura. E, isso, o diretor Naji Abu Nowar consegue captar muito bem. Nota-se que a direção do filme é totalmente focada no protagonista. Na verdade, não nele, mas em sua visão sobre os acontecimentos. A câmera frequentemente assume o papel de 1° pessoa para demonstrar a visão do menino. Além disso, existem muitos closes nos pés do garoto, demonstrando sua caminhada, entre descobertas e aquisição de valores. O único problema da direção é o fato do longa ser um pouco lento. Mesmo com aproximadamente 90 minutos de duração, o filme consegue se arrastar por alguns momentos. Uma montagem mais rápida e ágil ajudaria em um apego ainda maior com a história. A fotografia, porém, está perfeita. O diretor de fotografia consegue capturar perfeitamente todo aquele ambiente de deserto e usa um artifício muito comum: a insignificância do homem perante a natureza retratada através do contraste entre a vastidão do deserto e a pequenez de Theeb. Outro contraste visual muito importante é entre o trilho do trem e o deserto. Existe uma cena extremamente reflexiva onde a câmera começa mostrando o trilho do trem e se afasta gradativamente até mostrar o trilho sendo engolido pelo deserto. Ou seja, mesmo depois de tudo que o filme mostra de problemático da modernidade, o diretor ainda afirma visualmente que é impossível ganhar da natureza.

A trilha sonora cumpre um papel importante, ainda mais por trazer músicas árabes que ajudam na identificação com o espaço. Além disso, existem algumas canções cantadas pelos personagens, cujas letras remetem ao próprio filme, numa espécie de metalinguagem. É muito interessante essa visão que o filme passa, pois nem todas as ações de Theeb são consideradas éticas. Mas, com essa abordagem, o diretor mostra que muitas vezes, os valores culturais devem transcender aquilo não é inerente ao espaço. Assim, o diretor se mostra inabilitado para fazer qualquer crítica comportamental, pois na visão dele, nenhum valor cultural pode ser considerado "errado". Os atores também estão muito bem. O garoto é interpretado por Jacir Eid Al-Hwietat. Assim como o personagem, o ator mirim se desenvolve com o passar do tempo. Inicialmente vemos um menino um tanto quanto inseguro que se transforma em (literalmente) um lobo, dono de seu próprio destino. Não é uma atuação extraordinária, mas cumpre com a proposta da narrativa. O destaque do elenco é Hassan Mutlag Al-Maraiyeh que provê uma atuação que faz com que o público duvide dos interesses de seu personagem, hora ele é vilão, hora é um ajudante. "Theeb" é um excelente retrato cultural que mostra que o cinema jordânico pode ter muita força. Apresenta a jornada de um herói incomum, usando de metáforas para apresentar o intenso choque cultural, extremamente criticado pela obra, através de direção consciente e roteiro engajado.

Nota: 



- Demolidor

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Crítica de "Brooklyn"

Histórias de imigrantes em Nova York são constantemente aproveitadas por Hollywood. Vide o clássico segundo filme da trilogia "O Poderoso Chefão" que trata exatamente sobre esse tema. Porém, lá, o interesse era em demonstrar os italianos e principalmente a Cosa Nostra. Em 2015, o diretor irlandês John Crowley busca prover uma apresentação pessoal sobre esse fenômeno migratório, adaptando o romance de Colm Tóibín em um filme não-comercial. A história acompanha Eilis (Saoirse Ronan), uma irlandesa frustrada com a sua vida na terra natal e que busca na "América" uma melhora em seu estilo de vida, tanto profissional quanto pessoal. Lá, a jovem mora em uma pensão no Brooklyn (local que era comum a chegada de imigrantes irlandeses), onde viva uma intensa paixão que pode mudar sua vida. O longa recebeu 3 indicações ao Oscar (filme, roteiro adaptado e atriz principal), além de ter sido premiado no Festival de Sundance. Trata-se de um retrato bem diferente da situação do imigrante nos EUA. Através do olhar intimista do diretor, o longa consegue atravessar os diferentes momentos da vida de alguém que saiu de casa: o estranhamento inicial aliado com a saudade, a descoberta de novas realidades e pessoas e o começo da relação empática com o novo espaço. Através de uma direção bastante detalhista, alternando entre planos fechados para mostrar solidão e abertos para mostrar uma espécie de aconchego, Crowley utiliza bastante do cenário a seu favor. Mas, mesmo assim, os atores são extremamente bem dirigidos e a cena é muito bem composta visualmente. Aliás, o diretor provê metáforas visuais belíssimas que dialogam com a proposta do filme, através do uso de cores diferentes e opções de fotografia.

Fotografia essa que se assemelha muito com a do filme "Carol", mas aqui está mais bem realizada. Afinal, desde a primeira cena, a paleta usada no filme já remete a um tempo passado. Aliados a isso, estão a maquiagem e o figurino que estão perfeitamente condizentes com a época em que a narrativa se passa. Tudo isso é fruto de um design de produção minimalista que, mesmo sem exagerar, consegue prover um visual bastante limpo e agradável. Agradável. Talvez essa seja a palavra-chave do filme. O roteiro adaptado por Nick Hornby ("Livre") consegue apresentar um ritmo perfeito que nunca é rápido demais como "A Grande Aposta" nem lento como "O Regresso". Ele consegue oscilar bem entre os momentos dramáticos, felizes, de descoberta, etc. O drama do filme é extremamente bem construído, visto que é muito humano. E não, um drama ser humano, não é um pleonasmo vicioso. Muitos filmes americanos tem a mania de exagerar nos momentos dramáticos para promover uma catarse no final. Isso funciona muito bem em algumas obras, realmente, mas cria-se uma espécie de distanciamento entre o público e a história que prejudica a narrativa. "Brooklyn" não segue por esse lado e, apesar de apresentar bons contornos dramáticos, estes são extremamente bem escritos e principalmente interpretados.

Saoirse Ronan é a grande surpresa do elenco. Americana, filha de pais irlandeses, a atriz promove uma identificação grandiosa com o espectador. Sua atuação apresenta carisma, além de enorme capacidade de inspirar os sentimentos nas horas certeiras. É visível como cada olhar da atriz tem um significado especial e como ela consegue demonstrar suas emoções, muitas vezes, sem precisar de palavras. Outro destaque do elenco é Domhnall Gleeson que tem se mostrado um ator extremamente versátil e que tem escolhido excelentes trabalhos. Basta lembrar que em 2015 (além do filme em questão) o ator teve seu papel em "Star Wars: O Despertar da Força", "Ex-Machina: Instinto Artificial", além do também oscarizado "O Regresso". Aqui Gleeson não possui um papel muito grandioso, mas é essencial para o conflito final da protagonista, inspirando um sentimento necessário à narrativa. Um ponto fraco do elenco, porém, é Emory Cohen, que faz o par romântico principal. O ator não inspira veracidade alguma, além de apresentar uma dicção fraca que tira um pouco o charme da história.

A trilha sonora é um pouco decepcionante. Não pela qualidade, mas pela ausência nos momentos cruciais. Ora, o filme começa com uma melodia extremamente suave e doce, porém ela é praticamente esquecida durante o filme todo. Falta um tema recorrente que ajude a dar esse tom agradável tão comentado. A montagem é excelente, assim como a edição. É visível como a mensagem passada é completa e toda cena tem seu valor. Além disso, os cortes são bastante naturais e o diretor sabe fazer bom uso das tomadas. É visível o baixo orçamento do longa, mas mesmo assim Crowley consegue utilizar artifícios interessantes para enquadramento e movimentação de câmera. Muitas vezes, em uma cena, o foco é capaz de pegar mais de um plano. É algo muito difícil de se fazer, principalmente pela confusão visual que pode causar. Mas, aqui, é realizado com extrema delicadeza e consegue passar o contraste visual de iluminação desejado. Longe do que Tarantino fez em "Os Oito Odiados", mas funcional. "Brooklyn" é um filme extremamente charmoso que, através de design de produção fantástico e ritmo agradável, consegue prover uma interessante visão da vida de uma imigrante, sob os olhos de um competente diretor irlandês.

Nota: 


- Demolidor

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Crítica de "Deadpool"

Deadpool é um personagem relativamente novo criado no universo dos mutantes da Marvel. Teve sua primeira aparição na história "New Mutants #98" em 1991. Inicialmente, tratava-se de uma paródia do personagem Exterminador da DC, mas Deadpool se tornou rapidamente um ícone das histórias em quadrinhos. Pelo seu jeito não-convencional de lidar com o mundo dos super-heróis, não hesitando em matar, usando o recurso de quebrar a quarta parede para interagir com o leitor e seu humor "politicamente incorreto", o personagem foi um quebrador de paradigmas. Nos cinemas, teve sua aparição no pífio "X-Men - Origens Wolverine" sendo interpretado pelo até então odiado Ryan Reynolds (que também já tinha estragado o personagem Lanterna Verde). Uns anos atrás, porém, o ator divulgou um teaser que vendeu a ideia do novo filme. A FOX acreditou no projeto e deu nas mãos dos roteiristas de "Zumbilândia". E o filme já começou acertando na divulgação: os trailers eram recheados de ação e piadas hilárias, vários cartazes e teasers promocionais satirizavam outras obras do cinema e até mesmo o próprio Deadpool. Via-se claramente que a essência do personagem parecia ter sido captada. E essa essência já é demonstrada na primeira cena do filme.

Trata-se de uma cena de ação em câmera leta com muitas mortes extremamente escatológicas e com a inserção dos comentários do protagonista. Ali o filme já mostrou para o que veio: ser uma grande sátira ao mercado de filmes de super-heróis. E é por isso que o longa é tão incrível e não pode ser julgado como uma obra qualquer; apesar do roteiro apresentar algumas conveniências e personagens clichês, essas opções são arquitetadas desde o princípio. O vilão britânico recorrente nessas obras é satirizado no plano inicial. E é essa a grande sacada do roteiro. Ele apresenta o filme da forma como seria se fosse superficial e barato, mas no fundo vê-se o recurso da ironia sendo usado com maestria. Escrito por Rhett Reese e Paul Wernick, o roteiro também apresenta um ponto forte nas piadas. Fazia tempo que um filme americano não provocava tantas risadas em um cinema lotado. Isso se deve ao fato de Deadpool não perdoar ninguém: ele zoa a FOX, a Marvel, Hugh Jackman e o próprio astro Ryan Reynolds. Usando do recurso de quebrar a quarta parede frequentemente (assim como nos quadrinhos), o personagem faz com que o espectador se sinta um intruso na história e a identificação é praticamente instantânea, mesmo que seus atos sejam moralmente duvidosos. Resumindo: além de apresentar alívios cômicos memoráveis, o filme dá uma aula de construção de um anti-herói da melhor forma possível. Se "Guardiões da Galáxia" havia sido grandioso por seu tom cômico, "Deadpool" faz tal obra parecer um filme sério qualquer. Trata-se da adaptação definitiva de uma história em quadrinhos.

A direção de Tim Miller é bastante competente. O diretor inicia o filme com um plano-sequência extremamente bem realizado, focando nos detalhes da cena que provocam humor, ao mesmo tempo que dá uma apresentação concisa do universo da história. Além disso, as cenas de ação do longa são bem filmadas e coreografadas, visto que a movimentação é muito fluida e verossímil. O uso de câmera lenta é feito na medida ideal e a inserção da trilha sonora é genial. Para se ter uma ideia, apenas com a música o filme consegue fazer rir. O carisma de Ryan Reynolds é comprovado aqui. Finalmente o ator teve sua redenção. Logicamente não pode-se dizer que Reynolds é um ator excelente, mas como Deadpool serviu perfeitamente. Outro ponto forte é o fato de que a história não é linear e isso já o diferencia de muitos filmes de origem. Através de flash-backs onde o próprio protagonista descreve a história, o longa vai apresentando os fatos que se desencadeiam até chegar em tal ponto da história. E essa transição é feita de uma forma muito dinâmica, visto que o interesse do espectador é sempre alto no desenrolar dos fatos.

Mas, "Deadpool" não é um filme fácil. Para amantes de cinema artístico não é uma boa pedida. Cenas extremamente violentas, piadas sujas e uma história genérica. Mas, para quem conhece o personagem dos quadrinhos ou gosta do universo cinematográfico dos heróis, é uma grata surpresa. O filme consegue divertir do início ao fim, através de piadas que fazem referência a muitos elementos da cultura POP. Afinal, Deadpool é um ícone das histórias em quadrinhos, pela sua rebeldia e por seu momento em que foi criado, onde o "politicamente incorreto" estava em alta. E, em 2016, somos presenteados com uma obra que capta a real essência do personagem. "Deadpool" é a adaptação definitiva do mundo de um herói para o cinema, mesmo que o protagonista não seja heroico. Palavras dele, não minhas.

Nota: 

- Demolidor

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Crítica de "O Regresso"

Depois do diretor mexicano Alejandro G. Iñárritu faturar o Oscar de melhor filme e diretor por "Birdman", criou-se uma enorme expectativa sobre sua próxima obra. Ainda mais quando anunciou-se a protagonização de Leonardo DiCaprio. A união do premiadíssimo com o renegado. Porém, "O Regresso" foi um filme difícil de ser realizado devido a diversos fatores. O clima hostil da região em que foi filmado, o excesso de perfeccionismo do diretor ao exigir o uso de luz natural durante todo o filme, a demora com a realização dos efeitos especiais, dentre outros. Além disso, ironicamente, os atores tiveram que fazer sacrifícios em prol do longa. DiCaprio (vegetariano assumido) teve que comer fígado cru para ajudar na veracidade da cena. Além disso, Tom Hardy recusou um papel de importância em "Esquadrão Suicida" para concluir as filmagens. Mas, será que todo esse esforço valeu a pena? O filme conta a história de Hugh Glass (DiCaprio), um explorador que é deixado para trás após ser atacado por um grande urso. Acompanha-se então a sua saga por sobrevivência e por vingança àqueles que arruinaram sua vida.

O roteiro, primeiramente, é muito ousado. Inicialmente, tem-se a impressão de que falta camadas nos personagens, que o desenvolvimento é muito superficial. Mas, com o decorrer do filme, a verdadeira mensagem que ele propõe revela que tal desenvolvimento não é importante. O foco do roteiro não é o excesso de sentimentalismo; mas sim retratar a essência da natureza humana. Em vez de se preocupar com dar profundidade aos sentimentos do protagonista, o filme provê uma identidade suja, sofrível através de um desenvolvimento mais físico do que emocional. Todo esse desenvolvimento só é possível, é claro, devido a grande atuação de Leo. Trata-se de um trabalho admirável, tanto pelo esforço físico nítido, quanto pelo trabalho de expressões corporais que é extremamente verossímil. Não é o melhor trabalho de sua carreira, mas DiCaprio mantém um bom nível de atuação e segue como forte candidato ao seu sonhado Oscar. O interessante do roteiro também é a miscigenação de gêneros. O filme não se preocupa em tratar-se apenas de um relato de um sobrevivente, mas faz diversas experimentações inventivas quanto à linguagem cinematográfica. Existem muitos elementos do gênero épico (muitas coisas até de Homero), suspense, faroeste e até mesmo drama familiar. Mas, o fator que torna o longa diferente de qualquer outro filme de sobrevivência, é a preocupação com o desenvolvimento do ser humano perante ao meio ambiente. Através de metáforas visuais, o roteiro de Iñárritu com Mark L. Smith consegue idealizar uma visão do que seria essa identidade humana tão falada, apresentando uma face mais selvagem do protagonista. O filme também é bastante impactante em relação a críticas implícitas ao modelo americano de civilização, visto que existe um diálogo fantástico que mostra que na verdade, a terra é dos índios. Por isso, trata-se de uma obra tão corajosa. O mexicano consegue desenvolver uma história extremamente humana, ao mesmo tempo que critica um sistema totalmente anti-humano. A genialidade de um roteirista está na capacidade de juntar elementos contrários em prol da narrativa. E isso, Iñárritu executa com maestria.

A direção, que também é de Iñárritu, é um dos pontos fortes. Os consagrados planos sequência de "Birdman" estão de volta, mas agora são mais limitados. Mesmo assim, quando esse recurso é utilizado, as cenas são espetaculares. A movimentação de câmera é impressionante e o diretor consegue abranger todo o ambiente da cena ao mesmo tempo que extrai o melhor das atuações de seu elenco. Aliás, a ambientação é excelente. É visível como o longa foi realmente filmado lá e como o diretor consegue imergir todo o público naquele universo glacial. Através de uma direção consolidada, Iñárritu dá ao filme um clima frio, invernal que segue a narrativa o tempo inteiro. É visível o modo como a ambientação e o cenário servem para o tom que o filme apresenta. Além disso, a trilha sonora nervosa e a mixagem de som precisa são essenciais para, mais uma vez, engrandecer todo o trabalho técnico. A fotografia do longa é exuberante e lembra muito "Os Oito Odiados". Mas, aqui, o diretor faz uso diversas vezes de planos abertos que dão ênfase ao meio ambiente sobre o homem. Além de apresentarem um sub-texto bastante significativo, essas cenas dão uma beleza natural imprescindível ao longa, e são dignas de papel de parede.

Os efeitos visuais são impressionantes. Vale ressaltar que o urso foi inteiramente feito por computação gráfica. Além de ser muito bem renderizado, a organização espacial da cena é perfeita. A direção consegue criar um clima extremamente apreensivo e importante para o desenvolvimento do enredo. O elenco de apoio também está muito bem. Domhnall Gleeson participa bem de suas cenas, mostrando versatilidade e imposição. Tom Hardy impressiona com a melhor interpretação de sua carreira. Mesmo com seu visível problema de dicção, o personagem dado a ele se encaixa perfeitamente com os seus trejeitos. Trata-se do "vilão" do filme, mas o personagem pode ser analisado como um vértice relacionado à obsessão humana. Aliás, seguindo por esse lado, cada personagem pode representar alguma característica inerente ao homem. E é essa profundidade que torna o filme tão especial.  Não deve ser visto só com os olhos, mas com a mente. Mesmo não querendo ser sentimental, o filme emociona. Mesmo DiCaprio não tendo muitas falas, apresenta uma atuação essencial. E, com toda a suposta falta de ambição que o filme inspira, ele se prova o contrário: uma obra grandiloquente que se caracteriza por um profundo estudo da identidade humana através de uma história extremamente bem dirigida e com o elenco ideal para tal estudo antropológico.


Nota: 


- Demolidor

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Crítica de "Anomalisa"

Sabe quando o título do filme dialoga perfeitamente com o seu conteúdo? "Anomalisa" é um clássico exemplo disso; quando o espectador sai da sala de cinema ele realmente vê o verdadeiro significado do título. Isso se deve a uma construção de roteiro bem feita que é extremamente coerente do início ao fim. O filme animado conta a história de Michael Stone, um palestrante motivacional desiludido que encontra a personagem Lisa em um hotel e começa a tentar entender os significados verdadeiros do amor. O título faz uma composição por aglutinação com a palavra "anomalia" com o nome "Lisa". E o motivo de ser tão brilhante é o fato do título ser extremamente autorreferencial. Ora, a animação pode ser considerada uma anomalia, visto que não se vê cinema de gênero desse tipo tão frequentemente. Tratando-se de uma animação, era esperado um espécie de positivismo implícito no longa. Todavia, "Anomalisa" faz questão de desmistificar o significado de animações, e mostra que pode contar um drama existencial de forma sucinta, mas instigante.

O roteiro é escrito por Charlie Kaufman, responsável pelo clássico "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças". É evidente a visão do roteirista sobre o ideal do amor e como todos os clichês românticos são desmistificados aqui. Um recurso interessante usado é o fato de todos os personagens (inclusive mulheres) possuirem um tom de voz muito parecido para o protagonista. Isso faz com que pareça que Michael é desgostoso com a vida e é cansado de uma realidade tão monótona e sem surpresas. Eis que surge a personagem Lisa que o encanta profundamente, principalmente por apresentar um timbre de voz diferenciado. Até aí, mesmo que a ideia seja inovadora, a história estava tomando um rumo previsível. Uma espécie de amor idealizado estava surgindo. Porém, a grande sacada do roteiro, é desmistificar (mais uma vez) a ideia de "alma gêmea". Logo depois do primeiro contato, Lisa vai passando a ter uma voz parecida com a dos outros. E é aí que o escritor tem seu brilhantismo: apresentar que tal ideia de amor perfeito é falha e que a verdadeira felicidade está na capacidade de conciliar relacionamentos, mesmo que monótonos. Afinal, o amor só existe quando existe uma empatia entre o casal, e não por uma paixão momentânea. Tudo bem, é uma visão um pouco pessimista desse sentimento. Mas, é importante que a ideia de Kaufman seja passada, pois assim nós mesmos podemos tirar nossas próprias conclusões sobre o conceito. Esse é o grande mérito do filme: através de metáforas mexer com os ideais do espectador e fazer com que cada um teça seu próprio ponto de vista sobre este sentimento.

A direção é de Kaufman em parceria com Duke Johnson. Trata-se de um trabalho bem competente, visto que o uso do paradoxo é muito bem feito. No início do filme, somos apresentados a um mundo extremamente caricato e com movimentação extremamente artificial. É uma estratégia do diretor de mostrar que claramente trata-se de uma animação. Mas, o que torna o filme tão diferente, é o fato de que com o decorrer do longa, o fato de ser uma animação é simplesmente ignorado. Os conflitos do protagonista são tão introspectivos e tão humanos que realmente imaginamos um ator interpretando toda aquela dúvida e emoção. E é por isso que a direção é tão paradoxal: ao mesmo tempo que o apelo visual ao aspecto animado é forte, a construção dos elementos narrativos é muito humana. Tudo isso remete, novamente, ao fato de ser uma anomalia. Um filme extremamente ousado, que usa e abusa da criatividade para novas experimentações de gênero e estruturas cinematográficas.

O grande fator que faz com que o filme deve ser visto é a inteligência. O espectador é tratado de forma respeitosa e o roteiro não é insinuativo demais. Dessa forma, o público pode tirar suas próprias conclusões sobre o significado das metáforas. E é isso que engrandece tanto o cinema: o fato de cada um ter uma visão diferente e, tratando-se de arte, uma perspectiva sobre o mundo diferenciada. Ninguém é obrigado a ter a mesma opinião sobre amor. E "Anomalisa" preza muito por isso, pois apesar de apresentar seus ideais, mostra que não são valores absolutos. Cada um pode tirar sua própria conclusão, de acordo, também, com sua própria experiência pessoal. "Anomalisa" é um filme que faz jus ao nome, por ser irreverente, metafórico, paradoxal, além de extremamente íntimo e reflexivo.

Nota: 

- Demolidor

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Crítica de "Trumbo - Lista Negra"

A indústria cinematográfica hollywoodiana está cada vez mais mudada. Era inimaginável anos atrás uma biografia sobre um escritor dito comunista entrar em cartaz nas telonas americanas. Mas, esse dia chegou. A história acompanha o roteirista Dalton Trumbo, vencedor de 2 Oscar e escritor de clássicos como "Spartacus" e "Papillon". Mas, o grande motivo do filme existir, é o fato de que Trumbo foi acusado comunista e preso por isso. O longa, além de acompanhar a vida profissional do roteirista, também explora seu lado político e seus ideais de esquerda que o levaram a prisão. A escolha da história de Trumbo é acertada por dois importantes aspectos: a apresentação de uma realidade histórica extremamente conservadora e preconceituosa, visto que, na época, a opinião política definia o sucesso de alguém; e a demonstração dos bastidores de Hollywood, que poucos filmes atuais têm a preocupação de o fazer. Trata-se de um importante estudo metalinguístico da sétima arte, apresentando seus vértices nos grandes estúdios de cinema e em atores renomados como John Wayne e Kirk Douglas.

O roteiro do filme é escrito por John McNamara, adaptado do livro de Bruce Cook. Ironicamente, é um dos pontos fortes do filme. A apresentação do universo cinematográfico é excelente. O trabalho do roteirista, a relação dele com os produtores e diretores, tudo isso é muito bem explorado. Dessa forma, serve como uma espécie de "documentário" sobre os bastidores de grandes obras. Principalmente para quem conhece os filmes a que se referem, o filme tem um quê a mais. Além disso, a posição política de Trumbo é muito bem acentuada e de certa forma, caricata ao extremo. Isso serve como uma crítica a sociedade americana da época, visto que os direitos de liberdade de expressão e opinião eram violados. Nesse cunho político, o grande mérito do longa é não demonizar o lado capitalista, mas sim as atitudes daqueles que encaravam certos roteiristas como a "ameaça comunista". Percebe-se, porém, que o filme tem uma leve inclinação para o cunho esquerdista, mostrando ideais políticos através de diálogos entre o protagonista e sua filha. Isso tira um pouco a veracidade da obra, visto que toma (mesmo que um pouco) um lado como certo. E esse fato desencadeia no grande ponto fraco do roteiro: o endeusamento do personagem principal. Mesmo que, em alguns momentos o filme mostre desentendimentos familiares, Trumbo é essencialmente um herói. E é isso que torna a cinebiografia comum; ela não sai do estereótipo de tratar a pessoa representada como superior. Enquanto "Steve Jobs", por exemplo, tratava seu protagonista com um certo desdém, "Trumbo" trata o seu com uma admiração exorbitante. Isso tira um pouco a autenticidade da obra, visto que nem um ser humano é tão perfeito assim.

A direção é de Jay Roach, diretor conhecido por comédias como "Entrando numa Fria" e "Austin Powers". Trata-se de seu trabalho mais "sério", no sentido literal da palavra. O diretor tem a capacidade de realizar um trabalho decente, mas que não é memorável. As tomadas usadas não são inovadoras e a direção em si não é muito notada. Mas, tendo em vista a contundência da história, isso configura-se como um ponto positivo. Roach não apresenta a vaidade de demonstrar seu trabalho através de planos memoráveis, ele simplesmente se preocupa em dar um bom encaminhamento para a história. E isso, consegue realizar perfeitamente. A montagem do filme é bem feita, assim como a edição. Todas as cenas apresentam o tom necessário à história e acrescentam alguma coisa para o produto final. O elenco está fantástico. Bryan Cranston demonstra que pode interpretar personagens "reais" com o mesmo brilhantismo que interpretou o icônico Heisenberg. Ele apresenta uma atuação extremamente passional e competente, porém é prejudicado pelos excessos do roteiro. O elenco de apoio também está fantástico, com destaque ao sempre cômico John Goodman e ao talento inesgotável de Helen Mirren.

"Trumbo - Lista Negra" é um filme que precisa ser assistido. A história de Dalton é extremamente cinematográfica, em todos os sentidos da palavra. Talvez por ser um personagem tão controverso, a Academia não reconheceu o longa da forma que deveria. Como cinebiografia, trata-se de uma obra bem feita em todos os seus aspectos. As únicas ressalvas estão nos excessos de roteiro, tanto em relação ao posicionamento político quanto ao apelo em demasia à figura heroica do protagonista. A grande pena é que a história tinha tudo para prover um filme não convencional, subversivo. Porém, em termos narrativos, o roteiro não apresentou coragem suficiente para sair da mesmice de Hollywood, mesmo que o personagem retratado não se enquadre nesse perfil. O filme serve como uma bela homenagem a genialidade da escrita do roteirista, porém através de excessos no roteiro, entra numa zona de conforto perigosa e, como biografia, não apresenta nada de novo ao mercado, apesar de ser uma obra que precisa ser assistida pela importância do protagonista e pela crítica ao cinema conservador americano.

Nota: 

- Demolidor

domingo, 24 de janeiro de 2016

Crítica de "Joy: O Nome do Sucesso"

Jennifer Lawrence é a queridinha do momento. A estrela da série "Jogos Vorazes" vem se consolidando cada vez mais no cinema mainstream norte-americano, até mesmo com indicações recorrentes ao Oscar. A maioria dessas indicações provem de trabalhos com o diretor David O. Russell. Parece que Russell encontrou um jeito próprio de fazer seus filmes, que dá certo em algumas ocasiões como em "O Lado Bom da Vida", mas não é tão certeiro em outros como o atual. O elenco sempre possui os mesmos atores de sempre: Bradley Cooper, Robert DeNiro, além da já citada "JLaw". O filme conta a história de Joy (Jennifer Lawrence), uma dona de casa fracassada que tem a ideia de um novo esfregão e corre atrás de vender sua invenção. Trata-se da típica história de superação que o americano tanto gosta, com alguém vindo do nada e, se tornando um sucesso. Mas, o traço de Russell é visível aqui;  o jeito que ele dá leveza a história, uma comicidade oportuna, além de personagens caricatos que, mesmo clichês, contribuem para a narrativa.

O roteiro (também escrito por Russell) apresenta altos e baixos. Se por um lado existe esse tom mais leve que o filme tenta demonstrar, as vezes o filme torna-se cansativo. A história toma tantas proporções inesperadas que o sofrimento da protagonista se repete demais. Sim, o desenvolvimento da personagem é bem feito, mas não existe uma camada tão profunda assim. A atriz até está bem no papel principal, porém não é uma atuação tão louvável. Jennifer Lawrence já apresentou trabalhos muito melhores do que esse. Talvez o grande problema seja o fato dela ser muita nova para tamanha interpretação. Ora, o filme dá a impressão de que Joy tem lá seus 40 anos, e não os 25 da atriz. O trabalho dela está longe de ser considerado fraco, mas existem algumas cenas que é visível seu esforço para apresentar uma maior maturidade. Lawrence é a melhor atriz jovem de Hollywood e seu potencial deveria ser mais bem explorado com filmes que condizem com sua feição. Provavelmente se Russell tivesse segurado o projeto por mais tempo, seria mais relevante. Mas, apesar disso, a história em si é muito interessante. Pode-se dizer que é clichê, mas muitas vezes a realidade realmente apresenta coisas desse jeito. A mensagem que o filme tenta passar é muito bonita: não devemos desistir de nossas convicções, além de apresentar uma bela inspiração em termos de empreendedorismo. Mas, "À Procura da Felicidade", por exemplo, já explorou tal tema de forma, até mesmo, superior.

A direção do filme é muito boa. Russell tem uma mão oportuna para diálogos familiares: a câmera flui muito bem dentro da casa e o diretor extrai ao máximo de seus atores. Robert DeNiro interpreta um personagem que serve como alívio cômico que serve muito bem à história. O destaque do elenco é Édgar Ramírez, que apresenta uma química muito boa com a protagonista. Aliás, as relações exploradas no filme são muito divertidas. O ambiente criado em torno da casa de Joy é de certa forma acolhedor, o que torna o espectador realmente interessado no rumo que a história vai tomar. Nesse quesito, em relação ao bom desenvolvimento da atmosfera do filme, lembra-se muito "O Lado bom da Vida". A grande diferença, porém, está na montagem. "Joy" apresenta cenas em demasia e ritmo lento em certos momentos, que prejudicam o filme como um todo. Apesar da luta da protagonista ser deveras impactante, o roteiro cai numa fórmula "hollywoodiana", tornando-se um filme previsível. Mas, mesmo previsível, o longa apresenta alguns momentos de tensão interessantes e o arco dramático da protagonista é bem resolvido. Pode-se dizer que "Joy" é um filme contrastante, pois apresenta bons elementos em todas as categorias cinematográficas (direção, elenco, roteiro, etc), mas em todas elas erros ocorrem. Talvez seja por isso que o filme não consegue cativar tanto o espectador, que na hora da sessão até se diverte, mas que esquecerá seu propósito depois de algum tempo. Surpreendentemente, David O. Russell apresenta um filme sem muita identidade e precisão, que apresenta elementos bons, mas execução vaga, apesar de apresentar o traço familiar do diretor.

A trilha sonora é boa, mas não é marcante e nem muito atuante. Aparece em alguns momentos oportunos, mas também falta em alguns. A presença de Bradley Cooper é totalmente desnecessária. Não pelo fato do ator trabalhar mal, mas sim porque seu personagem é completamente irrelevante para a história. Parece que a convocação de Cooper foi só para manter a tradição dele aparecer em todos filmes de Russell. O filme é bom, mas não apresentada nada de inovador e marcante que fique na cabeça do espectador. Trata-se de uma pequena decepção, pois David O. Russell, normalmente apresenta uma pegada mais original e instigante, capaz de emocionar e divertir. "Joy" é um filme divertido que apresenta uma história interessante, mas cai num padrão hollywoodiano e não apresenta nada que seja memorável.

Nota: 

- Demolidor

sábado, 23 de janeiro de 2016

Crítica de "Cinco Graças"

Um dos papéis essenciais da arte é o de retratar a sociedade. Um dos preceitos básicos do porquê da arte existir é demonstrar determinada realidade sob o ponto de vista de quem participa dela. O cinema, como arte, também tem esse papel. E é isso que o filme "Mustang" apresenta. Dirigido pela turca Deniz Gamze Ergüven, o filme retrata a história de cinco irmãs que vivem em um pequeno vilarejo onde são submetidas a ordens o tempo inteiro. Elas não tem o direito de escolha, liberdade, tampouco podem apresentar opinião própria. Dessa forma, o filme traz uma crítica contundente à sociedade machista do Oriente Médio. É visível como as meninas são castigadas por coisas consideradas normais por nós do Ocidente e como a sociedade turca tradicional subjuga a figura da mulher. Trata-se de uma obra que clama por liberdade de expressão, pelo direito de ir e vir das mulheres, pelo simples direito de poder escolher com quem casar. Dessa forma, o filme não pode ser analisado apenas com seus atributos cinematográficos. Trata-se de uma obra importante de denúncia a realidade e incentivadora de mudança de realidade.

O roteiro é escrito pela diretora em parceria com Alice Winocour. A dupla apresenta uma história cativante, mesmo sem muitos diálogos e em espaço limitado. O grande mérito do roteiro é a já citada crítica social importante. É visível como as meninas apresentam ideais de liberdade, amores próprios, mas são sempre reprimidas. As roteiristas conseguem inspirar um sentimento repugnante quanto ao tratamento que elas recebem e o espectador se vê torcendo para o sucesso das personagens principais. Aliás, o desenvolvimento das cinco irmãs é sensacional. As personagens individualmente não são muito exploradas, mas a relação entre elas é excelente. Parece que o filme tem o zelo de retratar elas como um grupo divergente e se preocupa em desenvolver a relação entre elas. É visível como os ideais que elas apresentam sobre como o mundo ao redor delas é opressor é apresentado de forma explícita. Além disso, a direção de Deniz é muito competente nesse cunho social. Existem muitos planos fechados que remetem a uma ideia de claustrofobia, além de muitas cenas com grades por todos os lados. Trata-se de um apelo visual muito grande, considerando a temática que o filme inspira que rima com as tomadas que lembram realmente uma prisão.

Mas, o mais interessante do filme, é a discussão que promove. Pode-se dizer que é um filme extremamente necessário para demonstrar que, em algumas sociedades do mundo, as mulheres ainda sofrem tratamentos patriarcais totalmente arcaicos. Isso promove uma indignação do público muito grande e o filme consegue relacionar bem todos aspectos, tanto culturais quanto religiosos, que promovem esse tipo de tratamento. A diretora consegue mostrar que mesmo sendo a cultura dela, trata-se de algo inimaginável. Através de roteiro e direção contundentes, Deniz prega por uma liberdade imprescindível. Quando fala-se sobre a situação das mulheres no Oriente, normalmente é uma informação muito superficial e nunca realmente pensamos naquela realidade. Mas, "Cinco Graças", com uma leveza e sutileza impressionantes, consegue denunciar tamanha opressão, apresentando bonitos ideais. As atuações mirins estão fantásticas, trata-se de um elenco muito forte. Ayberk Pekcan interpreta o tio autoritário que representa todo o poder dos homens naquela sociedade. Trata-se de uma atuação visceral que inspira muito desgosto quanto a seu personagem, o que resulta de um mérito do ator.

A trilha sonora é fantástica. Consegue combinar muito bem com o ritmo do filme, apresentando uma melodia suave e triste, condizentes com cada cena. Além disso, a montagem e a edição merecem destaque. O longa tem o número necessário de minutos para contar sua história; não existe nenhuma cena inútil para a proposta do roteiro. O estilo de Deniz é bem próprio; lembra muito o cinema europeu mais introspectivo e pessoal misturado com uma crítica social muito presente no cinema iraniano, por exemplo. Dessa forma, a diretora cria uma estilo próprio que acrescenta muito à obra, dando relevância tanto artisticamente, quanto como estudo antropológico. O filme foi indicado ao Oscar na categoria de filmes estrangeiros e é forte candidato. Num ano que tivemos "Carol", que apesar de bom, não apresenta nada contundente, "Cinco Graças" desfila sobre a tela do cinema como delicado, mas imponente, com relações bem desenvolvidas e um estudo social extremamente impactante.

Nota: 

- Demolidor

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Crítica de "Steve Jobs"

Steve Jobs. Um dos maiores gênios do século 20, criador da dominadora do mercado mundial dos computadores, a Apple. Como todo gênio, Jobs não era perfeito, possuía problemas emocionais, dificuldade de relacionamento com familiares, além de medo de ser rejeitado. E é isso que o faz tão grande: o fato de ser um homem "ordinário". Não no sentido ruim da palavra, mas por ser um cidadão comum como qualquer outro, com problemas e decepções, mas um pensamento empreendedor, sem precedentes. E é essa face de Jobs que o filme de Danny Boyle retrata. Diferente de "Jobs" protagonizado por Ashton Kutcher que apresentava Steve Jobs como inalcançável e tratava muito mais da sua genialidade do que na persona em si, "Steve Jobs" apresenta seu protagonista da forma mais humana possível. E essa é a grande homenagem que o filme poderia prestar, visto que o que é retratado é o homem por trás das invenções, a ideia de que sem ele, nada existiria. Não é preciso olhar para o resultado final de uma obra para avaliá-la, mas sim o que a inspirou e o porquê dela existir, de modo até mesmo sociológico. O grande mérito do filme é mostrar tudo isso: a razão de Jobs criar os computadores, além das características pessoais do homem e seus atos falhos que não o desmerecem, mas o engrandecem devido a sua face tão palpável.

Tal grandioso roteiro é escrito por Aaron Sorkin. Um dos melhores roteiristas de Hollywood, é responsável por "O Homem que Mudou o Jogo" e "A Rede Social". É evidente o traço de sua escrita no filme, visto que a estrutura narrativa se assemelha muito com a da história do criador do Facebook. Mas aqui, é ainda mais brilhante. O roteirista convencional teria contado a história de Jobs desde o começo, nos fundos de garagem com o sonho de um dia alcançar o sucesso. Mas, no início do filme, já somos apresentados a um Steve Jobs famoso, às vésperas de um lançamento importante. É notável como em tão pouco tempo o personagem já prende a atenção do público. Claro, é o Steve Jobs. Mas, o grande acerto aqui, é o fato do roteiro já começar num nível tão alto de desenvolvimento de personagem. Em vez de tentar seguir uma espécie de gráfico afim, o qual sobe linearmente, o roteiro já apresenta o protagonista no topo de tal gráfico. Dessa forma, as linhas emocionais de narrativa de Jobs que vão sendo apresentadas aos poucos somente engrandecem a perspicácia do começo do longa. Além disso, uma coisa surpreendente foi a apresentação de outros personagens. Mesmo Jobs sendo o foco da narrativa (como tinha de ser), os outros têm espaço para serem desenvolvidos e contribuem muito para o desenrolar da história como um todo. É notável como cada personagem tem um tipo de relação diferente com o protagonista e como isso é apresentado de forma natural. O roteiro mostra um homem falho moralmente, com problemas de identificação, com um temperamento difícil e extremamente arrogante, que nunca se vê errado sobre nada. Existe forma mais bonita de se homenagear um ícone? Ao conhecermos os pontos fracos de Jobs e a forma como ele ultrapassou esses obstáculos em busca de um sonho maior, seu legado engrandece. Claro, todos conhecem Steve Jobs. Mas, duvido muito, que conhecem dessa forma.

A direção é de Danny Boyle, diretor de "Trainspotting" e "Quem quer ser um Milionário?". Sua direção é extremamente eficaz. O diretor apresenta muitos cortes em seu material, mas tudo isso resulta numa total imersão no cenário, visto que existem diversas posições de câmera presentes no longa. De acordo com a movimentação dos atores em cena, o diretor faz cortes ágeis e direciona a ação para outras câmeras. Isso é um artifício muito bem utilizado por Boyle que enaltece a ambientação. Dessa forma, o espectador se vê preocupado com a história em si, e não se vê preocupado com possíveis problemas técnicos. O uso de cores feito pelo diretor também é valioso, pois dão a tonalidade necessária a cada cena. Com o auxílio da trilha sonora, existem momentos extremamente introspectivos que promovem uma auto-reflexão no espectador. Tratando-se de uma cinebiografia, o diretor não precisava de dilemas morais. Mas, por isso o filme se vangloria, por não apresentar, sob nenhum aspecto, elementos clichês de filmes baseados na história de alguém. Trata-se de um filme original, que parece se basear na história de um ícone, mas que tem uma importante mensagem por trás.  Tal realização é difícil de se ver, pois, normalmente, o fato real supera a arte. Porém, aqui, é diferente. O filme configura-se como uma importante obra cinematográfica, por ser tão original, ao mesmo tempo que respeita seu protagonista.

O elenco está simplesmente sensacional. Michael Fassbender foi uma escolha acertadíssima, pois apresenta uma evolução de acordo com o personagem que condiz extremamente com roteiro. Além dele, Seth Rogen merece destaque por um papel contundente e que não pesa para o lado do humor. Jeff Daniels também provê uma interpretação excelente, mas o destaque é Kate Winslet, que dá muitas camadas a uma personagem não tão importante para a história, a princípio, mas que aos poucos se torna crucial. O grande mérito do filme é aliar um roteiro brilhante com uma direção sólida, capaz de dirigir atores e dar uma boa continuidade a história. Tratando-se de uma cinebiografia do criador da Apple, o filme não poderia ser convencional. A inovação está na forma como o filme trata seu protagonista, mostrando que Jobs era um ser imperfeito. E, é isso, que o torna tão humano (e tão extraordinário).

Nota: 

- Demolidor

Crítica de "A Grande Aposta"

Adam McKay sendo reconhecido pela Academia e pelo Globo de Ouro? Sim, é o mesmo diretor responsável pelas duas comédias "O Âncora" e "Tudo por um Furo", que apesar de serem excelentes, não combinam com o prêmio Oscar. Mas, então, qual trabalho de tal diretor seria capaz de surpreender tanto? Trata-se de um filme que conta a história de alguns economistas e banqueiros que premeditaram a crise econômica de 2008 muito tempo antes de acontecer. Mas, sinceramente, esse trabalho de Adam McKay nos faz sentir falta da época de Ron Burgundy. Não pela escolha da história, que é até boa, mas pela forma que foi executada.

O roteiro escrito por McKay e Charles Randolph é adaptado do livro de Michael Lewis. O grande problema é a falta de identidade que inspira. O filme se perde muito ao não saber se estabelecer como uma comédia, um drama ou até mesmo um drama satírico. Dessa forma, o longa constantemente alterna seu tom e isso prejudica muito o desenvolvimento dos personagens. Aliás, o filme não apresenta nenhum personagem realmente palpável; todos são superficiais e desinteressantes. Isso se deve ao fato, principalmente, de que não existe foco em nenhuma subtrama da história, tudo é jogado na tela sem uma preparação prévia, o que provoca um grande problema de apego com os personagens. Esse problema só não é tão acentuado devido ao incrível trabalho dos atores. Christian Bale está (mais uma vez) excelente em seu papel, demonstrando versatilidade e uma paranoia obsessiva (Vale lembrar que o ator já interpretou um psicopata na mesma ambientação de Wall Street). Mas, o ator que segura realmente o filme é Steve Carell. Ele consegue tornar seu personagem um tanto quanto caricato, mas também passional, de forma que suas atitudes sejam sempre surpreendentes. Todo o tempo de tela dado ao ator é muito bem aproveitado e, sem sombra de dúvidas, é a parte mais interessante de todo o filme.

Mas, com o tempo, e toda a mudança de personagens, o filme torna-se extremamente confuso. O espectador já não consegue mais fazer um elo entre as ações e o roteiro torna-se extremamente vazio e entediante. Ora, a quantidade de termos de economia é imensa, e, mesmo fazendo tentativas humorizadas de explicá-los, simplesmente não funciona. E o grande problema disso tudo é que tamanha quantidade de termos no final não fez diferença alguma. A história teria se encaminhado muito bem sem tantas informações. Mesmo o filme não sendo tão grande em extensão (aproximadamente 2 horas), ele é, muitas vezes, monótono e lento. A direção de McKay tenta ser inventiva, mas é atrapalhada pelo roteiro falho. É visível a movimentação de câmera e a montagem que remetem muito a séries de comédia como "The Office", por exemplo. Se o filme se assumisse como uma comédia o tempo todo funcionaria perfeitamente, porém o fato de oscilar muito, prejudica esse tipo de direção, visto que não funciona dentro de padrões dramáticos. A decepção está no fato de que o começo do filme é muito promissor. Existe o recurso de "quebrar a quarta parede" que funciona muito bem, trazendo uma comédia extremamente irônica e funcional. Mas, depois de um tempo, esse recurso é simplesmente inexplorado e o filme realmente parece se "levar a sério". Ora, se fosse para ser um filme dramático sobre a crise econômica, Adam McKay certamente não seria a melhor escolha de direção.

Economia, comédia.. Lembra alguma coisa, certo? "O Lobo de Wall Street", que já é um clássico recente, demonstra como unir o mundo real com o mundo cinematográfico da comédia da melhor forma possível. E ainda mais: o filme funciona tanto como realização cinematográfica quanto como retrato fiel ao mundo da economia. O grande problema de "A Grande Aposta" é não se inspirar no modo como os fatos foram apresentados no filme de Scorsese. Logicamente existem alguns alívios cômicos certeiros no filme, muitos até contundentes quanto a situação social que a crise inspirou/inspira. E todo esse potencial cômico é tão mal explorado que decepciona. Uma história relevante como essa nas mãos de um grande realizador humorístico tinha tudo para dar certo. Mas, parece que (não sei se por opção do próprio diretor ou dos produtores) o filme optou por um caminho deveras mais fácil, longe da polêmica. Como resultado, temos um filme convencional e extremamente burocrático, com atuações desperdiçadas e a genialidade de um roteirista/diretor que não é aproveitada. O roteiro se desenvolve de forma massante, com informações desnecessariamente longas e inúteis para a história, tornando-se um filme apenas digno para praticantes da área de economia. Para o público cinéfilo, pode-se dizer que trata-se de (literalmente) um colapso.

Nota: 

- Demolidor


terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Crítica de "Snoopy & Charlie Brown: Peanuts, o Filme"

Essa não é uma animação convencional. Trata-se de uma simples história de um garotinho tentando conquistar o coração de uma nova colega de classe. O filme não tenta nem um pouco se tornar grandiloquente, apenas se preocupa em desenvolver a história da melhor maneira possível. Quem não conhece Charlie Brown e Snoopy? Criados pelo gênio Charles M. Schulz, os personagens já são clássicos das histórias em quadrinhos, principalmente em tirinhas de humor. Toda a inocência da criança, os dilemas são tão bem explorados, que muitas tirinhas servem como uma grande viagem ao seu eu interior. Adaptar uma obra tão importante dos quadrinhos para o cinema é uma tarefa deveras difícil. Como manter todas as reflexões que o material original oferece em uma nova mídia? A tarefa ficou nas mãos do diretor Steve Martino ("A Era do Gelo 4"), supervisado pelo estúdio Blue Sky e pela produtora Fox, roteirizado por Bryan Schulz, Craig Schulz e Cornelius Uliano.

A grande genialidade do roteiro é de ser um filme de crianças. Mas, mesmo assim, não é somente para crianças. Ao mesmo tempo que existem piadas literais, brincam com Liev Tolstoy. Todos os personagens do filme são crianças. Quando há a presença de um adulto, ele não é mostrado e sua fala é distorcida. Isso promove uma grande imersão no universo infantil que o filme promove, mesmo não sendo somente para um público dessa faixa etária.Todo o universo caricato já amado pelos fãs de Charlie Brown é transposto para a tela de uma forma extremamente natural e divertida. Durante toda a sessão tive a impressão de estar lendo uma grande tirinha de humor. Isso também só é possível pelo traço que o diretor deu ao longa. Fugindo do estereótipo das animações feitas tentando parecer ao máximo realistas, o filme de Charlie Brown utiliza um método não convencional que funciona muito de acordo com a proposta do filme. O traço caricato, a movimentação espalhafatosa, o uso de onomatopeias. Tudo isso remete muito aos quadrinhos e isso engrandece muito a qualidade da obra, pois mostra que as diferentes mídias de comunicação visual podem dialogar. Além disso, como a história é relativamente simples, o roteiro se preocupa muito em dar camadas aos personagens. Todos da turma de Charlie Brown tem seu papel no filme; não são apenas coadjuvantes descartáveis. Snoopy serve como o alívio cômico principal. A química entre o cão e seu dono funciona muito bem, mas quando o cachorro começa a escrever um livro próprio inventando uma aventura, o filme torna-se previsível. Essas cenas parecem ter sido feitas apenas para suprir uma necessidade de grandiosidade e aventura para a história, e isso prejudica o andamento do longa. Ora, com uma construção tão boa dos personagens, das situações, como uma animação que lida com o cotidiano de uma criança comum, não era necessário uma história paralela que não dialogasse com o propósito principal do filme.

A música é muito boa. Não existe uma trilha sonora instrumental marcante, mas músicas compostas que dialogam perfeitamente com a tonalidade do filme. Além disso, o visual da animação é belíssimo. O contraste entre as paisagens bem renderizadas e a caricatura nas feições dos personagens serve para demonstrar, novamente, a comunicação de duas mídias. Aliás, trata-se de um filme que consegue explorar muito bem a ideia de paradoxo. Contrastes são feitos o tempo inteiro, tanto em relação a movimentos da câmera, apresentação de personagens, alívios cômicos e visual. Tal construção promove uma quebra de expectativa interessante que gera humor. Mas, não é um humor para se gargalhar, trata-se apenas de sacadas boas em relação a história que dialogam com a realidade. Aliás, o desenvolvimento da paixão de Charlie Brown é muito bem feito. Combinando um personagem forte, uma apresentação caricata, músicas propícias e a inocência das crianças em relação a relacionamentos, o filme apresenta um clima extremamente "fofo", no mais profundo sentido da palavra. Trata-se de um roteiro suave que consegue ser misturado com uma direção competente, garantindo que a animação tenha uma ótima qualidade.

Pode-se dizer que o fato de Charlie Brown ser estabanado foi levado ao extremo, mas essa sempre foi a essência dos quadrinhos, e, aqui, essas características servem para o desenvolvimento do arco do protagonista. Aliás, em termos de estrutura narrativa, o filme é praticamente impecável, sabendo divertir, dar lições contundentes e provocar reflexões extremamente pessoais. É gratificante perceber que ainda existe tal tipo de animação no cinema "mainstream". Logicamente, a Disney e a Pixar se tornaram referências quanto a qualidade da animação, mas sempre com histórias fantasiosas e extrema qualidade gráfica. A Blue Sky acerta ao realizar um projeto que não se espelha em nenhum grande estúdio e, fugindo das formas padrão de animação, proporciona um filme divertido e reflexivo, capaz de entreter crianças, mas, principalmente, homenagear os fãs de Charles M. Schulz.

Nota: 

- Demolidor

Crítica de "Creed: Nascido para Lutar"

Um homem que veio do nada. Simples, conseguiu tudo que tem através do esforço e da superação, mesmo que, muitas vezes, as probabilidades não apontassem a seu favor. Estou falando de Rocky Balboa ou Sylvester Stallone? A franquia do boxeador mais famoso do mundo começou exatamente 40 anos atrás com o filme "Rocky - Um Lutador". Aclamado pela crítica e sucesso de audiência, o filme conquistou 3 estatuetas do Oscar, incluindo melhor filme e melhor direção. Talvez seja tão amado pelo fato de Rocky representar o típico "sonho americano", um imigrante que tenta a sorte na América. Foi o filme que lançou Stallone no estrelato e existem muitas relações entre o ator e o personagem. Pode-se dizer que um é o alter-ego do outro e que cada frase que Balboa pronuncia está evocando reais pensamentos de Stallone. Como não lembrar do eternizado discurso do sexto filme? "Ninguém baterá mais forte que a vida...". É notável como tudo que o Rocky representa se encaixa perfeitamente com seu intérprete. E é isso que faz a franquia ser tão querida: o esforço do ator. Eis que chega um sétimo filme com o personagem, mas uma diferente franquia. No longa, Adonis Johnson (Michael B. Jordan), filho de Apollo Creed, vai para a Filadélfia ter aulas de boxe com Sylvester Stallone, em busca de provar a si mesmo suas virtudes e entrar no mundo profissional do boxe.

O roteiro é de Aaron Covington e Ryan Coogler. Em termos de narrativa, se assemelha muito ao primeiro filme. Apresenta os mesmos traços e desníveis dramáticos que acompanham a jornada do "herói". A apresentação do universo, o começo entre as relações dos personagens, crises, conflitos e o clímax. Mas, mesmo sendo tão parecido, o roteiro tem um quê de original. Apesar do filme de 1976 ser um ícone, não é perfeito. Lá, Adrian, o par romântico, não foi muito bem explorado. Aqui, porém, existe uma evidente preocupação do roteirista em dar profundidade aos personagens, desenvolvendo também suas limitações para serem vencidas. Afinal, o filme trata exatamente disso. Todo mundo tem uma luta a vencer, um obstáculo para ultrapassar. Uns lutando boxe, outros em rumo do estrelato da música, outros em batalhas comuns do dia a dia; no final todos só tem um objetivo: dar o melhor de si. E, como o próprio Rocky diz, o resultado é consequência. E é isso tão bonito no filme, as mensagens de incentivo e otimismo que inspira. Balboa foi criado para ser um treinador. Tudo que ele fala faz completo sentido não só para o mundo da luta, mas também para o mundo real. Isso demonstra um trabalho carinhoso do roteiro em apresentar diferentes camadas emocionais a fim de genuinamente prender a atenção do espectador e, até mesmo, emocionar. Pode-se dizer que trata-se de um roteiro que mesmo não sendo ousado, consegue cumprir sua proposta e servir bem à história. Além disso, existem algumas referências marcantes aos filmes antigos do Garanhão Italiano e, até mesmo, a outros filmes como "O Poderoso Chefão" e "007 - Operação Skyfall" que se apresentam como um "fan service", visto que não tem peso para a história, mas são uma homenagem honrada aos fãs.

A direção é de Ryan Coogler. O jovem diretor já havia trabalho com Michael B. Jordan no ótimo filme independente "Fruitvale Station: A Última Parada". Trata-se do quesito onde o filme brilha. Provavelmente Coogler já é o melhor diretor que a franquia teve. Através de técnicas apuradas e praticidade, o diretor entrega uma excelente obra. Existe uma cena específica de luta que o diretor usa um plano-sequência de longa duração que é puro cinema. A câmera se movimenta de acordo com a movimentação dos lutadores, mostra a plateia, os treinadores, retorna a luta. Tudo isso sem nem um corte, com uma leveza de movimentação impressionante. Em outras cenas de luta, o diretor usou o artifício do corte rápido que também funciona muito bem e dá agilidade ao combate. A junção entre esses dois métodos de filmagem resultou em cenas incrivelmente arquitetadas e executadas. Tudo isso foi muito ajudado por uma nova trilha sonora envolvente, músicas encaixadas nos momentos certeiros, além de uma sonoplastia perfeita em relação aos socos e pancadas. A mixagem e edição de som estão perfeitas e contribuem para uma maior autenticidade da direção. Além disso, o trabalho de edição e montagem é praticamente impecável. Isso é um grande avanço para a franquia, visto que nunca em filmes do Rocky existiu tamanha qualidade técnica na direção. As cenas de luta, que são o ponto forte do filme, parecem retiradas de uma luta real transmitida pela ESPN. Simplesmente fantástico.

Todo esse árduo trabalho de direção e roteiro foi muito bem acompanhado pelo elenco. Michael B. Jordan apresenta muito carisma e muita capacidade como ator. O jovem vem se mostrado talentoso e tende a evoluir. Tessa Thompson também merece destaque ao interpretar Bianca. Mas, o grande astro, que faz esse filme existir é Sylvester Stallone. É sabido por todos que artisticamente falando, Stallone nunca foi um excelente ator; sempre venceu no carisma. Mas, o filme parece tão bem encaixado, que até mesmo o grande Sly consegue prover uma atuação digna, que realça bem os sentimentos do personagem, sem deixar a força bruta falar mais alto. Muitos podem dizer que foi um exagero ele ter ganhado o Globo de Ouro por melhor ator coadjuvante, mas, uma coisa é certa, Stallone mereceu. Não por esse trabalho, nem por qualquer outro que já teve. Mas por tudo que ele fez para o cinema, todas as pessoas que ele inspirou ao criar o mitológico Rocky Balboa. Afinal, o cinema também pode possuir um papel inspirador. E isso ninguém pode tirar de Stallone, portanto já era hora de seu trabalho ser reconhecido. Mais uma grata surpresa no ano de 2016, o filme consegue resgatar suas raízes, ao mesmo tempo que apresenta um novo arco passível a continuações. Nesse quesito, o filme lembra muito "Star Wars - O Despertar da Força". Isso demonstra que essa fórmula pode dar certo, pois ambos os filmes não são remakes, são apenas continuações com novos núcleos de personagens. "Creed - Nascido para Lutar" apresenta como destaque sua cinematografia praticamente impecável, que torna o filme a melhor obra já feita com Rocky Balboa.

Nota: 

- Demolidor

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Top 10: Filmes 2015

2015 foi um ano de ouro para os cinéfilos. Desde as grandes produções até os filmes independentes, a qualidade foi altíssima. Resolvi fazer uma pequena homenagem a tais obras que engradeceram a sétima arte (Obs: os filmes aqui relatados tiveram estreia no Brasil em 2015, mas alguns são de 2014 e até mesmo de 2013). O ano começou com os filmes de Oscar e tivemos várias obras excelentes como "Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância", "Whiplash - Em Busca da Perfeição" e "Selma: Uma Luta pela Igualdade". No quesito filmes de ação o ano também não deixou a desejar com "Missão Impossível - Nação Secreta", o coreano "O Expresso do Amanhã" e a grata surpresa "Kingsman: Serviço Secreto". Este ano também foi o ano das animações com a volta grandiosa da Pixar com "Divertida Mente" e o grande filme japonês "O Conto da Princesa Kaguya". Também tivemos a volta de diretores consagrados a um patamar elevado como Ridley Scott em "Perdido em Marte", Steven Spielberg em "Ponte dos Espiões" e Robert Zemeckis em "A Travessia". Foi o ano da volta de grandes blockbusters com os grandíssimos "Mad Max - A Estrada da Fúria", "Jurassic World" e "Star Wars - O Despertar da Força". O cinema europeu também teve grandes obras como o francês "Dois dias, Uma Noite" e o russo "Leviatã". No cinema independente americano merecem destaque "Ex-Machina: Instinto Artificial", "O Ano mais Violento" e "Sicario: Terra de Ninguém". A Netflix lançou seu primeiro filme original, o poderoso "Beasts of no Nation". Tivemos o excelente documentário sobre a turnê do Pink Floyd "Roger Waters: The Wall". Para finalizar, o Brasil mostrou que ainda é capaz de produzir cinema de alta qualidade. Destaque para os documentários "O Sal da Terra" e "Chico - Artista Brasileiro", a animação "O Menino e o Mundo" e os drama "Que Horas ela Volta?" e "Entre Abelhas". Eis os 10 melhores:

  • Mad Max - A Estrada da Fúria
  • Star Wars - O Despertar da Força
  • Que Horas ela Volta?
  • Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância
  • Whiplash: Em Busca da Perfeição
  • Divertida Mente
  • Perdido em Marte
  • Dois dias, Uma Noite
  • Selma: Uma Luta pela Igualdade
  • Ponte dos Espiões
- Demolidor

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Crítica de "Carol"

2015 foi realmente o ano das mulheres no cinema! Tivemos a Imperatriz Furiosa comandando a ação do melhor do ano "Mad Max", Rey descobrindo a Força como ninguém havia feito antes na saga "Star Wars" e até mesmo o Brasil no excelente "Que Horas ela Volta?" apresentou uma personagem feminina cativante. "Carol" chega com a proposta de fechar o ano com chave de ouro contando a história de um amor entre duas mulheres: Carol e Therese, no início dos anos 50, nos EUA. O filme poderia trazer uma crítica contundente a sociedade machista da época e colocar peso histórico na obra, mas parece querer "não botar a mão no fogo" para um possível Oscar, pois apesar de tudo, é um romance belíssimo.

O roteiro é de Phyllis Nagy, adaptado do romance "The Price of Salt" de Patricia Highsmith. É um ponto que oscila muito. O primeiro ato do filme é muito promissor; a apresentação das personagens é muita boa, assim como o desenvolvimento de sua relação inicial. Porém, a partir da metade do filme, o longa perde um pouco o foco no amor entre as duas mulheres e corta o clima suave que inspirava. Existem muitas cenas que não deveriam estar lá, pois tiram a atenção do espectador da história principal e não acrescentam nada em termos de narrativa. Tratando-se de um filme de tamanho peso, num ano tão relevante para o papel da mulher no cinema, o roteiro, sem ousadia e coragem, não sai da mesmice de filme da Academia. A fórmula de sempre se repete: filme que mostra uma bonita história de amor, mas que não desenvolve bem os dramas das entrelinhas que poderiam elevar o longa a um importante estudo sociológico das relações interpessoais. Talvez a extrema frieza que o filme inspira seja o principal vértice dessa falta de humanismo; a relação não transcende para algo maior e mais relevante, apenas foca no desejo e na paixão inicial. Dessa forma, a veracidade dos fatos não é tão comprovada, visto que o real amor e companheirismo das personagens não são expressos. Além disso, o final deixa a desejar, por não apresentar a virada que poderia. O longa segue uma linha tênue e previsível, do início ao fim.

A direção é de Todd Haynes e é aí que o filme começa a ganhar seu valor. Se o roteiro era frio e distante, a direção é extremamente humana e acolhedora. No início do filme, somos apresentados ao cotidiano de cada uma das personagens. Através da exploração do espaço do cenário e na colocação das respectivas personagens em cantos da tela, o diretor demonstra que mesmo rodeadas de pessoas, elas não eram felizes. A partir do momento que elas se conhecem e vão se apaixonando lentamente, o diretor vai usando planos mais fechados que ajudam a perceber uma sintonia, o começo de uma cumplicidade. Além disso, a câmera vai cada vez mais se prendendo aos detalhes do cenário, do figurino e das atuações em si. Afinal, tal direção detalhista só foi perfeita devido a excelente dupla de atrizes. Cate Blanchett não precisa de mais elogios: vivendo um dos melhores momentos de sua carreira, Blanchett consegue transpor todos os sentimentos que a personagem inspira, ao mesmo tempo que consegue passar para a tela a agonia que sofre ao retrair tantos problemas relacionados a guarda da filha e a repressão que sofre devido a seu relacionamento homossexual. Normalmente quando a atriz protagoniza um filme desses, todas as demais são ofuscadas. Porém, Rooney Mara apresenta uma bela surpresa. A jovem atriz consegue segurar bem o tempo de tela ao lado de Blanchett, contribuindo para o engrandecimento das cenas em conjunto e garantindo sua segunda indicação ao Oscar. A pena é que o roteiro não está à altura das atrizes e isso, infelizmente, ofusca o potencial do filme como um todo.

Talvez o ponto mais forte da obra seja a trilha sonora de Carter Burwell. É simplesmente fantástica e condiz perfeitamente com o tom que a narrativa deveria tomar. Trata-se de uma trilha suave, sempre presente e que emociona devido a sua leveza lírica. O filme aborda questões relacionadas a sociedade machista da época, mas de forma muito sutil. É visível a força das personagens principais perante os homens presentes, porém devido ao momento histórico que o filme retrata, a relação entre elas não era, de modo algum, aceita. É só pegar o caso de Alan Turing em "O Jogo da Imitação": ele foi morto por ser acusado homossexual. Logicamente Carol e Therese sofrem tipos diferenciados de discriminação, mas não é tão claro como na obra citada. Essa falta de confiança em apresentar a repressão que elas sofreram de verdade faz com que sua luta não seja tão admirada. É muito bonito ver as personagens seguindo em frente com um amor visto como "fora dos padrões", mas do jeito que o filme apresenta, não parece uma coisa tão incomum assim. Se não fosse pelo cenário, maquiagem e ambientação, pode-se dizer que o tempo do filme se assemelha muito com o tempo atual. "Carol", porém, não é um filme ruim. Trata-se apenas de uma pequena decepção, visto que tinha de tudo para realizar críticas contundentes e reflexivas. Com direção detalhista, atuações impecáveis e trilha sonora marcante, "Carol" é muito prejudicado por roteiro enfadonho e até certo ponto covarde, por não criticar padrões sociais repugnantes.

Nota: 

- Demolidor

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Crítica de "Spotlight - Segredos Revelados"

O papel da imprensa na descoberta e divulgação dos fatos sempre foi muito retratado no cinema. "Cidadão Kane" e "Todos os Homens do Presidente" são clássicos que abordam o panorama do jornalista perante à sociedade. Mais recentemente tivemos o excelente filme "O Abutre" que mostra como a mídia pode ser corrompida e corromper, ao mesmo tempo. Chega então 2015 com "Spotlight", um dos fortes favoritos ao Oscar. Mas o que o filme tem de tão especial? Trata-se de uma história baseada em fatos reais que acompanha a equipe Spotlight, pertencente ao jornal Boston Globe, em 2001, investigando casos de padres católicos da cidade que molestavam crianças. É um tema muito atual, visto que o escândalo é forte até hoje com descobertas cada vez mais profundas que chegam até o Vaticano.

O roteiro é escrito por Josh Singer ("O Quinto Poder") e Tom McCarthy ("Trocando os Pés"). Um grande mérito é mostrar de forma clara o cotidiano de um jornalista de grande porte, desde as reuniões na redação, até as horas a fio sem dormir e a paixão por histórias relevantes. Além disso, trata-se de uma grande homenagem a Spotlight (vencedora do prêmio Pultizer por Serviço Público), pois mesmo contra tantas adversidades, a equipe seguiu em frente com uma história deveras polêmica que, tanto podia elevar suas carreiras, como destruí-las. Em termos de realidade trata-se de um roteiro muito fiel aos fatos, mas em termos de obra artística é um pouco embaraçoso. Muitas vezes o espectador se vê perdido no meio de tantos nomes e processos jurídicos diferentes, visto que a apresentação do universo não é tão completa quanto a da equipe. Isso tira um pouco o público da história central, porque começam as perguntas: "Com quem é mesmo que ele tá falando?" ou "Que processo é esse?". Além disso, o filme apresenta um problema de ritmo, pois o arco emocional não é tão bem desenvolvido quanto deveria. Mesmo tratando-se de uma história real, seria necessário um clímax mais forte que condissesse com o tom que o longa propôs a tomar. Porém, esses problemas de ritmo e identificação com certos personagens  não atrapalham a experiência como um todo, pois trata-se de uma realidade muito contundente, apesar de configurar dessa forma um roteiro aquém do potencial que a história possui.

A direção é de Tom McCarthy. Trata-se de seu primeiro projeto audacioso baseado em fatos reais. E é o ponto alto do filme. Pode-se dizer que trata-se de uma direção depressiva, todavia no bom sentido (se é que existe um). À medida que as descobertas são feitas e o patamar do escândalo vai só aumentando, isso realmente mexe com as emoções do espectador. E isso é claramente um trabalho do diretor, no uso de cores frias e sem vida, trilha sonora melancólica e, principalmente, na condução dos atores na cena. É uma direção muito visceral, esmagadora que mostra o apelo de McCarthy em fazer uma crítica forte aos padres molestadores. E isso é muito importante: a crítica não é, de forma alguma, à religião católica, mas sim à Instituição devido ao poder excessivo da Igreja que é capaz de dominar Tribunais e a própria mídia, além da má conduta dos padres praticantes do estupro. E o diretor é pertinente quanto ao isso, ele faz questão de sempre relembrar que trata-se de crianças no processo. A câmera constantemente passa "involuntariamente" por um parquinho ou mostra crianças brincando perto da Igreja. É um apelo visual imenso, pois o espectador realmente entende a gravidade da situação e isso provoca uma espécie de mal-estar. Este é o grande mérito da direção: deixar o espectador se sentindo mal devido a um fato que aconteceu. Muitas vezes esse é o melhor método para as pessoas realmente enxergarem uma realidade opressora.

Outro ponto forte do filme é o elenco, com destaque aos atores Michael Keaton, Mark Ruffalo e John Slattery. Michael Keaton retorna mais uma vez a um bom papel depois do excelente "Birdman", servindo como uma espécie de mentor da equipe que coordena a investigação como um todo. John Slattery é uma agradável surpresa, pois consegue apresentar de forma orgânica a tensão que todos sentem ali e seu semblante muda de acordo com o filme. Porém, o destaque do "casting" é realmente Mark Ruffalo. Ele apresenta uma atuação apaixonada e realmente capta o espírito do repórter do caso, ofuscando os demais subalternos do personagem de Keaton. Ruffalo tem se mostrado cada vez mais inteligente na escolha de papéis e proporcionado excelentes atuações, lembradas, constantemente, pela Academia. O filme em si não é perfeito, longe disso. Apresenta alguns problemas de roteiro que prejudicam o engrandecimento de certos personagens, além da fotografia não ser muito explorada. Mas a direção e o elenco conseguem sustentar de forma eficiente o filme, atraindo a atenção do espectador para uma história brutal. Trata-se de uma crítica contundente a um sistema falido que precisa ser assistida como uma forma de conhecimento a uma realidade mais próxima do que se imagina e não como apreciação a um cinema perfeito.

Nota: 

- Demolidor